Stranger Things: a Eleven da vida real era russa
Ninel Kulagina ficou famosa por vídeos em que movia objetos "com a mente" – e foi examinada por mais de 30 cientistas.
Super-humanos capazes de usar a mente para se comunicar, mover objetos e controlar pessoas estão por todos os lados na ficção (alô, X-Men). Em Stranger Things, temos a Eleven.
A personagem, interpretada pela atriz Millie Bobby Brown, é capaz de levitar objetos, empurrar pessoas e até fechar portais usando seus poderes (não sem antes ter sido cobaia de cientistas). E veja só: ela tem um paralelo no mundo real.
Cinquenta anos antes de Eleven tomar conta da cultura pop, apareceu para o mundo Ninel Kulagina – uma paranormal que alegava mover objetos com a mente, e que por conta disso passou anos de sua vida sob a análise de pesquisadores soviéticos.
Um rápido contexto: na Guerra Fria, Estados Unidos e União Soviética investiram em pesquisas sobre a paranormalidade, na esperança de encontrar vantagens que pudessem ser exploradas de uma perspectiva militar.
A telepatia, chamada em pseudocientifiquês de “comunicação biológica”, também era um tema estudado, principalmente pelo Instituto de Pesquisa Cerebral na Universidade de Leningrado. Motivo: os soviéticos queriam descobrir uma forma de entrar em contato com submarinos sem precisar de tecnologia. Já a telecinese, a capacidade de mover objetos com a mente, poderia ser usada para desviar ou sabotar mísseis teleguiados, imaginavam os russos.
Foi nesse cenário que, nos anos 1960, cientistas da URSS descobriram Ninel Kulagina. Nascida em Leningrado (hoje São Petersburgo), em 1926, ela foi técnica de rádio na 2ª Guerra Mundial até ser ferida no estômago e virar dona de casa. Tinha 33 anos quando entrou em contato com estudiosos da paranormalidade pela primeira vez.
Ninel (que ficou conhecida no Ocidente como Nina) dizia que, desde que se conhecia por gente, objetos se moviam ao seu redor quando ficava brava. Depois, teria aprendido a controlar seus “poderes” com meditação e concentração – mas, segundo ela, as habilidades vinham com um custo físico e causavam fortes dores na coluna a cada vez que fazia uma bolinha rodar, por exemplo.
Entre os anos 1960 e 1980, Nina foi avaliada por mais de 30 cientistas soviéticos. O biólogo e parapsicólogo Edward Naumov filmou seu desempenho várias vezes e espalhou os vídeos pelo mundo. A história passou a ser acompanhada pela imprensa americana.
Em 1978, o jornal americano The Pittsburgh Press publicou relatos de que, além de telecinese, Nina conseguia enxergar objetos guardados nos bolsos das pessoas. O cientista russo Fenady Sergeyev contou ao jornal que Nina foi a um laboratório onde um sapo acabara de ter o coração removido. Fora do corpo do anfíbio, o coração estava sendo acompanhado por sensores de um cardiograma. Em geral, o coração do animal leva 4 horas nessas condições até parar de bater. Segundo Sergeyev, Nina foi capaz de fazer o órgão bater mais rápido, mais devagar e depois parar por completo em questão de minutos.
Depois de se tornar uma celebridade nacional, Kulagina passou a ser criticada por céticos, como o canadense James Randi, que ficou famoso por desmascarar charlatães. Nenhum dos testes com Nina tinha sido feito em condições controladas, e suas demonstrações mais poderosas (além do sapo, ela teria separado a gema e a clara de um ovo a dois metros de distância) não chegaram a ser filmadas.
Para Randi, truques bem feitos poderiam enganar até mesmo cientistas, e os vídeos – que mostram bússolas girando, pequenas caixas sendo movidas e um fósforo flutuando para fora de uma pilha dentro de uma caixa de vidro – poderiam ser forjados com imãs nas mãos e pequenos fios de nylon.
Por críticas desse tipo, Kulagina chegou a processar uma revista russa por calúnia em 1987. Cientistas como Naumov foram testemunhas a seu favor, e ela saiu vencedora.
Mesmo assim, a maioria dos críticos nunca engoliu os supostos poderes de Nina, e acusaram o governo soviético de ser conivente com a farsa para assustar os americanos – que temeriam o fato de a URSS ter uma “arma secreta sobrenatural”. Apesar de suas alegadas habilidades sobre o batimento de corações, a russa morreu de um infarto fulminante, em 1990, com 64 anos. Nessa época, ela dizia não ter mais suas habilidades.