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Montado na Fúria

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h13 - Publicado em 31 jul 1998, 22h00

Ivonete D. Lucírio e Gabriela Aguerre

Importado dos Estados Unidos nos anos 80, o rodeio hoje leva às arenas do Brasil mais público do que o futebol coloca nos estádios. Veja nestas páginas como funciona este esporte fogoso e arriscado, que atrai tanta gente.

Abre-se a porteira. O touro escapa feito um dragão enfurecido, corcoveando e soltando baforadas pelas ventas. Sobre seu lombo, o homem se segura como pode, um braço levantado, a respiração presa, as esporas sem ponta batendo nos flancos do animal. Durante 8 segundos, o público vibra numa torcida unânime para o representante da espécie humana. Até que toca a sirene: peão e montaria se separam. Como o peão não se espatifou na arena, a audiência aclama o herói, sem pensar na pobre coluna do boiadeiro nem no incômodo que o animal possa estar sentindo com a cinta de lã que lhe aperta o ventre. Isso não importa. O que interessa é o show.

A cena acima se repete com freqüência cada vez maior no interior do Brasil. Segundo a Federação Nacional do Rodeio Completo, as 1 200 competições realizadas no Brasil no ano passado reuniram 24 milhões de espectadores – sete vezes mais que os jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol de 1997. E entre os dias 21 e 30 deste mês o festival continua: em Barretos, interior de São Paulo, acontece a Festa do Peão de Boiadeiro, a maior do país, que vai ter um milhão de adeptos do estilo country acompanhando aos gritos o duelo entre homens e bichos. Apeie nas páginas seguintes para ver e entender, em detalhe, esse espetáculo que reúne habilidade, coragem, poeira e muita adrenalina.

Se ficar o bicho pula

Por ser a mais perigosa, a prova de montaria em touro, ou bullriding, é a mais empolgante.

Uma mão segura a corda e a outra fica no ar e não pode encostar no touro. Caso encoste, o peão é desclassificado.

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Esporear o pescoço do animal rende pontos.

É proibido fixar as esporas na corda que envolve o corpo do bicho.

Ao final da prova, o peão escolhe o melhor momento para pular fora.

O peão-palhaço é também chamado de salva-vidas. Fica na frente do touro, distraindo o animal depois que o peão desmonta. Isso é que é herói.

Equipamento de luta

O sedém é uma tira feita de lã ou de rabo do cavalo. Atado à virilha do bicho, estimula os pulos.

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Com uma luva, o peão segura a corda americana (de náilon ou rami, uma fibra vegetal), presa no touro.

Para não ferir, a espora não tem pontas nem gira quando é esfregada no animal.

O colete é fundamental porque protege o tronco do peão ao descer ou cair.

Arena das feras

Conheça a posição de cada personagem.

Prova de resistência

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Como em toda prova de montaria, o peão tem que se manter 8 segundos sobre o animal. Só assim ele ganha uma nota, que varia de 0 a 100 – a soma dos pontos dados pelos dois juízes. Quanto mais o touro corcovear e o peão esporear, maior a nota.

Botando pra quebrar

Um estudo do preparador físico Denilson Santiago, da Federação Nacional do Rodeio, mostra que são freqüentes as distensões enquanto o peão está montado, e as torções e fraturas quando ele cai.

Tipos de acidentes mais freqüentes:

Fratura – 56%

Torção – 30%

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Distensão muscular – 14%

Tranco pesado

Cada pulo do animal é sentido pela coluna do peão como se ele tivesse caído sentado no chão.

A repetição dos impactos pressiona os discos gelatinosos que separam as vértebras, principalmente as da região lombar. Por isso, é comum ele ter hérnia de disco.

Gigante com chifres

É preciso muita força e agilidade para dominar o touro, que pode ser quinze vezes mais pesado que o peão.

Raças: nelore, holandês, caracu, red bull

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Peso: de 600 a 1 100 quilos

Comprimento: 2,3 metros

Altura: 1,6 metro

E o bicho, o que pensa?

“Os homens se divertem às custas do sofrimento do animal”, afirma a veterinária Irvênia de Santis Prada, da Universidade de São Paulo. “Além da dor física, eu estou convencida de que o barulho, as luzes, e as cordas causam estresse.” O ponto mais polêmico é o sedém, a faixa amarrada perto da virilha do touro e do cavalo para fazê-los pular. Mas, segundo um laudo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a amarra não causa lesão alguma. Só que, para Irvênia, mesmo sem machucados aparentes é impossível provar que o bicho não sinta dor. De acordo com ela, o sistema nervoso dos bovinos e dos eqüinos é parecido com o humano. E um homem, com uma faixa espremendo o baixo-ventre, ficaria bem incomodado.

