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Mergulho livre:no peito e na raça

Recordista mundial de mergulho livre, a brasileira Karol Meyer desce a 91 metros de profundidade sem usar cilindros de oxigênio.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h23 - Publicado em 31 out 2006, 22h00

Paulo Boa Nova

Mar Vermelho, Egito. É meio-dia e o Sol está a pino, em pleno verão. Tem início a 2ª etapa da Competição Internacional de Mergulho Livre, esporte em que os atletas enfrentam o mar sem a ajuda de garrafas de oxigênio. A única brasileira na prova está debaixo d’água há 4 minutos, com o coração acelerado. Começa a sentir pequenas contrações, mas se segura e procura relaxar o corpo. O tempo passa devagar. As contrações retornam mais fortes, ela cantarola na mente uma antiga canção, para se distrair, e dá um sorriso de iogue com os cantos da boca. Agora já está há mais de 5 minutos submersa, sem respirar. Escuta vozes fora d’água e pensa em todos os que torcem por ela. Se segura e agüenta firme por 6 minutos e 2 segundos. É dia 27 de julho de 1999 e Karol Meyer acaba de quebrar o recorde mundial de mergulho livre em apnéia estática. Hoje, essa corintiana de 34 anos, loura e bonita, já coleciona 4 recordes mundiais, 15 sul-americanos e 4 nacionais. Foi a primeira mergulhadora livre a tocar no naufrágio da corveta Ipiranga, em Fernando de Noronha, a 57 metros de profundidade, e pioneira na descida das famosas Paredes, a 80 metros, abismo submarino no mesmo local. Tudo isso só com o oxigênio que ela levava nos pulmões.

P. O que há de fascinante na prática de mergulhar sem o auxílio de oxigênio?

R. A tentativa de superar o limite a cada novo mergulho. Temos de nos adaptar a condições que pessoas normais não suportam. Aprendemos a lutar, a nunca desistir e a nos tornar pessoas lutadoras em todas as situações da vida, não apenas dentro d’água. Hoje sou uma pessoa mais calma, que sabe lidar com as vitórias e as derrotas, com persistência e compreensão.

Quando você começou a competir?

Comecei em 1998, com a tentativa de quebra do recorde nacional. Depois entrei em contato com o recordista mundial Andy Le Sauce, da França, por meio do site da Aida [Associação Internacional para o Desenvolvimento da Apnéia, que divulga o mergulho livre pelo mundo]. Ele acabou me convidando para treinar lá. Aceitei o convite, arrumei minhas malas e fui embora.

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E nesse tempo quais foram os mergulhos mais bonitos que você fez?

O mais bonito, sem dúvida, foi na região do mar Vermelho, no Egito. Mas a verdade é que, para se ver fauna e flora, mergulhos mais rasos são sempre mais belos e coloridos. Como atleta, a profundidade atrai de tal forma que não preciso de mais nada além do azul, do silêncio, da paz. É claro, se encontrarmos algo no caminho, será bem-vindo. Muitas vezes descendo ou subindo encontrei cardumes, golfinhos, plânctons gigantes, focas. Quando consigo unir o lazer com o esporte, é perfeito.

Há alguma descida que marcou sua carreira de maneira especial?

A mais importante foi em Niquelândia, em Goiás, em setembro de 2005, no Campeonato Brasileiro de Mergulho Livre. Em vez de ir para o litoral, como é mais comum, eu fui para o planalto Central do Brasil, com clima seco. No caminho para o mergulho, vi emas, tucanos, araras-azuis, aranhas e cobras. Mergulhei no lago Azul, com 300 metros de profundidade e uma água mineral límpida, cristalina. O lugar é uma caverna cuja tampa caiu no fundo do lago há milhares de anos. É um oásis no meio do cerrado. Foi uma expedição cheia de aventura.

O mergulho livre tem vários estilos. Qual é o seu favorito?

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É preciso entender as diferenças de estilos. Na apnéia estática, vale o maior tempo de permanência sem respirar, com o mergulhador imóvel no mar ou na piscina. Na apnéia dinâmica, o que importa é a distância horizontal percorrida. No lastro constante, o atleta deve atingir a maior profundidade com propulsão própria, e o lastro é mantido para descer e subir. No lastro variável, o apneísta desce com o auxílio de um lastro controlado, o sled, uma espécie de trenó de alumínio que nos leva para o fundo ligados ao cabo-guia. Após atingir a profundidade desejada, o mergulhador abandona o lastro. Na imersão livre, o atleta desce e sobe com a ajuda de um cabo-guia, sem nadadeiras. E o no limits [na qual ela é a atual recordista mundial em duplas] é a modalidade dos grandes profundistas. Ela é derivada do lastro variável, mas com a possibilidade de utilizar um balão ou colete inflável para voltar mais rapidamente à superfície. Eu prefiro praticar o lastro variável, porque podemos associar duas modalidades, a apnéia estática e o lastro constante. Posso descer agarrada a um aparelho com 30 quilos de lastro e, ao chegar ao fundo, me utilizo do cabo-guia para voltar à superfície.

Como é sua rotina de treinos?

Procuro manter meu condicionamento físico o ano todo. Normalmente, treino de segunda a sábado, com exercícios aeróbicos e anaeróbicos. Quando estou próxima a uma prova, treino apnéia [interrupção da respiração]. Faço um trabalho de fortalecimento muscular na academia e também muito alongamento. Costumo treinar as regras da competição, respeitando o tempo de aquecimento oficial, a contagem regressiva, a partida e a saída correta da água. Treinos mentais, com relaxamento e visualização da performance, também fazem muita diferença.

