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Os dinos vieram do sul

Parece cada vez mais seguro que os dinossauros tenham surgido na América do Sul. Um fóssil achado na cidade gaúcha de Santa Maria é o representante que faltava na família dos dinos mais antigos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h11 - Publicado em 30 jun 1998, 22h00

Ivonete D. Lucírio, de Porto Alegre

Foi como acertar na Mega Sena. Em janeiro passado, o pesquisador brasileiro Max Langer, 23 anos, doutorado incompleto, voltava de uma expedição à fronteira do Uruguai em busca de peixes pré-históricos quando resolveu dar uma parada em Santa Maria (RS). A idéia era mostrar ao também jovem colega argentino Fernando Abdala um sítio paleontológico abandonado. O dia era quente e nublado, típico do verão gaúcho, e a visita corria mansa. Mas, ao percorrer o terreno lamacento do fundo de uma casa na Vila de São José, Langer notou uns pedacinhos de osso no chão. Seguiu o rastro e, subitamente, viu, incrustado na pedra do barranco em frente, um fêmur de dinossauro tão exposto que parecia ter sido colocado ali para que algum paleontólogo sortudo tropeçasse nele.

Achar um osso desses meio por acaso já seria uma proeza e tanto. Acontece que o dono do fêmur era muito, muito velho. Tinha 230 milhões de anos. E pertencia ao grupo dos sauropodomorfos, o único, dos três em que os dinossauros se dividem, que ainda não tinha um representante tão antigo, já que três terópodes e um ornitisquia bem velhuscos já haviam sido encontrados no sul do continente. De um minuto para outro, Langer, que nem sequer estudava o assunto, tornou-se uma celebridade internacional.

“Foi um feito importantíssimo”, comentou o paleontólogo Paul Sereno, da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, o mais famoso caçador de fósseis da atualidade. “Podemos agora afirmar que as três grandes linhagens surgiram ao mesmo tempo”, diz Langer. “E vieram da região que hoje constitui a América do Sul.” Conheça, agora, a turma que inaugurou o domínio de 160 milhões de anos dos dinossauros sobre a Terra.

Um lagarto passou a perna no outro

Os dinossauros são um caso exemplar de criatura que superou o criador. A sua história começa pouco antes do aparecimento da espécie de Santa Maria e das outras quatro que conviveram com ela – o estauricossauro, o herrerassauro, o pisanossauro e o eoraptor. “Eles evoluíram a partir de répteis chamados tecodontes”, explica o paleontólogo Reinaldo Bertini, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro, interior de São Paulo. Os tecodontes (veja infográfico abaixo) mandavam na Terra no início do período Triássico, mais ou menos 240 milhões de anos atrás. Então, um grupo deles, chamados arcossauros, dividiu-se em duas linhagens, uma que daria origem aos crocodilos e outra aos pássaros. “Os dinossauros foram uma subdivisão dessa linha que antecedeu as aves”, conta o paleontólogo Michael Benton, da Universidade de Bristol, na Inglaterra. Até hoje, não foi encontrado o elo perdido, o ancestral de todos os dinossauros.

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O certo é que os dinos primitivos se mostraram mais hábeis que os tecodontes. Apesar de baixinhos, eram bons de briga. No começo serviam de comida para os seus ancestrais, mas depois passaram a perna neles. Os tecodontes tinham os membros parecidos com os dos crocodilos de hoje, eram lentos e desengonçados. Já os dinossauros tinham as pernas traseiras como as dos mamíferos. Graças a elas ganhavam dos tecodontes na hora da corrida. Os velhos répteis não só não conseguiam mais comer os dinossauros, como passaram a disputar com eles a caça. De estômago vazio, desapareceram 200 milhões de anos atrás. Os dinossauros viraram os donos do pedaço e, com comida de sobra, acabaram, pela seleção natural, aumentando de tamanho no período jurássico.

De pai para filho

Veja como alguns membros de um grupo chamado tecodonte deram origem aos dinossauros.

Triássico (248 a 213 milhões de anos atrás)

Os lagartos primitivos, chamados arqueossauros, se dividiram em dois grupos.

Os de um deles, os proterossúquios, se transformariam depois nos crocodilos de hoje.

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O outro, os ornitossúquios, deu origem à linhagem dos dinossauros e também à dos pássaros.

Os primeiros dinossauros, como a espécie encontrada em Santa Maria, surgiram no meio do Triássico.

No final desse período, já existiam várias outras espécies, como o riojassauro.