Os organizadores dos rodeios se defendem: “Nenhum dono de tropa quer que seu animal sofra e, sim, que permaneça saudável”, raciocina Flávio Silva Filho, presidente do grupo Os Independentes, que organiza a festa de Barretos. Para ele, o touro e o cavalo pulam porque o sedém incomoda um pouco, como se fosse um relógio de pulso apertado demais. “Com certeza, esses bichos são mais bem tratados do que os que não participam de competições”, garante Flávio.

Com jeito caipira

Inventado no Brasil, o cutiano, uma prova a cavalo, não existe nos rodeios internacionais

As esporas não têm ponta. Mas, ao contrário das usadas na montaria em boi, elas giram.

O peão puxa as esporas ao longo do pescoço do animal, em direção ao arreio.

É preciso manter um braço no ar, sem encostar em nenhuma parte do animal.

Ao final da prova, um personagem chamado madrinheiro salva o cavaleiro. É ele também quem retira o sedém do cavalo.

Peão a cavalo

A mão de apoio segura as rédeas, formadas por duas tiras de corda de sisal.

Os pés apoiados nos estribos ajudam a manter o equilíbrio.

É usado o mesmo tipo de sedém do bullriding, preso na virilha do animal.

O arreio é de couro, tipicamente brasileiro.

Cavalo na mira

Três juízes, três notas.

Contando os pontos

No cutiano, o peão também precisa ficar em cima do cavalo por 8 segundos.

Mas o que conta ponto são as esporeadas que ele dá no animal. Cada um dos três juízes da prova dá notas de 0 a 100, avaliando a montaria e o cavaleiro.

A nota intermediária é a que vale.

O jeito americano

Sela

Também chamada de saddle bronc, é a modalidade mais antiga nos Estados Unidos. O peão se apóia nos estribos, senta sobre uma sela e se segura num cabo de 1,20 metro de comprimento.

Bareback

É o teste que exige maior preparo físico. Sem estribos, o único apoio é uma pequena alça, onde o peão se segura. Sobre uma sela pequena, fica quase deitado nas costas do cavalo.

Mesmo sem apoio sob os pés, o cavaleiro não pode parar de esporear

Saltador ágil

Menor e mais leve do que o touro, o cavalo se agita com vigor na arena.

Raças: árabe, crioulo, manga-larga e quarto-de-milha

Peso: 400 quilos

Comprimento: 2,3 metros

Altura: 1,6 metro

No velho Oeste ele nasceu

O rodeio surgiu nas fazendas, como atividade de exibição e disputa entre os trabalhadores depois da lida. Foi assim no Oeste americano, em 1867, com os cowboys, que passavam o tempo livre brincando de montaria e laço. Foi assim também em Barretos, no interior de São Paulo, cuja atividade econômica principal é a agropecuária. O primeiro registro de rodeios na cidade é de 1955. Enquanto o gado era levado das fazendas para os frigoríficos, os peões competiam entre si “para sair da rotina”, conta Flávio Silva Filho, do grupo Os Independentes. No começo, as competições eram realizadas em circos improvisados, e o cutiano era a prova da moda. Só nos anos 80 é que a coisa pegou fogo. Regras e estilos foram copiados do rodeio americano e descobriu-se um filão comercial. Caipira virou country, peão virou cowboy. Mas, para quem acha que o rodeio daqui é igual ao ianque, um lembrete: “Os brasileiros parecem se divertir muito mais que os americanos”, diz Jerry Beagley, um cowboy do Kansas que presta consultoria aos rodeios brasileiros.

Capturado pelo pescoço

O laço de bezerro, ou calf roping, é uma imitação da rotina do trabalho nas fazendas.

O laçador começa a perseguir o bezerro, com três ou quatro meses de idade, assim que atravessa a porteira.

O peão laça a cabeça do animal, que no mesmo instante é puxado para trás e pára de correr.

Com outra corda, carregada na boca, o laçador amarra três patas do bezerro.

O peão desce rapidamente do cavalo e levanta o bicho até a altura da cintura.

Os braços levantados são o sinal de que a prova terminou. Resta contar o tempo que ele levou para dominar o bicho.

A presa ao lado do predador

Laçador e bezerro ficam em cercados separados.

