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O fim da faca

O país campeão mundial na extirpação de clitóris torna a prática ilegal. Mas esse costume está longe de acabar

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h23 - Publicado em 30 set 2007, 22h00

Texto Tarso Araújo

A multilação genital de meninas foi proibida, em junho deste ano, no Egito, um dos 29 países onde ela é comum. E põe comum aí: numa pesquisa feita em 2005, 97% das mulheres casadas responderam que não, não tinham mais clitóris. São 29 milhões de mulheres. Achou muito? Pois saiba que a Organização Mundial da Saúde estima que haja pelo menos 150 milhões de mulheres nessa condição, a maioria na África e na Ásia mas também em comunidades de imigrantes na Europa. E nada indica que o número diminua tão cedo: a cada dia 8 mil novas meninas engrossam as fileiras de quem passou pela “circuncisão feminina” (como a multilação é chamada por quem prefere um termo mais suave, e menos real). Foi o que aconteceu com a somaliana Warris Dirrie. Quando ela tinha 5 anos, sua mãe a agarrou sobre uma pedra para que ela não fugisse. Enquanto se debatia, a menina assistiu a uma cigana arrancar seu clitóris e seus lábios vaginais com uma navalha usada. No final, a mulher costurou precariamente a sa­ída da vagina, deixando apenas um pequeno furo para a criança urinar. A ferida infeccionou e a fez ter febre alta e dores por dias. Não é só o trauma psicológico que acompanha Warris e os outros 150 milhões de multiladas. A operação traz infecções crônicas, dores para urinar e fazer sexo e problemas com parto e menstruação. Mesmo assim, a proibição foi muito contestada no Egito. Dois terços das mulheres não querem o fim das cirurgias por um motivo simples: a tradição. A prática existe desde a Antiguidade, para garantir a “pureza sexual” das garotas. É um rito de passagem para a vida adulta. “Arrancam o clitóris porque acreditam que, se não fizerem isso, as mulheres ficam fora de controle, sexualmente falando”, diz a socióloga americana Hanny Lighfoot-Klein, especialista no assunto. Por causa dessa crença, as mulheres não mutiladas têm poucas chances de casar. Outras superstições que ajudam a manter a tradição dizem que o clitóris pode ser uma ameaça ao pênis na hora do sexo ou para o bebê no parto. Warris, que não acreditava em nada disso, decidiu fugir de casa e conseguiu chegar à Inglaterra. Virou modelo internacional. Há 10 anos decidiu falar sobre o que tinha sofrido. Agora, aos 42, ela é embaixadora da ONU na luta e tem uma fundação dedicada à causa. Desde que começou a campanha, ela ajudou a proibir a mutilação em 14 países africanos (o Egito foi o 15º). Mas na maioria deles a lei não é capaz de vencer a tradição. “Sozinha, a lei não vai acabar com a mutilação, mas é um passo para mudar a atitude das próximas gerações”, disse Warris à Super.

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