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Baleias : sangue no mar

Nos mares inóspitos e furiosos da Antártida,caçadores e ambientalistas se enfrentam com violência numa guerra pelas baleias.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h06 - Publicado em 31 jan 2006, 22h00

Texto Denis Russo Burgierman

Estamos em 2006. Toda a Terra foi ocupada pelos seres humanos. Toda? Não! Tem um continente que ainda resiste. A Antártida até é habitada por algumas centenas de pessoas, a maioria delas cientistas vivendo em bases climatizadas. Mas, por milênios, o continente branco não foi lugar de gente e ficou bem afastado dos dramas e dos conflitos da humanidade.

Pois aqueles mares desacostumados à presença do homem viram uma novidade no começo de 2006: um confronto violento entre humanos. De um lado, 6 navios japoneses faziam aquilo que fazem todo ano: matavam baleias. Do outro, 3 navios de organizações ambientalistas (dois do Greenpeace, um da Sea Shepherd) tentavam atrapalhar os japoneses. O nível de tensão chegou tão alto que houve até duas colisões entre barcos rivais – o que, naqueles mares tão distantes e inóspitos, fez muita gente temer uma tragédia. Ninguém se machucou, o conflito já esfriou, mas talvez ele seja só o primeiro. Será que chegou a hora de a avassaladora presença humana finalmente conquistar o último continente realmente selvagem do mundo?

Por que a briga?

Em 1987, a Comissão Baleeira Internacional (CBI) – que reúne países do mundo inteiro – decidiu declarar uma moratória internacional por tempo indeterminado para a caça de baleias. Em outras palavras: todos concordavam que não matariam mais baleia nenhuma em parte alguma do mundo até que se decidisse o contrário. Só que a moratória tinha uma brecha. Em nome do desenvolvimento da ciência, continuou permitido matar baleias para pesquisas.

Naquele mesmo ano, o Japão, tradicional consumidor de carne de baleia, criou o Jarpa, sigla inglesa para Programa Japonês de Pesquisa Baleeira sob Permissão Especial na Antártida. Em linhas gerais, o Jarpa funcionava assim: todo ano, no verão antártico, navios japoneses matavam 440 baleias minke para estudar o interior de seus ouvidos, estômagos e intestinos. Como as baleias já estavam mortas mesmo, os japoneses picotavam seus corpos, enlatavam, congelavam e vendiam a carne para restaurantes e supermercados.

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Isso gerou uma gritaria no mundo todo. Ambientalistas e governos contrários à caça de baleias (como o do Brasil), saíram dizendo que o tal “programa de pesquisa” não passava de caça comercial disfarçada. Que os japoneses estavam desrespeitando a moratória da CBI. Por 8 vezes, o Greenpeace, uma das maiores organizações ambientalistas do mundo, mandou embarcações para encontrar os baleeiros japoneses na Antártida. Os ativistas do Greenpeace várias vezes se colocaram na linha de tiro dos arpões, para tentar impedir que as baleias fossem atingidas. Uma vez, um deles se agarrou a uma baleia morta, tentando evitar que ela fosse içada a bordo. Os japoneses tradicionalmente reagem disparando fortes jatos d’água nos ativistas. Mas nunca houve um ataque violento do Greenpeace aos baleeiros, inclusive porque isso contrariaria a filosofia da organização – declaradamente pacifista, inspirada nas idéias de não-agressão de Mahatma Gandhi.

No final de 2002, uma outra organização resolveu enviar também um barco à Antártida – e a Super foi uma das duas revistas do mundo a acompanhar a expedição. A Sea Shepherd é uma espécie de dissidência do Greenpeace. Ela foi criada pelo capitão canadense Paul Watson, um dos fundadores do Greenpeace, justamente porque ele discorda desses tais princípios pacifistas. Não que Watson queira machucar pessoas. Mas ele acha que destruir uma arma não é uma agressão – é, no limite, um ato de paz. Watson foi expulso da diretoria do Greenpeace por torcer o braço de um caçador de focas e jogar no mar o bastão que ele usava para matar os animais. Para o Greenpeace isso configura agressão e destruição de propriedade, algo inaceitável. A Sea Shepherd se orgulha de já ter afundado 8 navios baleeiros, quase todos sabotados no porto. Mas, na sua primeira ida à Antártida, Watson e seus ativistas voltaram de mãos vazias. Não encontraram os japoneses na imensidão do oceano Austral.

Em 2005, os japoneses resolveram encerrar o Jarpa. No seu lugar, criaram o Jarpa 2, que é basicamente a mesma coisa, com uma diferença: em vez de matar 440 baleias minke, agora seriam 935 minkes e 10 baleias fin, estas últimas ameaçadas de extinção. Muita gente no mundo todo protestou, mas nada de concreto podia ser feito pelas vias legais. Segundo as regras da CBI, cada país tem o direito de fazer o que quiser com seu “programa de pesquisa”.

No dia 20 de novembro, dois navios do Greenpeace, o Artic Sunrise e o Esperanza, partiram do porto da Cidade do Cabo, na África do Sul, para os confins da Antártida, carregando uma tripulação profissional e bem treinada. Vinte e cinco dias depois, Paul Watson, seu navio Farley Mowat e um grupo de jovens voluntários partiram de Hobart, na ilha australiana da Tasmânia, rumo ao sul. Pela primeira vez, as duas organizações rivais iam juntas à última fronteira da humanidade.

