Um mito no Brasil
Embora Lévi-Strauss inicie o livro com um contundente ¿odeio as viagens e os exploradores¿, Tristes Trópicos fala de viagens e da arte de viajar.
Antônio Madalena
Índios na periferia de São Paulo nos anos 30! É a esse mote, do diretor da Escola Normal Superior da França, que devemos a vinda de Lévi-Strauss para o Brasil, entre os anos 35 e 38, integrando o grupo de professores franceses que ajudam a criar a USP. Se o período é breve, as experiências são intensas e serão necessários mais 15 anos para que ele redija Tristes Trópicos, que se tornaria um clássico das ciências humanas e da prosa do século XX.
Embora Lévi-Strauss inicie o livro com um contundente “odeio as viagens e os exploradores”, Tristes Trópicos fala de viagens e da arte de viajar. Colocando em prática a vocação de antropólogo, suas descrições detalhadas e inusitadas revelam a São Paulo da época, os hábitos de sua burguesia e as aspirações intelectuais dos jovens, no cenário do Anhangabaú, na avenida Paulista e demais ruas e bairros da cidade de então.
Mas sobretudo – e porque sabia que a visão do diretor francês não correspondia aos fatos –, Tristes Trópicos é a narrativa do autor pelo interior de um Brasil quase inacessível em busca dos índios cadivéus, bororos e nhambiquaras. Depois desse encontro as coisas nunca mais foram as mesmas: Lévi-Strauss se tornou um ícone da antropologia, as sociedades indígenas passaram a ser vistas em sua complexidade específica, sem serem reduzidas a graus inferiores numa escala evolucionista, e os mitos, que desde os gregos estavam em baixa, voltaram a ganhar o prestígio de formas elaboradas de pensamento.