Ganha o mais rápido

Três juízes cronometram o tempo da prova. Vale a marcação intermediária e ela não pode ser maior que 2 minutos. Se o laçador sair do box antes do bezerro, é penalizado com 5 segundos a mais na contagem do tempo final.

Dois contra um, em sintonia fina

Em dupla, no team roping, o que vale é a cooperação entre os peões.

A modalidade nasceu com os americanos, que precisavam laçar bois adultos. Como a missão era difícil para um homem só, trabalhava-se em dupla. Na prova, é usado um boi jovem, mas de uma raça que tenha chifres, com média de 2 anos e peso de 90 a 150 quilos.

1. O cabeceiro é o laçador que deve pegar a cabeça. Ele é o primeiro a sair em disparada atrás do boi.

2. O peseiro, que deve laçar os pés traseiros do animal, sai logo após o cabeceiro.

3. Esta é a posição final, com os laçadores de frente um para o outro e as cordas que prendem o boi, esticadas.

Com sotaque americano, uai

A indumentária é de cowboy: calça jeans importada, chapéu made in Texas, e fivela com a inscrição Champion Bullriding. Mas por dentro da roupa, o peão é bem brasileiro. Rogério Ferreira, campeão de montaria em touro, que compete no circuito de Las Vegas, Estados Unidos, nasceu em São João das Duas Pontas, interior de São Paulo. Mal sabe falar inglês. Ele é um exemplo do mingau de culturas que embala o rodeio no Brasil. “A Festa do Peão é um evento mundial”, analisa a antropóloga Maria Celeste Mira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que está trabalhando em uma tese sobre rodeio. Essa festa tem, sim, características do rodeio americano, “mas isso não tira a brasilidade das nossas competições”, diz ela. A cultura local aparece nas tradicionais modas de viola sertanejas, na religiosidade, no uso do berrante e nas comidas típicas. Entretanto, o know-how americano entra de novo nas estratégias de marketing para a venda de CDs, roupas de grife e acessórios, importados ou não.

Alta velocidade

A prova mais rápida de todas é o bulldogging, que tem recorde mundial de 2,4 segundos.

Um auxiliar faz o trabalho de cerca, que é impedir o boi de se desviar da rota prevista.

Assim que se aproxima do boi, o peão salta em cima do bicho, segurando-o pela cabeça.

Ele tem de torcer o pescoço do animal até imobilizá-lo completamente.

A prova termina quando o boi, por fim, é derrubado. Ele pode pesar até 150 quilos, praticamente o dobro do peso do peão.

Tudo para derrubar o boi

Quanto antes ele cair, melhor.

Queda de braço

Como nas provas de laço, três juízes medem o tempo. Vale o intermediário.

Para as mulheres, o que conta é habilidade

O teste dos três tambores é exclusivamente feminino.

Na arena, três tambores são dispostos formando um triângulo (veja ao lado). Quando o juiz dá a largada, a amazona parte em direção ao primeiro tambor, dando uma volta completa nele. Depois repete a manobra no segundo e no terceiro tambores. Daí vai em disparada até a linha de chegada.

Brilho da amazona

Ganha quem fizer o menor tempo. Cada tambor derrubado é penalizado com 5 segundos a mais na marca final da competidora.

A cavaleira usa seu próprio cavalo e demonstra domínio sobre o animal

Onde acontece a farra

Os rodeios ocorrem nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste.

O Parque do Peão foi projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer para abrigar a Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos

A festa, dentro e fora da arena

Em um país onde diversão é quase palavra de ordem, o rodeio é mais que uma competição. Há dança, música sertaneja, tudo num clima de quermesse. Quem dá o tom da festa é o locutor, com seus versos. “Dizem que o cowboy tem vida boa. Entendam como quisé. Cada semana numa cidade. E cada noite com uma muié”, declama Barra Mansa, um dos mais tradicionais animadores, na abertura dos rodeios. A devoção tem sua vez. Ao se apresentar para o público, os peões rezam, pedindo proteção aos santos. É aí que entra em cena Pedro Andarilho – figurinha carimbada das maiores competições. Ninguém sabe seu nome verdadeiro nem de onde ele vem, mas se houver um boi pulando por perto, é certeza: ele vai aparecer, com a imagem de Nossa Senhora Aparecida a ser beijada pelos peões. Fora da arena, vende-se de tudo: botas de couro, chapéus e comida. E não pode faltar a queima do alho, o momento em que os participantes do rodeio se reúnem para comer ao ar livre pratos da época em que os boiadeiros ainda tocavam o gado pelo sertão. Antes que as trilhas fossem substituídas pelas rodovias.

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