Igreja centenária é “rebocada” na Suécia devido à expansão de mina de ferro
Kiruna Kyrka percorreu cinco quilômetros sobre rodas em uma operação inédita diante da expansão da maior mina subterrânea de ferro do mundo, na Suécia.

A igreja Kiruna Kyrka, uma das construções mais emblemáticas da Suécia, percorreu cinco quilômetros sobre rodas nesta semana para ser instalada em um novo endereço.
A mudança do edifício de madeira vermelha foi organizada pela mineradora estatal LKAB, responsável pela cidade, e acompanhada por milhares de moradores, turistas e até pelo rei Carl XVI Gustaf. O processo levou dois dias e foi transmitido pela televisão sueca como um espetáculo nacional.
A mudança foi motivada pelo avanço da maior mina subterrânea de ferro do mundo. Localizada em Kiruna, 145 quilômetros ao norte do Círculo Polar Ártico, a jazida provocou rachaduras no solo e ameaça engolir o antigo centro da cidade.
A realocação da igreja faz parte de um projeto iniciado nos anos 2000 que prevê a transferência de cerca de 6 mil pessoas e 3 mil casas para uma nova área segura.
O presidente da LKAB, Jan Moström, declarou ao The Guardian que o investimento de mais de 500 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 286 milhões) foi inevitável: “Se a mina deve permanecer, precisamos mover o centro de Kiruna. Um centro sem a igreja, não consigo imaginar”.
O transporte mobilizou engenheiros e exigiu obras prévias. A estrutura de 672 toneladas foi erguida sobre vigas de aço e colocada em plataformas motorizadas sobre rodas. O trajeto, a uma velocidade média de meio quilômetro por hora, exigiu a ampliação de ruas de 9 para 24 metros e a retirada de postes, semáforos e até de uma ponte.
O gerente do projeto, Stefan Holmblad Johansson, disse à BBC que “era um evento histórico, muito grande e complexo, e não havia margem de erro”. Para proteger o patrimônio artístico, o altar pintado pelo príncipe Eugen e o órgão com mais de dois mil tubos permaneceram dentro da igreja, devidamente estabilizados.
Considerada uma das maiores estruturas de madeira do país, a Kiruna Kyrka foi projetada por Gustaf Wickman e inaugurada em 1912. Em 2001, recebeu o título de “edifício mais bonito da Suécia construído antes de 1950”, em votação nacional. O templo foi originalmente um presente da LKAB à comunidade local, que desde o início do século 20 vive da exploração mineral.
O deslocamento despertou emoções distintas. Para a pastora Lena Tjärnberg, que acompanhou cada etapa, o momento foi ambíguo: “A igreja é a alma de Kiruna, um lugar seguro. Para mim, é um dia de alegria, mas as pessoas também sentem tristeza porque precisamos deixar este lugar”, disse à Reuters.
A estrategista cultural Sofia Lagerlöf Määttä contou à BBC que a cena trouxe lembranças pessoais e coletivas: “O movimento trouxe de volta memórias de alegria e de dor, e agora estamos levando essas memórias para o futuro”.
Entre os indígenas sámi, povo tradicional do norte da Escandinávia que depende da criação de renas e do uso de terras para sua subsistência, a percepção foi de perda. Lars-Marcus Kuhmunen, líder de uma associação de criadores de renas, afirmou à Associated Press que a expansão da mineração ameaça rotas migratórias e pode inviabilizar a atividade tradicional.
À Reuters, ele lembrou as palavras de seu bisavô: “Cinquenta anos atrás, ele disse que a mina iria devorar nosso modo de vida. E ele estava certo”.
Já Karin K Niia, do vilarejo sámi Gabna, disse ao The Guardian que a transferência foi “um grande show” para desviar a atenção da destruição cultural e ambiental causada pela mineração.