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As maiores coleções de arqueologia do mundo são fruto de roubos históricos

Na época em que Inglaterra, França e Alemanha dominavam o mundo, o legado arqueológico de países subdesenvolvidos foi parar em suas capitais.

Por Eduardo Szklarz
Atualizado em 27 mar 2023, 17h02 - Publicado em 31 jul 2008, 22h00

Um magnífico altar de mármore dedicado a Zeus, erigido no século 2 a.C. em Pérgamo (atual Bergama, na Turquia), surpreende logo na entrada quem visita o museu Pergamon, em Berlim (o nome não é coincidência). A enorme estrutura foi escavada no fim do século 19 pelo arqueólogo Carl Humann, enviada aos pedaços para a Alemanha e reconstruída no museu de Berlim com absoluta precisão, como se aquele fosse o seu lugar de origem.

Outros museus europeus não ficam atrás. No Louvre, em Paris, e no Museu Britânico, em Londres, as coleções antigas são tão sensacionais que temos a impressão de estar no Egito dos faraós ou na Acrópole de Atenas. Tudo isso seria mesmo fantástico, não fosse por um pequeno detalhe: boa parte desse acervo foi parar lá na base da pilhagem. Inglaterra, França e Alemanha, as potências coloniais dos séculos 19 e 20, aproveitaram seu poder de fogo para saquear o patrimônio arqueológico das zonas ocupadas e rechear o acervo de suas instituições culturais.

Pilhagens e espólios

Roubos históricos: Pilhagens e espólios
(Reprodução/Creative Commons)

O general francês Napoleão Bonaparte era um mestre da pilhagem. Tanto que serviu de exemplo para os saqueadores nazistas no século 20. Em 1798, quando marchou com suas tropas pelo Egito, Napoleão levou um grupo de eruditos para estudar os tesouros escondidos no deserto. “Mais de 150 astrônomos, botânicos, engenheiros e artistas acompanharam as tropas”, escreve a americana Nina Burleigh no livro Mirage: Napoleon’s Scientists and the Unveiling of Egypt (“Miragem: Cientistas de Napoleão e a Revelação do Egito”, sem tradução para o português). Entre os cientistas de Napoleão estava Dominique Vivant, futuro diretor do Louvre.

“Hoje, se o visitante gastar apenas um minuto em cada peça da seção de arte egípcia do Louvre, vai precisar de 10 dias para ver tudo”, diz o egiptólogo francês Claude Rilly. Claro que nem todo o acervo é fruto de pilhagem. Boa parte foi recebida em doação ou comprada. Em sua página da internet, o Louvre informa que a criação de seu departamento egípcio não foi conseqüência direta da expedição napoleônica. “Os ingleses confiscaram, como espólio de guerra, as antiguidades coletadas por acadêmicos durante a viagem.”

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De fato, com a vitória da Inglaterra sobre a França no início do século 19, várias obras pilhadas pelos franceses foram parar no Museu Britânico. Uma delas é a Pedra de Roseta, um bloco de granito negro de 760 quilos com um texto gravado em 3 tipos de escrita: egípcio demótico, grego clássico e hieroglifos egípcios (leia mais na reportagem da pág. 16). Como o grego era bem conhecido, a pedra serviu como uma chave para decifrar os hieroglifos. Mas trouxe também um problema: quanto maior o conhecimento ocidental sobre as civilizações antigas, maior se tornou a caça aos seus artefatos.

Que o diga lorde Elgin, embaixador britânico em Constantinopla. Ele mandou remover centenas de relíquias de Atenas e despachou-as de navio para Londres. O conjunto englobava quase metade do friso original do Parthenon, 15 das 92 métopas (painéis esculpidos) e 17 figuras em tamanho natural (os Mármores de Elgin). Como a Grécia era dominada pelos turcos otomanos, Elgin teria obtido autorização do sultão para levar algumas esculturas, mas a iniciativa até hoje gera polêmica.

Métodos rudimentares

Roubos históricos: Métodos rudimentares
(Reprodução/Creative Commons)

Quem também engordou o acervo do Museu Britânico foi o italiano Giovanni Belzoni. Em 1805, o governo do Reino Unido enviou-o ao Cairo para remover o gigantesco busto do faraó Ramsés 2º. O colosso de quase 3 metros e 7 toneladas acabou surrupiado do Templo de Ramesseum, em Tebas, e levado para a Inglaterra.

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Em 1817, Belzoni encontrou no Templo de Abu Simbel a estátua de Paser, que, no século 13 a.C., foi o vice-rei da região de Núbia. Destino? Londres, é claro. No mesmo ano, o aventureiro visitou o Vale dos Reis e encontrou a tumba de Seti 1º (veja o infográfico das págs. 28 e 29). Não deu outra: em 1821, os tesouros dessa e de outras 7 tumbas eram exibidos numa galeria da capital britânica.

