E se… Trótski tivesse vencido Stálin na sucessão de Lênin?
Os acontecimentos são resultado da ação das classes sociais e, de certa forma, tornam-se previsíveis.
Para os marxistas, a história é uma ciência exata. Os acontecimentos são resultado da ação das classes sociais e, de certa forma, tornam-se previsíveis. Mas, com todo respeito a Karl Marx, pessoas fazem a diferença e podem, sim, mudar a história, mesmo no epicentro da revolução do proletariado. Tanto assim que, para muitos especialistas, o destino do mundo seria outro, hoje, bastando para isso que apenas dois indivíduos trocassem de papéis: Leon Trótski e Joseph Stálin.
Para entender essa mudança, é preciso voltar no tempo. Em 1924, morreu Vladimir Lênin, o líder da revolução russa de 1917. Leon Trótski, o popular chefe do Exército Vermelho, era visto como seu sucessor natural. Mas foi Stálin quem chegou lá, apoiado pela poderosa burocracia estatal. A dissidência trotsquista rachou o marxismo em dois grandes grupos. Os seguidores de Trótski pregavam que o comunismo só seria possível em escala mundial e que a função do revolucionário era fomentar levantes em todo e qualquer país. Já os seguidores de Stálin acreditavam que a transformação da sociedade seria o resultado de um processo gradual e que a função dos comunistas era, antes de tudo, preservar as conquistas da revolução russa. Empossado, Stálin começou uma metódica eliminação de opositores, entre os quais Trótski, que, expulso da Rússia em 1927, acabou assassinado em 1940.
Com Trótski no lugar de Stálin, o mundo seria outro, diz Osvaldo Coggiola, professor de história contemporânea na Universidade de São Paulo. Para Osvaldo, a sorte de Tróstki foi decidida não na Rússia, mas na Alemanha. Em 1923, os comunistas alemães começaram um levante. A divergência entre Trótski e Stálin era, mais uma vez, de estratégia. O primeiro defendia uma tomada de poder imediata. Mas Stálin depositava as esperanças num pacto com a social-democracia alemã, o que de fato ocorreu. A confusão gerencial fez a revolução naufragar na terra de Goethe e abriu caminho para a ascensão do nazismo.
Mas, se Trótski fosse o líder russo, provavelmente a revolução alemã teria sido um sucesso, e a Alemanha, então dona da indústria mais avançada da Europa, se uniria à Rússia, criando uma União Soviética ampliada e vigorosa – a maior potência militar e econômica do mundo. Levantes proletários eclodiriam em todo o planeta. Com um cenário desses, bastaria um tropeço do capitalismo – como a quebra da bolsa de Nova York, em 1929 – para que a onda vermelha varresse a Europa até o final dos anos 30. Certamente haveria resistências a esse avanço, mas a lembrança dos combates sanguinários da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) talvez impedisse confrontos armados. Antes de torcer o nariz a essa possibilidade, lembre-se de que, nessa hipótese, possivelmente o nazismo jamais seria concebido e a Segunda Guerra Mundial não ocorreria em 1939.
O equilíbrio do mundo seria outro. Sem a destruição da economia européia, os Estados Unidos não emergiriam como a potência hegemônica na segunda metade do século 20. A China também seria extremamente afetada por uma União Soviética mais agressiva. Com Trótski no poder, é provável que os comunistas dominassem o país de Confúcio muito antes de 1949. O capitalismo estaria reduzido aos Estados Unidos, ao Japão e, precariamente, à América Latina. A África, para variar, seria palco de disputas violentas entre os dois regimes. No Pacífico, por sua vez, a China certamente avançaria sobre o Japão, detonando uma corrida armamentista.
A sucessão de Trótski poderia, no entanto, mudar o quadro global. Ao contrário de Stálin, ele talvez não eliminasse opositores, acomodando-os no aparelho estatal, como Lênin fizera antes dele. Nesse futuro paralelo, os stalinistas poderiam suceder Trótski e moderar a postura agressiva da URSS. Não é difícil imaginar Mikhail Gorbachev assumindo o Parlamento nos anos 80 e iniciando um entendimento com o capitalismo. O certo é que, dominando três quartos do globo, o comunismo não ruiria nos anos 90. A queda do muro de Berlim, símbolo da derrota da esquerda, jamais aconteceria em 1989 porque, afinal, ele nunca teria sido construído.
E o Brasil, como ficaria?
Não muito bem. Com o capitalismo reduzido, já nos anos 30, às Américas e ao Japão, os Estados Unidos não aceitariam ameaças em sua vizinhança, acredita o historiador Osvaldo Cogiolla. É provável que os americanos patrocinassem intervenções no continente, antecipando a influência que tiveram durante a Guerra Fria, quando apoiaram regimes autoritários como os de Augusto Pinochet, no Chile, e de Médici, no Brasil. A esquerda seria duramente reprimida e é improvável que a revolução cubana terminasse com a vitória de Fidel Castro em 1959. O líder cubano talvez fosse, hoje, um mártir da causa revolucionária, como seu amigo Che Guevara.
No Brasil, o Partido dos Trabalhadores talvez nem existisse – quem sabe operaria clandestinamente – e é impensável que um líder sindical fosse o presidente brasileiro em 2003, mesmo que, como Lula, atenuasse o discurso e as atitudes. Afinal, o mundo estaria provavelmente em plena Guerra Fria e a América Latina, submetida a ferozes ditaduras. Um texto como este seria com certeza proibido pela censura e o autor e os leitores poderiam acabar na cadeia. Mas há outra possibilidade. Com a drástica redução dos mercados internacionais, talvez o capitalismo desmoronasse. Nesse caso, estaríamos sob a ditadura do proletariado e João Pedro Stédile talvez fosse o homem de confiança do Império Comunista no Brasil. O país estaria sob o domínio dos sovietes e a Superinteressante seria uma revista estatal. Um texto como este seria acusado de “revisionista” e condenaria o autor e seus leitores a passarem um tempinho em aulas de “reeducação revolucionária” – na Sibéria, é claro.
Entre dois pólos
A troca de poder na Rússia teria mudado a configuração do mundo, hoje
Estados Unidos: o país seria o líder do bloco capitalista, mas teria de intervir fortemente na política interna dos vizinhos.
Cuba: diante do avanço do comunismo, talvez os Estados Unidos impedissem a vitória de Fidel Castro.
América do Sul: ditaduras militares pró-EUA tomariam conta de todo o subcontinente.
África: provavelmente seria palco de guerras civis e de guerrillhas entre grupos sustentados pelos dois blocos.
Eurásia comunista: a União Soviética seria um só país, governado com mão de ferro, que se estenderia da costa atlântica ao mar da China.