A linha de frente estava nos pampas

Quando os dinossauros surgiram, o mundo era bem diferente. Os continentes estavam todos grudados, formando a chamada Pangéia (veja infográfico abaixo). Por isso, quando se fala que os dinossauros vieram da América do Sul, não quer dizer que eles precisaram atravessar o Atlântico para chegar à Europa ou à África. Era muito mais fácil passar de uma região para outra, o que facilitou a sua dispersão. O que não se sabe ao certo é por que os dinossauros escolheram os pampas para sua estréia. Há apenas suposições. “No sul havia muitas espécies de tecodontes, o que deve ter facilitado uma mutação e o surgimento do novo grupo”, diz Reinaldo Bertini. “Além disso, acredita-se que havia comida abundante e o clima era ameno, temperado e úmido.” A teoria de que os dinossauros surgiram na América do Sul vem da década de 60, quando o fóssil do estauricossauro encontrado também em Santa Maria em 1936 foi finalmente bem examinado. “Chegou-se à conclusão de que ele era muito primitivo, ou seja, sua estrutura ainda se parecia com a dos tecodontes”, explica Bertini. Os fósseis das outras espécies primitivas foram encontrados todos em locais próximos, no norte da Argentina (veja infográfico ao lado).

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Por isso, não foi casual a parada da equipe de paleontólogos da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS), da qual Langer faz parte, em Santa Maria. “Voltávamos de uma excursão para coleta de fósseis de peixes em São Gabriel, localidade próxima, e programamos uma visita científica àquele sítio antigo”, conta Langer. “Sabíamos que é uma área onde há muitos fósseis. Até hoje já foram retiradas mais de 2 000 peças de lá. O que eu não imaginava é que trombaríamos com a quinta espécie de dinossauro primitivo e a segunda encontrada lá até hoje.”

Terra de gigantes

Com sobra de comida, apareceram os dinossauros grandalhões, verdadeiros arranha-céus da época.

Jurássico (213 a 144 milhões de anos atrás)

O vulcanodon, com 6,5 metros, é um dos descendentes da espécie de Santa Maria.

O estegossauro media 9 metros e era herbívoro, como a maioria das espécies da época

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O pescoço do branquiossauro é vertical e se parece com o de uma girafa. Ele media 16 metros.

O pescoço longo e a cabeça pequena dão um ar desengonçado ao brontossauro (21 metros).

Um dos maiores bichos que já viveu sobre a Terra, o diplodocus media 27 metros.

Tinha um dinossauro no meu quintal

Ao chegar ao sítio arqueológico em Santa Maria, Max Langer ficou de olho no chão. “Pequenos pedaços de osso são pistas de fósseis. Segui uma trilha de cacos e dei de cara com um fêmur”, conta. Começou a escavação. A chuva era forte e não foi fácil isolar o achado. “Enquanto paleontólogos famosos, como o Sereno, tem uma serra elétrica para cortar o bloco de terra, aqui fazemos tudo na picareta, da mesma forma como foi coletado o estauricossauro há sessenta anos.” Outra dificuldade: a dona do quintal onde era feita a escavação chamou a polícia. “Eles entraram sem permissão. Estão só preocupados com os bichos embaixo da terra e tratam a gente feito cachorro”, disse Ida Hubner, a proprietária.

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Foi preciso muita conversa para, três dias depois, saírem carregando um bloco de 150 quilos na parte de trás da caminhonete. No laboratório da PUC do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, a equipe percebeu a importância do achado, e viu que o crânio havia ficado para trás. Organizaram uma nova expedição com autorização do governo e resgataram, além do crânio, mais dois dinos. Lá se foram mais três blocos de 80 quilos. O trabalho foi dureza, mas valeu a pena. “O material trará dados para o estudo da evolução dos primeiros dinossauros”, diz Sereno. “E dará informações essenciais sobre os sauropodomorfos”, completa Michael Benton, agora orientador de Langer. Será na Universidade de Bristol a próxima parada da nova espécie, ainda anônimo. Langer faz mistério, mas promete batizá-lo de um jeito que lembre o atual momento brasileiro. Quem quiser pode tentar adivinhar o nome. Langerossauro está descartado.

Para saber mais

Discovering Dinosaurs, M. A. Norell, E. S. Gaffney, L. Dingus, Little, Brown and Company, Londres, 1995

Cada um no seu canto

No período Cretáceo, os continentes já estavam separados e as espécies de dinossauros passaram ahabitar áreas diferentes.

Cretáceo (144 a 65 milhões de anos atrás)

O iguanodon viveu na América do Norte, Europa e Mongólia.

Mais comum na China e na Rússia, o velociraptor foi um dos dinossauros mais ferozes.

Habitante da América do Norte, o triceratops foi o maior dinossauro com chifres, com 3 metros.

