Maior reconstrução já feita das estradas do Império Romano mapeia 300 mil km de rotas
Todos os caminhos levam a Roma? Mapa digital praticamente dobra o total conhecido da rede viária do maior império da Antiguidade; veja como acessar.
Com que frequência você pensa no Império Romano? Uma equipe internacional de pesquisadores pensou todos os dias, durante anos, até produzir o mais completo mapa digital das antigas estradas romanas.
O resultado, chamado Itiner-e, praticamente dobra o que se sabia sobre a rede viária do maior império da Antiguidade: de cerca de 190 mil para 300 mil quilômetros, distância suficiente para dar sete voltas ao redor da Terra.
O projeto nasceu de um problema antigo: apesar do volume colossal de dados sobre o mundo romano, não havia um mapa único, completo e confiável das suas vias.
Todos os caminhos levam mesmo a Roma?
A principal referência digital era o Atlas Digital das Civilizações Romanas e Medievais (DARMC), baseado no Atlas Barrington, que listava cerca de 188 mil quilômetros de rotas. Esse acervo foi o ponto de partida, mas tinha lacunas, trechos imprecisos e traçados feitos com metodologias antigas.
Ao integrar novas evidências arqueológicas, imagens de satélite e cartografia histórica, o Itiner-e ampliou o total para 299.171 quilômetros distribuídos por 40 países, quase dobrando a extensão conhecida.
Para chegar a esse número, a equipe revisou escavações publicadas no século 19, confrontou mapas topográficos antigos com imagens de satélite atuais, reinterpretou percursos registrados a pé por arqueólogos no início do século 20 e analisou fotografias aéreas feitas antes de represas inundarem vales inteiros.
Muitos trechos clássicos foram redesenhados por não seguirem a topografia real; outros, tidos como romanos, revelaram-se medievais. Em certos casos, o traçado só foi recuperado porque imagens antigas mostravam marcas hoje cobertas por lagos artificiais.
A consolidação exigiu verificar, trecho a trecho, o que se confirma de fato. Em vez de somar informações, os pesquisadores padronizaram medidas, corrigiram erros acumulados, resolveram sobreposições e atribuíram graus de certeza a cada segmento.
O esforço resultou em 14.769 trechos com documentação unificada, permitindo comparar – num mesmo mapa – dados antes espalhados em dezenas de formatos. Não por acaso, o coordenador Tom Brughmans descreveu o processo como “um jogo gigante de ligar os pontos”, cujos resultados foram publicados na Scientific Data.
Mesmo após esse esforço de reconstrução, o mapa mostra que só 2,7% da rede viária romana pode ser localizada com alta precisão. Isso significa que, nesses poucos trechos, os pesquisadores conseguem apontar quase exatamente onde a estrada passava – com uma margem de erro de até 50 metros em áreas montanhosas e 200 metros em planícies.
O restante se divide entre trechos prováveis, coerentes com as evidências históricas e geográficas, e trechos hipotéticos, propostos para fechar lacunas entre cidades e fortalezas que logicamente deveriam estar conectadas.
Isso ocorre devido às limitações da própria arqueologia: para classificar um segmento como preciso em termos modernos, é preciso identificar pavimento original, bordas, drenagem, marcos e outros elementos preservados exatamente onde foram instalados há dois milênios.
Boa parte desses indícios se perdeu sob cidades e rodovias atuais, pela agricultura mecanizada, pela remodelação do relevo e por represas do século 20 . Em muitos casos, o traçado geral é conhecido, mas a rota exata varia alguns metros – o suficiente para que não seja considerada “precisa”.
Além disso, estradas raramente receberam grandes campanhas de escavação, ao contrário de anfiteatros, templos e muralhas. Soma-se a isso o reconfiguramento contínuo do terreno por erosão, agricultura e obras de drenagem. Conhece-se muito bem a lógica da rede; mapear com exatidão cada segmento é outra história.
O Itiner-e também revela que no transporte terrestre, Roma não era o principal ponto de convergência do império. Por estar localizada na ponta de uma península, a cidade funcionava melhor como centro político do que como centro logístico.
O mapa mostra que as regiões mais conectadas eram o Vale do Pó e o corredor alpino, áreas que articulavam o norte da Itália com a Europa continental. Dali partiam rotas para a Gália (hoje França), a Germânia (Alemanha), a Península Balcânica e as passagens montanhosas que ligavam as províncias entre si.
Roma só aparece como centro quando se consideram as rotas marítimas e fluviais, que eram fundamentais para o abastecimento da capital. A equipe já planeja incorporar essas rotas à plataforma, o que deve alterar novamente a forma como visualizamos o sistema de circulação romano. O projeto também pretende incluir dados cronológicos para que seja possível acompanhar a evolução da rede ao longo dos séculos.
Como era viajar no século 2?
As condições das estradas romanas variavam bastante. As vias principais tinham pavimentação de blocos de pedra encaixados sobre camadas de cascalho e argila, drenagem lateral e fundações profundas que permitiam atravessar zonas alagadiças.
Estradas secundárias podiam ser simples faixas de terra batida ou trilhas reforçadas com pequenas pedras. A mais famosa delas, a Via Ápia, ligava Roma a Brindisi, no sudeste da Itália. Trechos significativos dessa via ainda existem e podem ser percorridos a pé, especialmente nas áreas preservadas próximas a Roma.
Os meios de transporte também mudavam de acordo com a região. No Egito, camelos eram essenciais. Em outras partes do império, predominavam cavalos, mulas e carroças. A pé, soldados e mensageiros percorriam longas distâncias com grande eficiência.
Em muitos trechos, o traçado romano permanece em uso. Várias rodovias italianas, francesas e espanholas seguem exatamente o mesmo caminho, porque os engenheiros romanos já haviam identificado, dois milênios atrás, as rotas mais práticas entre vales e planícies.
O novo mapa oferece instrumentos para entender por que o Império Romano conseguiu se expandir rapidamente e se manter coeso por tanto tempo.
As estradas permitiam o deslocamento rápido de tropas, o transporte de alimentos e matérias-primas, a circulação de moedas, a movimentação de migrantes e a transmissão de ideias religiosas e políticas. Elas também influenciaram a propagação de doenças, como epidemias documentadas no século 2 e 3.
Os pesquisadores acreditam que o conjunto de dados também será útil para escritores e cineastas que queiram recriar viagens pela Antiguidade, e divertido para qualquer turista que deseje explorar uma estrada romana nas férias – ótima desculpa para pensar mais no Império Romano, se isso ainda não fizer parte da sua rotina.
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