Quais são as principais dificuldades para descer no mar em apnéia?

No início da descida, a atenção é para partir com batidas de pernas firmes e vencer o empuxo. Aos 10 metros, o volume de ar inspirado já se reduziu pela metade. Aos 35 metros, pode-se reduzir a força das pernadas. Em decorrência da pressão, o sangue das extremidades se direciona para a cavidade toráxica, para manter melhor oxigenação dos órgãos vitais – coração, cérebro, pulmão. Aos 40 metros, busco deslizar, deixando o corpo cair, apenas fazendo o controle da pressão dos ouvidos. A velocidade aumenta pela gravidade, mesmo sem o movimento das pernadas. A escuridão, ou melhor, o azul muda de tonalidade, sei que estou chegando… Aos 55 metros, é difícil encontrar ar para compensar os ouvidos, uma pequena manobra feita de forma correta pode levar você adiante, mas qualquer surpresa, susto ou movimento errado pode levar a um gasto não planejado de oxigênio e ser fatalmente comprometedor. Na subida, o controle psicológico deve ser ainda maior, porque voltamos já com oxigênio reduzido. O cansaço muscular aparece por volta dos 30 metros e maus pensamentos devem ser banidos da mente. Mantenho o controle e a consciência e aos 20 metros sinto uma enorme alegria! Nos últimos 10 metros, paro de bater as nadadeiras e economizo energia para respirar e me apoiar ao sair da água.

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Quais os riscos desse esporte?

O pior é o apagamento no fundo do mar, porque dificulta o resgate. Acontece quando a nossa “chave geral” desliga, devido ao pouco oxigênio. O mergulhador só sobrevive se houver alguém para retirá-lo da água. No mergulho, seguimos um protocolo de segurança que inclui cabo-guia, sistema de timing [mergulhador na superfície que controla o tempo sob a água] e um mergulhador de segurança, que pode ficar a até 40 metros de profundidade. Esse sistema, desenvolvido pela Aida, é único no mundo – nas provas da entidade nunca ocorreu um acidente fatal.

Como é a preparação para um iniciante de apnéia?

A primeira etapa é o condicionamento físico, porque uma pessoa em boa forma é a garantia de um mergulho seguro. No início, o aluno aprende, fora d’água, a respirar adequadamente. Depois, segue para a piscina para colocar em prática exercícios de apnéia estática. A etapa seguinte é ir ao fundo do mar. Como instrutora, eu desço na frente, observo todo o percurso, e retorno com o aluno à superfície. A evolução na profundidade é cautelosa, metro a metro. Ninguém deve se aventurar sozinho na água, muito menos se não tiver instruções corretas. Somente o acompanhamento de instrutores competentes, o bom senso e a paciência do aluno garantirão o sucesso dele no mundo subaquático.

Quais suas próximas metas?

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Minha idéia é focar na marca de profundidade com o sled. Quero ultrapassar os 100 metros, feito ainda inédito para uma mulher da América do Sul. Também recebi convite do mergulhador belga Patrick Musimu para descermos no lago Azul, em agosto de 2007, em um mergulho no limits tandem, em dupla. O objetivo é ultrapassar os 115 metros e estabelecer um novo recorde mundial. Temos que treinar muito e buscar apoio também, pois o mergulho parece um esporte solitário, mas requer grande estrutura técnica e humana em volta.

Karol Meyer

• Já bateu 4 recordes mundiais, 15 sul-americanos e 4 nacionais de mergulho livre – modalidade que dispensa a ajuda de oxigênio.

• Suas principais marcas: é atual recordista mundial na categoria no limits tandem; panamericana em apnéia estática e sul-americana de lastro constante, lastro variável, imersão livre e no limits.

• Mora em Florianópolis, onde divide o tempo entre treinos e o trabalho como gerente de banco.

• É fã de rock e reggae.

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• Seu filme favorito (adivinhe só) é Imensidão Azul.

Seis milênios submarinos

Eram mulheres, como Karol Meyer, algumas das mais antigas mergulhadoras de que se tem notícia. Desde por volta de 4500 a.C. algumas comunidades da Coréia e do Japão se especializaram em descer ao fundo do mar para buscar pérolas dentro de ostras. E cabia às damas a tarefa de tomar fôlego e mergulhar – na verdade, cabe até a atualidade. Ainda hoje, as caçadoras de pérolas costumam ser apontadas entre as mais hábeis apneístas do mundo.

No Ocidente, o mergulho livre, técnica mais antiga entre as práticas de mergulho, também é praticado há séculos. As evidências da atividade têm surgido por meio de artefatos marinhos encontrados por arqueólogos e em representações que parecem ser de mergulhadores afogados. Na Grécia antiga, por exemplo, apneístas ficaram conhecidos por terem integrado expedições militares em 500 a.C.

O uso militar de homens e mulheres capazes de mergulhar em apnéia, aliás, se estendeu pelo tempo. Na 2ª Guerra Mundial, também foram usados para localizar minas e colocar explosivos sob os navios de guerra, evitando que as bolhas de oxigênio chamassem a atenção dos inimigos. Foi só na década de 1960 que surgiram os maiores apneístas-atletas: o italiano Enzo Majorca, o brasileiro Américo Santarelli, o polinésio Tetake Williams, o francês Jacques Mayol e o americano Robert Croft. Entre as mulheres há figuras lendárias, como a cubana Debora Andollo. Karol Meyer tem tudo para entrar para essa história.

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