O francês Hercules Florence subiu nas tamancas como um bom brasileiro quando soube, em 1839, que Louis Daguerre (1787-1851) havia patenteado um processo de reprodução de imagens por meio da luz. “Comparem os leitores as datas e decidam se o mundo deve a descoberta da fotografia à Europa ou ao Brasil”, declarou, ufanista. Radicado no Brasil havia quinze anos, Florence já vinha estudando diferentes métodos de impressão pela luz solar desde 1832. Mas desistiu de tudo ao saber que Daguerre tinha conseguido melhores resultados que o seu.
Desde 1831 Florence tentava descobrir um método para reproduzir documentos escritos. Para imprimir seu libreto Zoophonie – uma descrição dos sons dos bichos das matas brasileiras –, criou a poligrafia, um avô do mimeógrafo. Depois, imaginou que poderia fixar imagens na superfície de um papel embebido em nitrato de prata, colocado numa câmara escura. Quando a luz refletida pelo objeto fotografado entrava por um orifício da caixa, seu contorno surgia sobre o material.
Em 1833 Florence relatou sua descoberta, à qual batizou de photographie. “Foi o primeiro no mundo a usar esse termo”, disse à SUPER o historiador Boris Kossoy, da Universidade de São Paulo. O nitrato de prata tinha um inconveniente: ele ficava cada vez mais esbranquiçado e acabava estragando a foto. Mas o francês era criativo. Sabendo que a amônia reagia com o nitrato, impedindo que ele clareasse muito, Florence mergulhou suas imagens em urina – líquido rico em amônia. E deu certo. “Fiz isso um pouco por acaso”, relatou em seu diário. Descobriu um processo de fixação da imagem.
Dois tipos de foto
Os métodos desenvolvidos pelo artista usavam papel e vidro.
A câmara escura era uma caixa preta com lentes na abertura. Forrando seu interior com papel embebido em nitrato de prata, Florence obteve suas primeiras fotos. Talvez as primeiras da história.
Para reproduzir fotograficamente uma imagem, o inventor desenhava sobre uma placa de vidro, que era colocada sobre papel fotossensível e exposta à luz. O resultado era um negativo.
Um artista na selva
Aos 16 anos, os míseros francos que ganhava fazendo desenhos na cidadezinha de Vintimille, na França, desanimaram o jovem Antoine Hercules Florence. Ele queria era rodar o mundo. Em 1824, convenceu a mãe a deixá-lo partir para o Rio de Janeiro. No ano seguinte, foi convidado pelo cônsul da Rússia, Georg von Langsdorff, a participar como desenhista de uma expedição científica ao interior do Brasil. O grupo partiu em 1825 e, em quatro anos, cruzou 13 000 quilômetros entre São Paulo, Mato Grosso e o Grão-Pará. Foi um desastre. No caminho, o desenhista Aimée Taunay morreu. O próprio líder da expedição enlouqueceu. Os diários de Florence foram os registros da aventura. Dos sobreviventes, foi o único que ficou no Brasil. Mudou-se do Rio para Campinas, onde morreu, em 1879.