Eles nunca disseram isso
Certas frases que entraram para a história não passam de grandes mal-entendidos
“PLAY IT AGAIN, SAM”
Humphrey Bogart
“Toque isso de novo, Sam”. Em Casablanca (1942), é assim que o personagem Richard Blane, interpretado por Humphrey Bogart, pede ao pianista do Rick’s Cafe que toque novamente a música As Time Goes By, certo? Errado. Ninguém diz essa frase no filme. O diálogo que realmente acontece entre o pianista vivido por Dooley Wilson e a atriz Ingrid Bergman no papel de Ilse Lund é o seguinte:
1. Ingrid: “Toque uma vez, Sam. Em homenagem aos velhos tempos”.
2. Wilson: “Não sei o que quer dizer, senhorita Ilse”.
3. Ingrid: “Toque, Sam. Toque As Time Goes By“.
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“ELEMENTAR, MEU CARO WATSON”
Sherlock Holmes
A frase mais famosa do detetive não aparece em nenhuma das 60 histórias escritas por seu criador, sir Arthur Conan Doyle (1859-1930). Nos textos originais, Sherlock Holmes diz apenas “elementar”. Quem adicionou o “meu caro Watson” foi outro autor, Pelham Wodehouse. No livro Psmith Journalist, de 1915, um personagem de Wodehouse faz referência a Holmes e murmura: “Elementar, meu caro Watson, elementar”. A frase caiu no gosto popular. E acabou sendo atribuída ao detetive de Doyle.
“SE NÃO TÊM PÃO, QUE COMAM BRIOCHES”
Maria Antonieta
Na França do rei Luís 16 (1754-1793), o povo passava fome. Aí vem a rainha e solta a seguinte pérola: “Se não têm pão, que comam brioches”. Com tamanha demonstração de insensibilidade, fica fácil entender porque Maria Antonieta era odiada. Acontece que ela jamais disse isso. Segundo os americanos Paul Boller e John George, autores do livro They Never Said (“Eles Nunca Disseram”, inédito no Brasil), essas palavras foram escritas pelo filósofo Jean-Jacques Rousseau na autobiografia Confissões, concluída em 1769. Àquela altura, Maria Antonieta tinha apenas 13 anos. E nem era casada com Luís 16.
“UM PEQUENO PASSO PARA O HOMEM, UM GIGANTESCO PASSO PARA A HUMANIDADE”
Neil Armstrong
Não foram bem essas as palavras usadas pelo astronauta quando ele se tornou o primeiro homem a pisar na Lua, em 20 de julho de 1969. Na verdade, Neil Armstrong disse que o passo era pequeno para “um” homem. Parece bobagem, mas a mudança de artigo faz toda a diferença. Se tivesse usado “o”, Armstrong estaria se referindo à raça humana. Como usou “um”, referiu-se ao indivíduo – no caso, ele mesmo. O mal-entendido ocorreu porque, em função da energia estática, a transmissão de rádio falhou – e o termo “um” não foi captado pela equipe da Nasa aqui na Terra. Na hora de reproduzir a frase do astronauta, a imprensa mundial optou pelo “o”, bem mais impactante.
“DESAPROVO O QUE VOCÊ DIZ, MAS DEFENDEREI ATÉ A MORTE SEU DIREITO DE DIZÊ-LO”
Voltaire
Toda vez que se evoca liberdade de expressão, aparece alguém citando essa frase de Voltaire (1694-1778). Mas Paul Boller e John George garantem que, assim como ocorreu com Maria Antonieta, o filósofo francês jamais disse isso. Quem cunhou o slogan, segundo os pesquisadores, foi a escritora britânica Evelyn Hall, na biografia intitulada Os Amigos de Voltaire, de 1906. Ao relatar o apoio que o filósofo deu a um sujeito cujo livro havia sido condenado pela Igreja, Evelyn escreve: “Desaprovo o que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo, foi a atitude de Voltaire naquele momento”.