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Grandes exploradores

Aventureiros românticos, cientistas meticulosos e picaretas: nos últimos 150 anos, todo tipo de arqueólogo deu sua contribuição para reconstruir a história de importantes civilizações

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h20 - Publicado em 31 jul 2008, 22h00

Texto Reinaldo José Lopes

Pouco mais de 150 anos atrás, a ignorância da humanidade sobre o próprio passado estava muito perto de ser vergonhosa. No caso dos países ocidentais, em especial, o que sabíamos sobre as origens da civilização e da nossa espécie se limitava ao conteúdo de um punhado de textos herdados da Antiguidade – basicamente a Bíblia e as obras de escritores e historiadores gregos e romanos, como Homero, Heródoto, Virgílio e Tácito – e às especulações não muito fundamentadas de alguns filósofos. A partir de meados do século 19, tudo isso começou a mudar. Surgiram os primeiros arqueólogos de verdade, um grupo inicialmente formado por amadores, alguns dos quais quase bandoleiros, mas que foi se tornando cada vez mais profissional e competente, adotando técnicas refinadas para reconstruir a saga das sociedades humanas.

Um dos primeiros personagens nessa lista de bucaneiros da arqueologia foi o britânico Austen Henry Layard (1817-1894). Nascido em Paris, ele recebeu uma educação primorosa e viajou por toda a Europa ainda criança, adquirindo tanto um gosto refinado pelas artes quanto a paixão pela aventura. Aos 22 anos, abandonou o emprego que tinha no escritório de advocacia de um tio, em Londres, e decidiu partir para a Ásia, onde pretendia trabalhar nas possessões do Império Britânico na Índia. O problema é que Layard quis fazer a viagem por terra, a cavalo. Resultado: muito antes de chegar à Índia, ele ficou fascinado pelo Oriente Médio, viajando através da Turquia, da Síria e da Pérsia (atual Irã).

Como jornadas a cavalo pelo deserto não enchem barriga, Layard conseguiu um emprego como adido diplomático em 1842 – o que o ajudou a continuar suas viagens pelo Império Otomano, então senhor de todo o Oriente Próximo. Nas andanças pelo atual Iraque, adquiriu uma nova obsessão: localizar cidades mencionadas na Bíblia. Layard fez a primeira tentativa em Nimrud, que levava o nome de um personagem bíblico (o caçador Nimrod) e que, para o britânico, deveria corresponder às vizinhanças de Nínive, a capital do Império Assírio.

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EM BUSCA DE NÍNIVE

Foi um caso clássico de atirar no que vê e acertar no que não vê. Layard escavou Nimrud de 1845 a 1851 e acabou descobrindo que o local correspondia a Calá, capital dos assírios antes de Nínive, no século 9 a.C. O arqueólogo inglês descobriu antigos palácios e desenterrou uma magnífica estátua de touro alado (espécie de espírito protetor dos antigos reis mesopotâmios).

Em 1849, quando liderava escavações na margem leste do rio Tigre, perto da cidade de Mossul, ele finalmente trouxe à luz a antiga Nínive. Além de extraordinárias obras de arte, seu mais importante achado foi a Biblioteca de Assurbanipal – um acervo composto de milhares de tabuletas de argila do século 7 a.C., cobertas com os chamados caracteres cuneiformes, a escrita dominante na antiga Mesopotâmia (leia mais na reportagem das páginas 44 e 45). Havia ali todo tipo de registro escrito, de cartas diplomáticas e decretos oficiais a enormes tratados de medicina e poemas, permitindo que especialistas do mundo todo começassem a traçar um quadro detalhado da vida no primeiro grande império internacional da história.

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Por seus esforços em desvendar o passado mesopotâmico, Layard ganhou o título de sir – honraria que também acabou sendo concedida a outro explorador britânico, Leonard Wooley (1880-1960). Outro ponto comum entre a dupla é a inspiração bíblica: a partir de 1922, Wooley escavou em Ur, antiga cidade do sul do Iraque que, segundo o Gênese, teria sido a terra natal de Abraão. Famoso por suas técnicas extremamente cuidadosas de escavação, o arqueólogo não encontrou pistas sobre o suposto ancestral de judeus e árabes, mas trouxe à tona, camada por camada, o processo que criou as primeiras civilizações urbanas do mundo, a partir do ano 4000 a.C. De quebra, Wooley e companhia também acharam túmulos reais, datados de 2700 a.C., com indícios de um funeral assustador: os servos dos soberanos teriam sido mortos para acompanhá-los no além.

A TRÓIA DE HOMERO

Ninguém pode acusar o arqueólogo alemão Heinrich Schliemann de falsa modéstia: afinal, são poucos os sujeitos com a cara-de-pau de mandar escrever a frase heroi schlimannoi (“ao herói Schliemann”, em grego antigo) no próprio túmulo. De fato, há fortes indícios de que Schliemann foi um marqueteiro despudorado, que fazia de tudo para criar uma boa lenda em torno de si mesmo. Ele dizia ser fluente em nada menos que 13 línguas, algumas delas desaparecidas havia milhares de anos, e ter almoçado com o presidente dos EUA quando ainda era um imigrante pobre e recém-chegado ao país. Cascatas e falta de modéstia à parte, o que não se discute é a importância dos achados do alemão: ele provou, praticamente sozinho, que a cidade de Tróia era mais que um mito.

