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O inferno em Congonhas

Erros de projeto, falhas na pista e um incêndio que durou 24 horas: os fatores por trás do acidente com um Airbus A320 da TAM, que deixou 199 mortos.

Por Redação Superinteressante
Atualizado em 12 fev 2020, 14h13 - Publicado em 1 jul 2015, 14h13

Um dos poucos sobreviventes do pior desastre aéreo ocorrido em solo brasileiro foi uma amoreira. Até 17 de julho de 2007, a árvore ficava em uma calçada da Avenida Washington Luis, entre o Aeroporto de Congonhas e o hangar de cargas da TAM. Ao anoitecer daquela terça-feira, o tronco da amoreira foi sacudido por um violento tremor e sua copa foi lambida por chamas. Após um pouso malsucedido, o Airbus A320-233, da TAM, havia atravessado a avenida em um voo rasante, explodindo contra um hangar da empresa. O edifício e a aeronave foram totalmente incinerados, mas a amoreira sobreviveu à tempestade de fogo. Está lá até hoje, no centro de um memorial construído em 2012. Naquele lugar, 199 pessoas morreram, entre ocupantes do voo e gente que estava na rua ou até dentro de casa.

O Airbus havia partido de Porto Alegre por volta das cinco da tarde, com 187 ocupantes. Entre eles, o publicitário gaúcho Mário Gomes, de 49 anos. Mário tinha muitos clientes em São Paulo e viajava com frequência para lá. Por causa do apagão aéreo, já perdera diversas reuniões. “No domingo antes do acidente, o Mário fez um churrasco aqui em Porto Alegre. Juntou a família e anunciou que ia se mudar”, lembra o jornalista Roberto Gomes, irmão da vítima. “Tinha encontrado uma casinha para alugar e avisou que iria naquela semana a São Paulo dar uma olhada.”.

Ao entardecer de terça-feira, Roberto Gomes estava em casa, diante da TV. “De repente, a transmissão foi cortada, e entraram imagens de um avião pegando fogo”, conta Roberto. A noite cobria Porto Alegre quando Roberto e a cunhada pegaram o carro em direção ao Aeroporto Salgado Filho. Chegando lá, encontraram uma cena caótica. A TAM demorava a liberar a lista completa de vítimas. Familiares e amigos dos passageiros gritavam no saguão, desesperados. “De repente, entrou uma tropa de choque e nos cercou. Alguém havia chamado a polícia militar”, lembra Roberto. “As horas passavam, a lista não vinha. Minha cabeça girava sem parar. Estávamos todos em choque.”

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Inferno na avenida

A catástrofe em Congonhas foi resultado de uma série de problemas – desde falhas na pista e defeitos técnicos até possíveis erros dos pilotos. A responsabilidade final pela labareda que engoliu 199 vidas ainda é controversa.

Na época, a pista de pouso em Congonhas acabara de passar por uma reforma. Fora liberada para tráfego apenas 15 dias antes do acidente – embora faltasse ainda a instalação do chamado grooving, as ranhuras que aumentam a aderência do piso e aceleram o escoamento da água da chuva. No dia anterior ao desastre, um avião da Pantanal Linhas Aéreas havia derrapado na pista molhada, provocando o fechamento do aeroporto durante cerca de 20 minutos.

Às 18 horas e 43 minutos, quando tocou na pista molhada de Congonhas, o avião estava a cerca de 200 quilômetros por hora. Nesse momento, deveria começar a desacelerar. Mas algo deu errado, e a aeronave continuou correndo. “Desacelera, desacelera!”, gritou o copiloto, vendo que a velocidade do jato não diminuía. “Não dá, não dá!”, gritou o comandante logo em seguida.

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Até hoje, há versões conflitantes sobre o que ocorreu. Naquele dia, o avião estava com o reversor direito pinado – ou seja, travado. Reversores são dispositivos que auxiliam a frenagem. Mesmo assim, o pouso poderia ter ocorrido normalmente, apenas com o freio automático. Contudo, a investigação dos destroços constatou que os manetes (alavancas que aumentam e diminuem a potência de cada turbina) estavam em posição errada. O manete direito fora empurrado para a frente, mantendo a turbina em aceleração. A alavanca esquerda estava em ponto morto. Antes do desastre em Congonhas, já houvera dois acidentes semelhantes com aeronaves da Airbus: nas Filipinas, em 1998, e em Taiwan, em 2004. Em ambos os casos, um dos reversores estava pinado e os manetes foram encontrados em posição errada. O Centro Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) afirmou, na época, que a fabricante da aeronave deveria ter alterado seus manuais de voo após os dois primeiros acidentes. De acordo com o manual da Airbus, as aeronaves podem voar durante dez dias com os reversores pinados. A Airbus respondeu dizendo que só mudaria seus manuais caso houvesse uma solicitação das agências de aviação americana e europeia.

