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O reverendo que quase descobriu os buracos negros em 1783

John Michell era um estudioso da Bíblia, da geologia e da física. Usando as leis de Newton, ele deu um palpite dois séculos a frente de seu tempo.

Por Eduardo Lima
Atualizado em 9 ago 2024, 16h09 - Publicado em 9 ago 2024, 16h00

John Michell era um homem negro e baixinho que, enquanto viveu, na Inglaterra do século 18, foi considerado um excelente filósofo. Hoje, o que eles chamavam de “filósofo natural”, nós chamamos de cientista. O reverendo da Igreja Anglicana não era só um especialista em teologia e hebraico antigo, mas também em física e geologia. E ele foi a primeira pessoa a pensar na possibilidade de buracos negros.

Michell nasceu em 1724, filho do pastor local. Seu pai era um seguidor do cristianismo latitudinário, que surgiu entre os teólogos da Universidade de Cambridge. Eles não gostavam da ideia de doutrinas muito específicas e estruturas organizacionais muito rígidas, valorizando o uso da razão. Quando chegou a hora de formalizar seus estudos, Michell foi para Cambridge, também.

Na época, a universidade que hoje abriga mais de 24 mil alunos só tinha 400 estudantes. John Michell passou 20 anos lá, estudando e também atuando como professor. Suas áreas de especialidade eram muitas: teologia, hebraico, grego, aritmética e geologia. Ele construía diversos aparelhos mecânicos e também gostava da parte prática e experimental da ciência.

O reverendo estudou magnetismo, com descobertas que ajudaram a usar os ímãs na navegação, e até escreveu sobre a mecânica dos terremotos. Dois séculos antes da teoria tectônica de placas, ele sugeriu uma forma de estimar onde seria o epicentro dos terremotos, e traçou relações entre terremotos submarinos e tsunamis.

Depois do seu período na universidade, aos 40 anos, Michell continuou o trabalho de seu pai, e assumiu a responsabilidade de sacerdote da Igreja Anglicana. E, nos intervalos do trabalho pastoral, ele conseguiu achar tempo para antecipar uma das grandes descobertas da física do século 20.

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Estrelas escuras

Michell construiu um telescópio pessoal para usar em sua casa em Thornhill, no norte da Inglaterra. O telescópio refletor tinha três metros e, com ele, o reverendo foi o primeiro homem a aplicar os modelos estatísticos mais modernos da época à observação das estrelas. Ele mostrou que constelações, como as Plêiades, não podiam ser explicadas por distribuição aleatória, mas sim por atração gravitacional.

Até hoje, o aparelho que usamos para medir a constante gravitacional, que determina a força da gravidade em todo o universo, é uma versão atualizada de uma máquina projetada por Michell. O clérigo cientista usou as leis da física de Isaac Newton e conceitos que já eram conhecidos na época, e assim ele conseguiu previr um dos debates científicos mais importantes do século 20. 

Pensando na velocidade da luz e na velocidade de escape (mínimo necessário para fugir da atração gravitacional de um corpo celeste), Michell começou a investigar os limites dessas ideias.

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O reverendo imaginou uma estrela tão massiva, com uma atração gravitacional tão forte, que a luz não seria rápida o suficiente para alcançar sua velocidade de escape. Ele não conseguiria ver essa estrela nem no seu super-telescópio refletor de três metros, porque ela sugaria a própria luz.

Hoje em dia, alguns dos raciocínios de Michell se mostraram equivocados. Ele achou, por exemplo, que a força da gravidade poderia reduzir a velocidade da luz, o que não acontece. Mesmo assim, seu palpite de uma estrela tão massiva, com 500 vezes o tamanho do Sol e sua mesma densidade, que não deixa a luz escapar, se mostrou a frente de seu tempo.

Para ele, essas estrelas poderiam ser identificadas não a partir da visualização no telescópio, mas sim pelas irregularidades que elas causam nas órbitas de corpos estelares próximos com sua potente gravidade. Nas últimas décadas, diversos buracos negros foram detectados exatamente assim, só sendo comprovados por telescópios nos últimos cinco anos.

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As contribuições de Michell para a astronomia ficaram esquecidas até a segunda metade do século 20. As “estrelas escuras” que o reverendo imaginou só foram relembradas depois que os buracos negros viraram a física teórica de cabeça para baixo, mudando nossa compreensão sobre o universo.

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