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Eu sei que você sabe que eu sei

A capacidade de se reconhecer no espelho e intuir que outros seres também têm uma mente criou animais capazes de compaixão - e crueldade

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h23 - Publicado em 31 out 2007, 22h00

Texto Reinaldo José Lopes

Existe algo de misterioso na capacidade de se olhar no espelho e dizer mentalmente: “Esse aí sou eu”. Pouquíssimos são os bichos não humanos que realizam esse truque, porque ele exige não só a habilidade de pensar, mas a de pensar sobre o próprio pensamento – algo na linha “Eu sei que eu sei”. A maioria dos psicólogos concorda que o truque do espelho é um dos passos para possuir uma das capacidades mais complexas do reino animal, apelidada de Teoria da Mente.

O nome, claro, engana um pouco. Não é nada tão matemático quanto a Teoria da Relatividade, embora exija o primeiro grande salto de abstração da história da vida. Ela envolve a capacidade de imaginar que outras criaturas no mundo, assim como nós, também estão dotadas de idéias, opiniões e desejos. Na sua forma mais sofisticada, a Teoria da Mente parece aquelas bonecas russas as quais, quando você abre, começam a revelar mais e mais bonecas parecidas e menores dentro. Isso porque é possível usá-la para imaginar o que outras pessoas acham do que você acha. “Tenho certeza de que a minha sogra acha que eu não gosto das idéias que ela tem sobre o marido dela”, por exemplo.

Acredita-se que a Teoria da Mente surgiu como uma forma tosca de “realidade virtual” vantajosa para nossos ancestrais. Um Homo erectus tentando caçar uma gazela tinha vantagens ao imaginar o que o bicho estava pensando ou sentindo, como forma de prever seus movimentos. No caso das relações sociais a Teoria da Mente é uma mão na roda para agradar amantes e aliados e sabotar inimigos.

A capacidade de conceber que outro indivíduo está amedrontado, sentindo dor ou fome também estaria na raiz de comportamentos como o cuidado com os doentes ou feridos, que é rara entre animais. Não por acaso, um dos bichos que se preocupa ativamente com os colegas é o elefante – que se reconhece no espelho. “A idéia é que, para conseguir assumir a perspectiva do outro, você precisa primeiro ter consciência de qual é a sua”, explica Joshua M. Plotnik, pesquisador da Universidade Emory (Atlanta, EUA).

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Alguns pesquisadores especulam que a própria idéia de forças divinas que comandam o mundo poderia ser o resultado de um módulo hiperativo de Teoria da Mente. Já viciado pela utilidade de buscar intenções e desejos na natureza, nosso cérebro tenderia a atribuí-los até a elementos que não possuem essa capacidade, como a chuva ou o Sol, ou a ver uma mente por trás de todas essas coisas.

E há, é claro, o lado negro da compaixão: se a Teoria da Mente nos permite ter pena de quem sofre, também possibilita que espezinhemos ainda mais quem odiamos. A tortura não existiria sem ela.

Espelho, espelho meu

Até hoje, só os grandes macacos – principalmente os chimpanzés –, uma espécie de golfinho e os elefantes indianos passaram no “teste de auto-reconhecimento no espelho”, um dos pré-requisitos para a posse de algum tipo de Teoria da Mente.

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