O rei da montanha
No alto de uma montanha nevada na Turquia, a 2 150 metros de altura, ruínas de estátuas de 2 000 anos, de deuses gregos e persas, vigiam o horizonte. Elas guardam o túmulo de um monarca megalômano, Antíoco I, o rei de Comagena. A história quase perdeu essa civilização que a arqueologia reencontrou.
Ricardo Arnt
A encruzilhada da Grécia com a Pérsia
Sabe-se muito pouco sobre Comagena. Em suas montanhas desoladas e escarpadas, outrora cheias de florestas, moram, hoje, os curdos, um povo islâmico que luta por um Estado próprio, o Curdistão, reivindicando territórios da Turquia, Síria, Iraque e Irã. A guerrilha curda mantém as ruínas de Nemrud Dag inacessíveis. Toda a região está sob lei marcial turca. Além disso, não há estradas, nem vegetação, nem água, a subida é difícil e a neve chega a ter 4,5 metros de espessura.
A natureza favoreceu 2 000 anos de isolamento. Quando Alexandre, o Grande (356 a.C. – 323 a.C.), morreu, depois de conquistar o Oriente e difundir a cultura grega até a Índia, Comagena foi anexada pelos reis da Síria. Depois disso, não se sabe exatamente quando, libertou-se e passou a ter seus próprios monarcas.
Perto da nossa era, o geógrafo grego Estrabão (58 a.C. – 25 d.C.) dizia que o país tinha “extensão medíocre” mas grande valor estratégico, pois comandava as rotas do Rio Eufrates, das caravanas entre a Ásia, a Síria e a Mesopotâmia. Na encruzilhada entre as culturas grega e persa, inspirada tanto pela arte e pela religião dos gregos quanto dos vizinhos da Pérsia, Comagena criou uma síntese de dois mundos.
No ano 63 a.C. os romanos invadiram a Palestina e, em 64 a.C., o general romano Pompeu fez um acordo com o rei Antíoco I para recrutar tropas contra os partos, belicosos vizinhos do norte. Antíoco, que se dizia descendente direto de Alexandre, o Grande, por parte de mãe, e de Dario, rei da Pérsia, por parte de pai, reinou de 69 a 34 a.C. No ano 62 a.C., mandou contruir o mausoléu de Nemrud Dag, uma obra monumental e difícil que exigiu imensos sacrifícios.
No ano 72, já na nossa era, Comagena foi anexada pelo imperador de Roma, Vespasiano. Depois dos romanos, desapareceu, pelo menos da história ocidental. Só em 1839, um engenheiro alemão, viajando pela região, teve notícia das ruínas fabulosas. Expedições alemãs e turcas conseguiram subir ao topo da montanha, em 1881, 1882 e 1883. Mas só em 1938 e em 1947 o arqueólogo alemão Friedrich Karl Dörner e a americana Theresa Goell decifraram inscrições do mausoléu.
O mausoléu mais perto das estrelas
Não há dúvida. Estrelas desenhadas em uma estátua no alto da montanha representam a conjunção dos planetas Júpiter, Mercúrio e Marte e indicam a data, calculada por astrônomos: 7 de julho de 62 a.C. Uma inscrição, em grego, anuncia: “Eu, Antíoco, elevei este monumento em minha glória e na de meus deuses”.
Esse rei vaidoso, que se julgava um semideus, discriminou as cerimônias e as peregrinações que deveriam ser realizadas no aniversário do seu nascimento e de sua coroação, a 2 000 metros de altura. E deixou uma explicação pouco modesta para a posteridade: “Concebi o desígnio de elevar, na proximidade dos tronos celestes, sobre fundamentos inacessíveis às injúrias do tempo, este hierothesion (“morada divina”, em grego), onde meu corpo, após ter envelhecido em meio às bençãos, dormirá o sono eterno, separado da alma piedosa que levantou vôo para as regiões celestes”.
Três terraços foram escavados na montanha. Cerca de 600 000 toneladas de terra e pedras foram removidas e depositadas no alto do pico, formando um monte artificial de 50 metros de altura. Em 1989, pesquisas geofísicas feitas pela Universidade de Antalya, na Turquia, indicaram a presença de três cavidades no seu interior, que podem ser câmaras funerárias. Segundo a revista Le Figaro Magazine, o corpo de Antíoco deve estar lá. Mas a dificuldade de transportar equipamentos para a montanha e as condições de trabalho no topo tornam impossível escavar ou perfurar o monte – pelo menos por enquanto.
Na frente do mausoléu, cinco estátuas de 9 metros de altura representam o rei com seu cortejo de divindades, os gregos Zeus, Apolo e Hércules e a deusa persa do Sol, Mitra. Mas as “injúrias do tempo” não pouparam a vaidade de Antíoco. Terremotos, tempestades e variações de temperatura sacudiram, erodiram e derrubaram as estátuas, cujas rachaduras acabaram dando às pedras rugas de 2 000 anos. Sob a neve eterna, a morada divina de Antíoco parece, hoje, um cemitério de gigantes numa paisagem lunar.
PARA SABER MAIS
À Procura dos Mundos Perdidos, Henri-Paul Eydoux, Edições Melhoramentos e Edusp, São Paulo, 1967.
A Paz Romana, Paul Petit, Pioneira Editora e Edusp, São Paulo, 1989.
História de Roma, Tito Lívio, 6 volumes, Editora Paumape, São Paulo, 1989.