Pio 12 se omitiu diante do Holocausto?
A Igreja quer torná-lo santo. Mas ele é acusado de conivência com Hitler no massacre dos judeus
Textos Eduardo Szklarz
Por que ele não veio a público condenar a perseguição nazista aos judeus? Essa é a pergunta que está tumultuando o processo de beatificação de Eugenio Pacelli, mais conhecido como Pio 12. Muitos o acusam de ter se calado ante os horrores do nazismo quando era papa, durante a 2ª Guerra Mundial. O Vaticano, porém, assegura que Pacelli atuou nos bastidores para salvar o maior número possível de vítimas do Holocausto.
Fato irrefutável: Pio 12 foi o arquiteto, em 1933, de um pacto entre a Santa Sé e a Alemanha nazista. Àquela altura, ele era um diplomata do Vaticano com indisfarçável ambição de se tornar papa, enquanto Adolf Hitler começava a erguer um regime totalitário. Pelo acordo, todos os alemães ficaram sujeitos às leis canônicas. Isso garantia maior autoridade ao papa, cargo que o próprio Pacelli assumiria em 1939. Em troca, a Santa Sé aceitou o fim do Partido do Centro Católico, última instituição democrática que havia restado na Alemanha.
Isso não significa que o papa simpatizasse com o Führer. Na verdade, Pio 12 condenava o racismo nazista e achava que o 3º Reich representava uma ameaça à fé católica. “Mas o medo dos comunistas era maior”, afirma o historiador americano Michael Phayer, autor do livro Pius XII, the Holocaust and the Cold War (“Pio 12, o Holocausto e a Guerra Fria”, inédito no Brasil). E foi assim, temendo mais o comunismo que o nazismo, que a Igreja acabou apoiando também os ditadores Francisco Franco (na Espanha) e Benito Mussolini (na Itália).
Não dá para afirmar que Pio 12 tenha se calado diante do Holocausto. Mas foram poucas – e bem tímidas – as vezes em que ele se manifestou. Quando o fez, jamais pronunciou as palavras “nazista” e “judeu”. Na homilia de 1942, por exemplo, o papa aludiu apenas a “centenas de milhares de pessoas que, sem qualquer culpa pessoal, às vezes por motivo de nacionalidade ou raça, estão marcadas para a morte ou a extinção gradativa”.
Mas há quem defenda Pio 12. Inclusive judeus! Um deles é o rabino americano David Dalin, autor de The Myth of Hitler´s Pope (“O Mito do Papa de Hitler”, sem tradução para o português). Para Dalin, a postura do sumo pontífice foi a mais correta e prudente diante das circunstâncias. “Uma condenação pública mais forte teria provocado represálias nazistas contra o clero e colocaria em risco milhares de judeus escondidos em conventos da Itália”.
Segundo o rabino, Pio 12 pediu que as igrejas italianas abrigassem judeus quando as tropas alemãs ocuparam Roma, em 1943. O papa teria evitado, assim, que milhares fossem deportados para campos de concentração. “Não se pode confundir silêncio com omissão”, diz Dalin. “Em Roma, 155 conventos e mosteiros abrigaram cerca de 5 mil judeus durante a ocupação. E 3 mil se refugiaram em Castel Gandolfo, a casa de verão de Pio 12”.
O diplomata israelense Pinchas Lapide também acha que um posicionamento mais veemente teria sido pior. E lembra o que aconteceu na Holanda durante a 2ª Guerra. Eram holandeses alguns dos bispos que mais resistiram aos nazistas na Europa. Em cada igreja, eles leram uma carta denunciando o Holocausto. “O resultado foi que 110 mil judeus estabelecidos no país, ou 79% do total, foram deportados para campos de extermínio”.