Belzoni tinha uma atenuante em relação aos concorrentes: não usava explosivos para entrar nas tumbas. Mas deixou sua assinatura na parede da câmara mortuária da pirâmide de Quéfren – uma prática comum na época. “Seus métodos eram rudimentares ”, reconhece o Museu Britânico em seu site. “Ele pode ter danificado muita coisa ao perseguir seus objetivos. Mas, embora tenha sido acusado de ‘pilhagem’, não foi pior do que seus contemporâneos.”

O museu alemão Pergamon também não seria o mesmo sem arqueólogos como Richard Lepsius. Em 1842, o rei prussiano Guilherme 4º mandou-o ao Egito para estudar a cultura dos faraós. Lepsius acabou descobrindo mais de 60 pirâmides e 130 tumbas, e parte do tesouro desenterrado zarpou para a Europa. Quem mais recheou o Pergamon de relíquias, no entanto, foi Robert Koldewey. Em 1899, ele viajou para o atual Iraque e passou 18 anos escavando por lá. Valeu a pena: foi ele quem encontrou as ruínas do complexo que Nabucodonosor construiu para a deusa Ishtar, na Babilônia, e que hoje fascinam os visitantes do museu de Berlim.

Devolver ou não devolver?

Pilhagens sempre ocorreram em tempos de guerra. Nabucodonosor, por exemplo, saqueou o Templo de Jerusalém quando conquistou a cidade, em 586 a.C. O mesmo fizeram os cruzados venezianos em Constantinopla, no século 13. Casos como esses mostram que a prática não despertava tanta polêmica no passado.

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Hoje, porém, a história é diferente. Muitos países vêm exigindo o repatriamento de artefatos que se encontram em museus da Europa e dos EUA. O Peru, por exemplo, pede que a Universidade Yale devolva os artefatos tirados de Machu Picchu pelo pesquisador Hiram Bingham. A Grécia, por sua vez, reivindica os famosos Mármores de Elgin, hoje expostos no Museu Britânico.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o direito de repatriamento é uma forma de preservar a identidade cultural dos países onde os objetos se encontravam originalmente. Por outro lado, museus europeus argumentam que as peças foram levadas legalmente e que estarão mais protegidas em seus salões.

Na verdade, a polêmica está apenas começando, já que perguntas delicadas ainda precisam ser respondidas. Por exemplo: seria o caso de devolver artefatos arqueológicos a países sob ditadura militar? Nações como a Grécia e o Egito de hoje realmente têm alguma ligação com as civilizações que se desenvolveram em seus territórios há milhares de anos?

“Buscando legitimidade, líderes políticos querem perpetuar a noção de que o moderno Estado-nação descende da Antiguidade, o que não é verdade”, diz James Cuno, diretor do Instituto de Arte de Chicago, nos EUA, e autor do livro Who Owns Antiquity? (“Quem É Dono da Antiguidade?”, sem tradução para o português). Para ele, nenhum país tem mais direitos do que outro, já que a cultura antiga é universal.

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Para complicar, alguns tesouros já viraram patrimônio das sociedades que se apossaram deles. É o caso do diamante Koh-i-Noor, que pertenceu a líderes indianos e persas. Hoje, ele é a estrela entre várias pedras incrustadas na coroa da rainha Elizabeth – uma das jóias mais valiosas da família real britânica.

Herói do Egito

O Museu do Cairo só é um dos melhores graças ao arqueólogo francês Auguste Mariette.

Em 1850, o arqueólogo francês Auguste Mariette partiu para o Egito com uma missão: comprar para o Louvre a maior quantidade possível de manuscritos da Igreja Ortodoxa Copta, estabelecida ali no século 1 pelo apóstolo são Marcos.

Os monges coptas não quiseram vender os manuscritos, mas Mariette estava decidido a não voltar de mãos abanando. Aproximou-se de uma tribo de beduínos e foi com alguns deles até a região de Sakara, onde arregaçou as mangas e começou a escavar em busca de ruínas faraônicas.

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Roubos históricos: Herói do Egito
(Reprodução/Creative Commons)

“No início, a paisagem era desoladora. Só se viam montes de areia”, teria dito o aventureiro. Mas qual não foi sua surpresa quando encontrou uma coleção de catacumbas de 4 mil anos. Mariette mandou boa parte do tesouro para a França – incluindo a estátua Escriba Sentado, uma das peças mais famosas do Louvre. Para driblar outros arqueólogos, ele voltava a enterrar seus achados no deserto. Depois, reunia tudo e carregava até um barco com destino a Paris.

Em 1858, já de volta à terra natal e descontente com a monotonia acadêmica da França, Mariette não via a hora de voltar ao Egito e retomar as escavações. Foi o que fez, mas mudou de lado: passou a trabalhar para o líder local. À frente do Serviço de Antiguidades Egípcias, ele se tornou a principal força contra a pilhagem das potências coloniais.

Adorava confiscar carregamentos de artefatos arqueológicos quando eles estavam prestes a ser despachados para a Europa. Tanto fez que acabou se tornando o pai do Museu Egípcio, cujo acervo, hoje, reúne mais de 130 mil peças. Mariette mudou com a família para o Cairo. E morreu, em 1881, feliz da vida: enterrado em um sarcófago.

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