Por que não há armas nucleares na Lua? Conheça o Tratado do Espaço Sideral
Acordo assinado há 55 anos impôs fins pacíficos à corrida espacial de americanos e soviéticos. E impediu que países ricos fossem donos de planetas.
Se Marte não será, como a Terra, território de perigosas disputas geopolíticas, como acontece agora na Ucrânia, devemos isso a um acordo internacional fechado no dia 27 de janeiro de 1967: o Tratado do Espaço Sideral.
Esse pacto baniu a instalação de armas de destruição em massa para além do nosso próprio planeta e estabeleceu que o espaço é terra de ninguém, e é de todo mundo. Nenhum país pode ser dono de partes da Lua ou de Vênus, por exemplo, e todas as nações têm direito de explorar o espaço cientificamente. Além disso, o tratado, assinado na época por 110 países, proibiu quaisquer exercícios militares em corpos celestiais – tudo que não tivesse fins explicitamente pacíficos.
O acordo ainda diz que a exploração espacial deve ser guiada por princípios de cooperação e assistência mútua – astronautas são obrigados a providenciar ajuda a seus pares de outros países, em caso de necessidade. Diretrizes como esta possibilitam, hoje, que a Roscosmos, da Rússia, e a Nasa, dos Estados Unidos, agências de nações rivais na geopolítica, trabalhem em parceria na Estação Espacial Internacional – o laboratório que opera na órbita da Terra, a uma altitude de 400 quilômetros daqui.
Mas o objetivo principal do Tratado do Espaço Sideral não era aproximar cientistas de superpotências para entender melhor o que há no infinito e além. Ele nasceu mesmo foi por causa dos terrores despertados pela Guerra Fria. E não era só paranoia.
A crise do Sputnik
Na segunda metade dos anos 1950, bem antes da assinatura do acordo, os EUA e seus aliados ocidentais já propunham, no âmbito das Nações Unidas, uma combinação multilateral que preservasse o espaço exclusivamente “para propostas pacíficas e científicas”. Mas por que justamente os americanos, então com fama recente de vitoriosos em duas Grandes Guerras, se preocupariam tanto na época com a “paz universal”? A resposta estava em Moscou.
Os soviéticos assombraram o Ocidente quando, em 1957, foram os primeiros a mandar, com sucesso, um satélite artificial para a órbita do nosso planeta: o Sputnik.
Ter um fruto da ciência do Homo Sapiens flutuando acima da gravidade terrestre, abrindo caminhos para a experiência humana através do cosmos, deveria ser motivo de celebração. Mas não é bem assim que as coisas funcionam aqui embaixo.
Naqueles tempos de pós-guerra, os soviéticos tinham o Sputnik como uma afirmação diante do mundo do quanto sua capacidade tecnológica seria capaz – e de que isso poderia, sim, ter implicações militares.
Mas nem eles imaginavam a repercussão estrondosa que o lançamento teria nos EUA.
Desde Pearl Harbour, nenhum acontecimento havia tido tanto impacto sobre a mente dos americanos. A ideia fixa na cabeça de muita gente era: “se os soviéticos conseguiram colocar um satélite em órbita, eles podem colocar outros com más intenções, seja para nos espionar, seja para lançar armas atômicas do alto”.
Para se ter uma ideia, somente em outubro de 1957, mês do lançamento do Sputnik, o New York Times dedicou 279 artigos a questões relacionadas ao satélite. A mídia mais sensacionalista, então, não se restringia a reproduzir as preocupações da opinião pública: também forçava a barra para gerar histeria – e assim, claro, vender mais jornal.
John Kennedy, que se tornaria presidente dos EUA em janeiro de 1961, quando os russos já haviam mandado três cachorros para o espaço (dos quais dois retornaram à Terra com segurança), declarou: “Se os soviéticos controlarem o espaço, eles podem controlar a Terra, assim como em séculos passados a nação que controlava os mares dominava os continentes”. A “crise do Sputnik”, na prática, foi o verdadeiro início do que conheceríamos como corrida espacial. Foi o que, 12 anos depois, acabaria por colocar astronautas caminhando em solo lunar (a maior resposta americana às seguidas conquistas dos soviéticos nessa disputa) e que, ainda na época, gerou as preocupações que seriam os alicerces do Tratado do Espaço Sideral.
Um empate bom para todo mundo
De início, os soviéticos rejeitaram o tratado. Afinal, se alguém teria chance de dominar o espaço na época e ameaçar seus rivais, as evidências apontavam para eles. No mesmo período em que o Sputnik ganhava as manchetes do mundo, a URSS também lançou o primeiro míssil balístico intercontinental da história, com alcance de 8 mil quilômetros: o R-7. Não parecia interessante aceitar novas regras num jogo em que estavam ganhando.
Mas, em uma década, as coisas mudaram. Um ano após o lançamento do “satélite comunista”, os EUA criaram a Nasa, deram à conquista do espaço uma prioridade que ainda não existia e colocaram uma pulga, bem grande, atrás da orelha dos soviéticos.
A concorrência foi forte. Menos de um mês após o voo histórico de Yuri Gagarin, o Projeto Mercury já colocava o primeiro americano no espaço: o astronauta Alan Shepard. E, em maio de 1961, o presidente John Kennedy pediu apoio ao Congresso para o que viria a ser um projeto ainda mais ousado, o Apollo, enfatizando a importância do programa para a segurança nacional diante dos avanços soviéticos. Deu certo: em setembro de 1962, diante de uma multidão no estádio da Universidade Rice, no Texas, Kennedy fez um discurso que entraria para a história por uma frase marcante: “Nós escolhemos ir para a Lua”. O resultado, o mundo todo veria pela TV em 1969.
Ou seja, dez anos após o Sputnik, a União Soviética já tinha motivos suficientes para temer o que seus rivais na Guerra Fria poderiam aprontar no espaço. Seguindo a mesma lógica que evitou até hoje um conflito nuclear (quem atirar primeiro também terá seu país transformado em vapor e cinzas), os soviéticos finalmente toparam a ideia de um acordo que proibisse desenvolvimentos bélicos fora do nosso planeta.
E assim, em 27 de janeiro de 1967, o Tratado do Espaço Sideral foi aberto para assinaturas em Moscou, Washington e Londres. E o sistema solar foi poupado de um Star Wars da vida real.