O Império Romano, em seu auge, tinha 60 milhões de habitantes. Mas essa é só uma estimativa, feita por historiadores.
Júlio César, mesmo, não fez um censo demográfico, para a sorte dos funcionários do “IBGE” da época. Afinal, já pensou o trabalho que daria registrar a população de cada cidade em uma tábula de pedra, usando só letras maiúsculas? 4435 vira MMMMCDXXXV. 3457, MMMCDLVII. O repórter até tentou converter um número com seis ou sete casas decimais, mas deu pau na calculadora – ela não sabia o alfabeto inteiro, pelo jeito, ou não tinha linhas suficientes para exibir o resultado.
Viu só a falta que faz um zero? Com ele, você consegue diferenciar “66” de “606” colocando um círculo entre os dois algarismos. Bem mais fácil do que usar LXVI e DCVI – não só pela simplicidade da representação do número no papel, mas principalmente pela possibilidade de se fazer contas simples de adição e subtração no dia a dia.
É por isso que, em mais ou menos 300 d.C. – enquanto o cristianismo tomava conta do ocidente e povos germânicos invadiam a Península Itálica – os indianos, do outro lado do mundo conhecido, acabaram com a complicação e inventaram a coisa mais importante da história da matemática. Sim, o zero.
A novidade aí não é o povo, mas a data.
Que os indianos eram os pais do zero usado hoje na matemática – o redondo, com um buraco no meio –, nós já sabíamos. Os mais antigos zeros já registrados estão nos manuscritos de Bakhshali, encontrados em 1881 no atual território do Paquistão e hoje guardados na Universidade de Oxford. Muitos matemáticos já leram e interpretaram esses documentos várias vezes.
O problema é que essas relíquias em sânscrito (que contém mais de cem zeros, uma quantidade notável de nadas) nunca haviam passado por uma datação por carbono-14, a maneira mais segura de descobrir a idade de um achado arqueológico. Acadêmicos do mundo todo apostavam que esses zeros primitivos eram de depois século 9 d.C – mas só apostavam, mesmo, com base nas portas de um templo dessa época que também continham inscrições do redondinho.
A nova datação, que põe os manuscritos em algum ponto entre 224 d.C. and 383 d.C., torna a maior revolução da história da matemática 500 anos mais antiga do que imaginávamos.
Esses avós do zero que conhecemos hoje eram apenas bolinhas, sem o buraco no meio. E eles serviam justamente para preencher casas decimais vazias. “5·5″, por exemplo, era “505”. “5··5”, “5005”, e por aí vai. Nessa época, uma conta como “5 – 5 = ?” ainda não era factível: o zero existia apenas para preencher espaço, e não para representar uma quantidade nula – um conceito inconcebível para os matemáticos da antiguidade.
“Hoje nós damos por certo que o conceito de zero é usado em todos os lugares do mundo”, explicou ao The Guardian Marcus du Sautoy, matemático de Oxford responsável pela descoberta. “Afinal, todo o mundo digital é baseado em nada ou alguma coisa [referência ao sistema binário, feito de combinações de 1s e 0s]. Mas houve uma época em que esse número não existia.”
Que o digam os romanos. Sautoy especula que os indianos tenham tido a sacada antes dos europeus porque a própria religião indiana encara com mais naturalidade a ideia de vazio ou vácuo. Afinal, o zero é um conceito bastante abstrato, e aceitá-lo, logo de cara, seria contraintuitivo para alguém que leva uma vida prática com os números, como um comerciante.
Vale lembrar que, antes dos indianos (e de Cristo), babilônios e maias já usavam símbolos análogos ao zero para criar seus próprios sistemas numéricos. Mas foi a bolinha do Paquistão, embalada pelo vai e vem comercial da Rota da Seda, que evoluiu, ganhou um buraco no meio e alcançou os árabes, chegando à forma adotada hoje.