No momento em que o avião tocou na pista em Congonhas, a maior parte dos passageiros provavelmente sentia apenas a tensão natural em qualquer pouso. Ao verem que o fim da pista se aproximava, contudo, ficou óbvio que algo grave estava acontecendo. O desespero se espalhou. Segundos depois, o piloto tentava decolar novamente. O avião passou por cima do muro e cruzou a Washington Luiz num rasante. As rodas afundaram o teto de um táxi e amassaram a lataria de outro veículo. O sobrevoo foi tão baixo que os passageiros, pelas janelas, podem ter visto de relance os capôs dos carros danificados e até os rostos atônitos na calçada. O Airbus então atingiu o telhado de um posto de gasolina e, em seguida, explodiu contra o terminal da TAM Express. Desde o início do pouso, havia se passado menos de meio minuto.

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Nos últimos segundos de horror, algumas vítimas se abraçaram. Entre os corpos que não foram incinerados, as equipes de resgate encontraram um adulto envolvendo uma criança nos braços e outros cadáveres unidos sobre os assentos. Segundo investigações posteriores, cerca de 70% das vítimas morreram no impacto. As que não morreram desmaiaram na hora. O choque a 40 quilômetros por hora já é suficiente para causar o coma. Na hora da explosão, o Airbus estava a uma velocidade mais de cinco vezes superior a isso.

Quem não sucumbiu durante o impacto, morreu no incêndio. Por medidas logísticas, a TAM costumava abastecer suas aeronaves acima do necessário para a realização de alguns trechos. Naquele dia, a aeronave estava com 2,4 toneladas de combustível extra. A temperatura no local chegou a mil graus Celsius – ponto de fusão de metais como o titânio. O incêndio foi tão forte que os bombeiros só conseguiram derrotar as chamas 24 horas após o impacto. O fogo, contudo, demorou para chegar até os fundos do avião. Algumas pessoas ali talvez estivesem ainda vivas, mas morreram em menos de dois minutos, asfixiadas pela fumaça. Além dos ocupantes do voo, morreram 11 pessoas que trabalhavam no hangar e um motorista que abastecia o carro no posto de gasolina.

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Os bombeiros levaram 24h para apagar o fogo. (Rickey Rogers/Reuters)

Tragédia sem fim

Enquanto a lista oficial da TAM não saía, Roberto Gomes acompanhava as notícias pela televisão ou pela internet. Ao fim da noite, todos os familiares foram levados para o hotel Plaza São Rafael, no centro de Porto Alegre; logo, o salão ficou cheio também de repórteres. Num canto, uma televisão liberava as últimas informações. A cada anúncio, um grito entre os espectadores.

Finalmente, o locutor anunciou: “Mário Gomes”. Naquele momento, uma equipe da Bandeirantes gravava a reação dos parentes. “Era teu irmão, né?”, perguntou um cinegrafista, que captara a expressão de Roberto. Em seguida, largou a câmera no chão e lhe deu um abraço.

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O pior ainda estava por vir: o reconhecimento dos corpos. Muitos estavam totalmente carbonizados. A identificação tinha de ser feita por pedaços – ou com base em dados como arcadas dentárias e tipo sanguíneo. “Em São Paulo, eu e minha família fomos ao IML durante 22 dias seguidos. Do corpo do meu irmão, restou apenas 10%. Há familiares que enterraram apenas alguns centímetros de um fêmur”, conta Roberto. De outros, não sobrou absolutamente nada. Nem o DNA.

Todos absolvidos

Em julho de 2011, quatro anos após o desastre, a Justiça Federal de São Paulo aceitou a denúncia do Ministério Público contra Denise de Abreu, ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Marco Aurélio dos Santos, diretor de segurança de voo da TAM, e Alberto Fajerman, vice-presidente de operações da companhia.

Denise foi acusada de crime de imprudência – para o MP, ela liberou a pista de Congonhas sem efetuar uma inspeção formal. Em janeiro de 2007, a própria ANAC havia desaconselhado o pouso de aviões com reversor pinado na pista de Congonhas. O MP acusou a TAM de não ter informado os pilotos sobre o procedimento exato nesse tipo de situação. Em 30 de abril de 2015, a Justiça Federal absolveu todos os acusados. O juiz Márcio Guardia, da 8ª Vara Federal Criminal de São Paulo, argumentou que o acidente se deveu à má execução do pouso pelos pilotos. O MP pode recorrer.

No Parque 17 de Julho, a amoreira sobrevive. (Levi Bianco / Corbis/Reprodução)

 

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