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Quase tudo na vida de Schliemann, nascido em 1822, tinha um toque rocambolesco. Filho de um pastor protestante, ele precisou trabalhar muito cedo para ajudar a família e acabou se empregando como grumete num navio que ia para a Venezuela. O navio naufragou na Holanda, mas o rapaz conseguiu um emprego numa firma de importação e exportação que o mandou para a Rússia, onde montou seu próprio negócio no ramo. Passou algum tempo na Califórnia, atuando como atravessador durante a corrida do ouro, até voltar para a Rússia e finalmente enriquecer vendendo matérias-primas para o Exército russo durante a Guerra da Criméia (1854-1856). Pouco antes dos 40 anos, ele não precisava mais trabalhar e se tornou um viajante internacional com uma obsessão: encontrar Tróia.

Na época, a historicidade dos poemas de Homero sobre a guerra entre gregos e troianos era contestada por quase todos os especialistas, mas Schliemann acreditava ser capaz de provar que eles estavam redondamente errados. Para isso, em 1871, juntou-se ao arqueólogo britânico Frederick Calvert, que já estava escavando havia tempos na localidade turca de Hisarlik, uma das candidatas a abrigar a antiga cidade.

Do ponto de vista de um arqueólogo moderno, Heinrich Schliemann se embananou um bocado. Crente de que as camadas arqueológicas mais antigas de Hisarlik abrigavam a Tróia de Homero, ele cavou de forma tão afoita que bagunçou toda a estratigrafia do local, provavelmente destruindo dados valiosos. Ao achar um conjunto fabuloso de jóias de ouro, Schliemann não só fotografou sua jovem esposa grega chamada Sophia usando-as como contrabandeou os objetos para fora da Turquia, o que deixou o governo do Império Turco-Otomano fulo da vida.

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Mesmo assim, a dupla germano-britânica conseguiu voltar ao trabalho em Hisarlik, revelando uma sucessão de 9 “Tróias” – do ano 3000 a.C. à época romana. Schliemann identificou erradamente a “Tróia 2” (destruída por volta de 2200 a.C.) como sendo a cidade mencionada por Homero, a qual deve ter sido queimada por invasores 1 000 anos mais tarde. Mas o importante é que o passado troiano deixava a categoria de lenda. Schliemann ainda escavaria Micenas, a antiga cidadela grega de onde teriam vindo os destruidores de Tróia, descobrindo uma rica civilização palaciana que enterrava seus reis com máscaras de ouro.

O megalomaníaco alemão provavelmente ficaria verde de inveja se tivesse vivido para ver as descobertas do britânico sir Arthur Evans (1851-1941). Evans continuou de onde Heinrich Schliemann havia parado, em busca das raízes da civilização de Micenas – e as encontrou no palácio de Knossos, na ilha de Creta. Os cretenses da Idade do Bronze foram os primeiros europeus a desenvolver sua própria forma de escrita, a Linear A – uma variação dela, a Linear B, foi usada para registrar uma forma primitiva do grego em Micenas. De quebra, parecem ter praticado uma espécie de tourada ritual que inspirou o mito do Minotauro (meio homem, meio touro) e do labirinto de Creta.

MAIAS E AUSTRALOPITEC0s

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Não é comum que uma idéia de jerico acabe levando a descobertas importantes. O americano Edward Herbert Thompson (1856-1935), no entanto, começou sua carreira justamente assim, ao publicar um artigo associando a civilização maia com… o continente perdido da Atlântida. Mais tarde, Thompson renegaria totalmente a proposta estapafúrdia, mas foi graças a ela que o rapaz de 23 anos conseguiu atrair a atenção do governo dos EUA, que o nomeou cônsul do país em Mérida, no México.

Ao chegar à antiga terra dos maias, no entanto, Thompson deixou as teorias malucas de lado e arregaçou as mangas. Aprendeu a antiga língua maia, ainda falada por muitos indígenas da região, e passou a organizar estudos regulares de Chichén Itzá, cidade que foi uma das maiores potências da América pré-colombiana entre os anos 600 e 1000 de nossa era. Thompson e seus colaboradores conseguiram investigar o passado maia até debaixo d’água: eles desceram ao fundo do chamado Poço Sagrado, um lago no qual havia artefatos de ouro e inúmeros esqueletos humanos – cativos sacrificados em honra do deus da chuva, Chaac (leia mais no mapa das págs. 50 e 51).

Depois dos triunfos de arqueólogos como Thompson, Layard e Schliemann, a última fronteira se tornou a compreensão detalhada das origens do homem. Entram em cena os paleantropólogos, capazes de analisar fósseis e determinar os passos evolutivos que unem os grandes macacos a nós. Nesse quesito, pouca gente pode se gabar de ter superado o arqueólogo americano Donald Johanson. Trabalhando na Etiópia, em 1974, ele e sua equipe deram de cara com um dos mais completos esqueletos de um ancestral remoto do homem – uma fêmea de hominídeo de 1,10 metro, que acabou recebendo o carinhoso apelido de Lucy, por causa da música Lucy in the Sky with Diamonds, dos Beatles, que tocava no acampamento naquela noite.

Estima-se que Lucy e os demais membros de sua espécie (batizada de Australopithecus afarensis) tenham vivido há aproximadamente 3,2 milhões de anos. Outros fósseis mais antigos de hominídeos foram achados desde então, mas os A. afarensis continuam sendo os ancestrais humanos primitivos mais bem conhecidos – até bebês da espécie já foram encontrados. Lucy, com 40% do esqueleto completo, documenta uma transição importante na evolução humana: seu andar era plenamente bípede, mas detalhes da anatomia das mãos e dos pés de sua espécie indicam que ela também era capaz de escalar árvores, com agilidade próxima da de um chimpanzé atual.

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