Se James Bond é um deus para os espiões ingleses, agora você vai conhecer o diabo. E o melhor é que, ao contrário do personagem 007, ele existiu mesmo na vida real. Estamos falando de Kim Philby, um agente secreto inglês que por mais de 20 anos atuou como espião duplo, trabalhando para os odiados russos comunistas. Seu único problema foi ser bom demais. Depois de um tempo, os russos passaram a suspeitar que Philby fosse um espião triplo: um agente inglês que fingia espionar para os russos apenas para espionar de verdade para os ingleses.
Nascido na Índia em 1912, filho de diplomatas ingleses, Harold Adrian Russell Philby tornou-se comunista na Universidade de Cambridge. “Os movimentos de esquerda eram os únicos capazes de resistir a Hitler”, escreveria anos mais tarde em sua autobiografia My Silent War (“Minha Guerra Silenciosa”, de 1968, inédito em português). Era uma visão comum no início dos anos 30, e muitos jovens da alta sociedade abraçaram o comunismo como alternativa ao nazismo. Mas havia outra razão, inconfessável à época: “Não se recusa convite para entrar numa organização de elite”. Pois ele não recusou quando a polícia secreta soviética, a KGB, o recrutou junto com outros quatro estudantes. O grupo ficaria conhecido como o “Círculo de Cambridge” e ninguém poderia prever o sucesso que alcançaria. Desde o início a idéia era que servissem de “espiões duplos”, trabalhando para órgãos oficiais do Ocidente e repassando informações para a União Soviética.
Discreto e incontrolavelmente gago, o que lhe conferia um ar ingênuo, Philby começou a arquitetar seu plano de infiltração nos altos escalões do governo inglês. Criou uma imagem pública de extrema direita, chegando a juntar-se a associações pró-nazistas. Como jornalista, foi à Espanha cobrir a Guerra Civil e escreveu artigos extremamente tendenciosos defendendo o general Franco. A inteligência britânica revelou documentos sugerindo que ele tinha sido recrutado por Stálin para assassinar Franco. Se for verdade, Philby falhou feio: em 1938, ele recebeu uma medalha das mãos do próprio Generalíssimo, que não só sobreviveu ao agente como governou a Espanha por 39 anos.
Em 1940, o espião e ex-colega de Cambridge Guy Burgess conseguiu arranjar a entrada de Philby no serviço secreto britânico, o SIS (Secret Intelligence Service). O emprego que ele arrumou não poderia ser melhor: Philby passou a ser instrutor de espiões do SIS e, com o fim da guerra, ficou responsável por monitorar toda a espionagem russa na Inglaterra. O estrago foi enorme. Ele mesmo treinava espiões ingleses para infiltrar na Rússia e depois os denunciava à KGB. Ao mesmo tempo, impedia a divulgação de qualquer informação que pudesse revelar os espiões russos infiltrados na Inglaterra – como ele próprio.
Em 1949, ele chegou a ser desmascarado, mas virou o jogo. Philby arranjou a fuga para outro espião duplo e logo ficou claro que havia sido alguém das internas. As suspeitas caíram sobre Philby, que negou enfaticamente. Sua principal defesa era que estava envolvido com espionagem soviética por ordem do próprio serviço inglês. Foi tão convincente que ganhou apoio do governo, que o chamou de “herói”. Resultado: só foi desmascarado definitivamente 12 anos depois.
Em 1963, Kim Philby desertou para Moscou, onde não teve a recepção que esperava. As informações que passava eram tão boas que a KGB suspeitou que ele tinha se tornado um agente “triplo”. Só foi reabilitado nos anos 80, quando recebeu a Ordem de Lênin. Após sua morte, em 1988, aos 76 anos, o governo soviético lançou um selo com sua imagem. Uma imagem que, na realidade, mudava completamente de acordo com a situação. E foi essa personalidade camaleônica a razão de sua glória e de sua desgraça. Ao mesmo tempo que desviou as suspeitas de si, o Espião do Século gerou a desconfiança eterna daqueles a quem serviu lealmente por toda a vida.