Tragédias de tradução
A TV a cabo gerou uma enorme demanda por tradutores, que nem sempre são qualificados.
Leandro Narloch
Que tal sentar com os amigos num bar, erguer o copo de cerveja e propor uma torrada? Estranho? Segundo o poeta e tradutor Ivo Barroso, confusões como essa, causadas por erros de tradução em livros, filmes e seriados, são cada vez mais comuns. “A TV a cabo gerou uma enorme demanda por tradutores, que nem sempre são qualificados”, diz ele. A Super consultou 30 especialistas na área para saber alguns dos piores tropeços na arte de traduzir. Aí vão eles:
Moça! Moça!
Nick Marshall (Mel Gibson), protagonista de Do Que as Mulheres Gostam, assiste a um jogo de basquete pela TV. Um dos jogadores se prepara para arremessar a bola e as palavras de Nick aparecem na legenda: – Moça, moça, moça! Moça? Na verdade, ele torcia: “Erra, erra, erra” (miss, miss, miss). Quem acabou errando foi o sujeito que fez a legenda para a versão brasileira.
Torrada!
Let’s make a toast significa “vamos fazer um brinde”, mas, segundo a tradutora Raquel Elimar, em muitas legendas está como “vamos fazer uma torrada”. Toast é uma das tantas palavras inglesas com dois significados. Outro erro comum envolve o verbo inglês pretend (fingir), que quase sempre vira “pretender”. O livro The Physician (“o médico”) foi traduzido para O Físico (na verdade, “físico” é physicist).
Motorista de disco
O tradutor Flávio Steffen lembra que “motorista de disco” entrou no lugar de “unidade de disco” na tradução de disk drive, em um dos primeiros livros de informática do Brasil. Motorista, em inglês, é driver.
Arenque vermelho
Red herring é uma expressão com o sentido de pista falsa, disfarce, mas pouca gente sabe disso. Ela é sempre traduzida literalmente para arenque vermelho. Como em “o cálcio do leite é, de fato, um arenque vermelho”, em tradução virtual do livro Fit for Life, Heads & Tails, Diet for a New America.
Dinheiro na jogada
Há mal-entendidos que podem causar prejuízos astronômicos. Um deles, segundo o tradutor Francis Aubert, aconteceu com uma empresa brasileira que tentou comprar uma enorme carga chinesa de feijão preto. Só quando o navio chegou ao Brasil os empresários perceberam que o que haviam comprado era um tipo de soja. Como a negociação foi feita em inglês – língua estrangeira para os dois lados –, as empresas se confundiram com a palavra bean, que quer dizer tanto “feijão” quanto “grão”.
O General Will
O pior de todos os “desacertos” já cometidos em uma tradução para o português brasileiro é tido como mito para a maioria dos tradutores. Mas ele está lá, no livro A Teoria Política do Individualismo Possessivo: de Hobbes até Locke. A expressão inglesa the general will, em vez de significar “a vontade geral”, virou “o general Will”. Resultado? Quem decidia as coisas em algumas passagens da obra não era a vontade geral, mas o general Will. Tudo bem: o livro foi editado em 1979, tempo de ditadura militar…