Descendente da espécie de Santa Maria, o titanossauro morou na América do Sul, Ásia e Índia

Por volta de 65 milhões de anos, o reinado acabou provavelmente com a queda de um cometa.

Postura ágil

O esqueleto da espécie encontrada no sul do Brasil mostra que ela era mais hábil que seus ancestrais, os tecodontes.

1. Fundações sólidas

As pernas dos primeiros tecodontes formavam noventa graus com seu corpo.

Já os mais evoluídos tinham as pernas parecidas com a dos crocodilos.

Só que a forma mais adequada para correr é a dos dinossauros.

2. Cintura flexível

O fêmur dos tecodontes se unia à parte externa da pélvis. O peso do corpo recaía sobre a musculatura e o bicho tinha dificuldade para correr.

A pélvis do dinossauro tem uma cavidade para encaixar o fêmur. Por isso os ossos das pernas sustentam o corpo, como nos mamíferos.

3. Pé articulado

O encaixe do calcanhar do tecodonte era lateral. Isso dificultava o movimento e o tornava mais lento.

O dinossauro tinha facilidade para correr em solo irregular com essa articulação mais desenvolvida de calcanhar.

O batalhão de frente

Estes dinossauros foram contemporâneos da espécie descoberta no sul.

Estauricossauro

Era veloz, carnívoro e pesava 30 quilos. Também foi achado em Santa Maria (RS) em 1936.

Herrerassauro

Este carnívoro era o gigante da turma, com 3 metros, e foi localizado na Argentina em 1963.

Pisanossauro

Achado na Argentina em 1967, tinha cerca de 90 centímetros e era comedor de plantas.

Eoraptor

Com meio metro de altura e pesando 3,6 quilos, este argentino foi achado em 1991.

Mina de ossos

Veja onde foram encontrados os fósseis dos cinco dinossauros mais antigos do mundo.

Uma rica vizinhança

A espécie nova e o estauricossauro foram encontrados em Santa Maria. O herrerassauro, o eoraptor e o pisanossauro são argentinos, da província de San Juan.

O mundo era outro

No período Triássico, quando os dinossauros surgiram, as massas de terra estavam bem mais unidas.

O primeirão

Aqui foi achado o estauricossauro.

Veias abertas

Os sulcos da erosão no morro deixam os fósseis à mostra.

O caçula

Local onde foi encontrada a nova espécie.

Rocha dura

A base do terreno é de rochas, onde estão escondidos os fósseis.

Chegou quem faltava

A nova espécie é a primeira primitiva encontrada de um dos três grupos de dinossauros.

Sauropodomorfos

É o grupo no qual se incluem os gigantes comedores de plantas, a partir do período jurássico, como o brontossauro e o diplodocus. Ficaram conhecidos por ter aqueles pescoços e rabos enormes. Alguns chegavam a pesar mais de 12 toneladas.

Terópodes

São bípedes e, apesar da maioria comer carne, como o tiranossauro, havia também alguns vegetarianos no grupo. Das espécies primitivas encontradas entre o Rio Grande do Sul e a Argentina, o eoraptor, o estauricossauro e o herrerassauro pertencem a essa subordem.

Ornitísquias

Os membros dessa turma têm os ossos da bacia organizados como os dos pássaros. O pisanossauro é o seu único exemplar antigo já encontrado.

Picareta e pé na lama

O trabalho da equipe que achou o novo dino.

Langer acha o fêmur preso em um dos sulcos de erosão

A rocha é envolvida com gesso que a protege no transporte

A equipe arrasta o bloco de terra até a cominhonete

No laboratório, Langer faz o delicado trabalho de isolar os ossos que estão na rocha. Só depois disso eles poderão ser estudados

Os humanossauros

O trabalho dos grandes descobridores de fósseis começou no século XIX.

1818 – O americano Solomon Ellsworth cavava um poço quando, por acaso, encontrou fósseis. Foi o primeiro dinossauro, depois identificado como anchissauro.

1824 e 1825 – Nesses anos aconteceram as primeiras descobertas feitas por exploradores profissionais. Os ingleses William Buckland e Gideon Mantell identificaram respectivamente o megalossauro e o iguanodon.

1837 – O naturalista alemão Hermann von Meyer encontrou o primeiro esqueleto de um plateossauro.

1889 – O triceratops, o primeiro com chifres, foi descoberto pelo americano Othniel Marsh.

1905 – O tiranossauro, um dos maiores predadores do planeta, foi descrito pelo paleontólogo americano Henry Osborn.

1924 – Osborn foi também o explorador que achou o velociraptor, um dos mais ferozes predadores.

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