Batalha no mar

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No dia 20 de dezembro, a tripulação do Esperanza avistou um barco, coisa rara naqueles mares quase desertos. Era um dos japoneses. A frota baleeira é composta de 6 navios. Um deles é o spotter (“vigia”) – foi esse o primeiro avistado pelo Greenpeace –, um barco rápido e pequeno cuja função é seguir na frente do resto do grupo, encontrar baleias e avisar os catchers (“pegadores”). Os catchers, que são 3, são os baleeiros propriamente ditos. São eles que disparam os arpões com uma granada na ponta (para matar mais rápido). Depois que a baleia morre, ela é transferida para o navio-fábrica, um gigante com mais de 100 tripulantes que tem uma verdadeira fábrica no seu interior. A baleia entra inteira lá e já sai cortada em pedaços, encaixotada e congelada. O sexto barco é o de apoio – ele traz suprimentos e leva carne de baleia embora.

Os ativistas do Greenpeace, com a ajuda de um helicóptero, logo avistaram o navio-fábrica, se aproximaram e ordenaram por rádio que ele saísse da Antártida. Caso contrário eles começariam a “ação direta não violenta”. É claro que os japoneses não foram embora. Aí os ativistas começaram a colocar em prática a estratégia do Greenpeace: pilotar botes a motor entre os arpões e as baleias para evitar os disparos, estacionar o Artic Sunrise colado ao navio-fábrica e assim impedir que os catchers se aproximassem e transferissem a carga, pintar faixas, cartazes e tirar muitas fotos de tudo isso. Enfim, infernizar, por dias a fio, a vida dos baleeiros e divulgar ao resto do mundo.

No dia 24 de dezembro, véspera de Natal, foi a vez de o pessoal da Sea Shepherd chegar ao lugar onde Greenpeace e baleeiros já se enfrentavam. O primeiro ato de Watson foi ordenar que duas bóias, amarradas por uma corda na qual estavam presos vários pedaços de cabo de aço, fossem colocadas na água, à frente do navio-fábrica. A idéia era que ele passasse entre as bóias de maneira que o cabo de aço enroscasse na hélice, quebrando-a. Não deu certo dessa vez, mas, alguns dias depois, uma outra tentativa pode ter resultado em dano ao baleeiro. A intervenção mais violenta da Sea Shepherd se deu no dia 8 de janeiro. Watson instalou no casco do Farley Mowat uma peça pontiaguda, que ele chama de “abridor de latas”, e forçou uma batida, lateral com lateral, no barco de apoio japonês. A idéia era abrir um buraco no casco. “Não abriu porque deve ter pego na estrutura. Mas amassou bastante”, disse por telefone via satélite o brasileiro Gunter Filho, tripulante do Farley Mowat.

Da Sea Shepherd se esperava mesmo uma ação agressiva dessas. Surpresa foi que, no mesmo dia, o Artic Sunrise, do pacifista Greenpeace, também se envolveu numa batida violenta contra o navio-fábrica japonês. Os ativistas e os baleeiros trocaram acusações sobre quem foi o culpado pela trombada. Os ânimos estavam exaltados. Boatos – nunca confirmados – de que o Japão iria enviar um navio de guerra começaram a circular.

Dias depois, os barcos dos ambientalistas iniciaram a longa viagem para fora do círculo polar. Os baleeiros tiveram suas atividades comprometidas em duas semanas de perseguição sem trégua. “Acho que eles terão sérias dificuldades de atingir a quota de 935 minkes”, disse Watson à Super, também por telefone via satélite. O Greenpeace costuma fazer algum segredo sobre seus planos para o futuro, mas a Sea Shepherd já avisou que quer voltar no ano que vem, com um barco mais rápido.

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Uma a uma

Em 800 anos de caçaàs baleias, o homemquase riscou do mapavárias espécies

Baleia-franca – 2 mil (eram 100 mil no passado)

Por viajar perto da costa e não afundar quando morre, era a mais caçada desde a Idade Média. A caça ficou cada vez mais difícil até ser proibida em 1946.

Cachalote – 700 mil (era 1,5 milhão)

Seu cabeção está cheio de um óleo excelente. Com a industrialização e a necessidade de lubrificar máquinas, a cachalote virou a bola da vez.

Baleia-azul – 12 mil (eram 200 mil)

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O maior ser vivo que já existiu não era caçado porque seu corpo de 190 toneladas afunda ao morrer. Em 1860, inventaram um arpão que injeta ar. Foi quase o fim dela.

Jubarte – 30 mil (eram 100 mil)

Famosa pelo belo e complexo canto, que indica grande inteligência, a jubarte também afunda ao morrer e só começou a ser caçada no século 19.

Baleia sei – 30 mil (eram 250 mil)

Foi muito caçada na Antártida nos anos 60. O Japão tem um outro “programa de pesquisa” no Atlântico Norte que inclui a morte de 100 baleias sei por ano.

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Baleia fin – 100 mil (eram 500 mil)

Superada em tamanho apenas pela azul, a fin foi muito caçada em todo o século 20. Em 2005 o Japão incluiu 10 delas no seu programa antártico.

Baleia-de-bryde – 90 mil (eram 100 mil)

Como é uma baleia tropical, tem pouco óleo (uma proteção contra o frio). Por isso, só começou a ser mais caçada em 1970, quando as mais gordas estavam acabando.

Baleia minke – 1 milhão (desconhecida)

Os caçadores nunca deram bola para ela, pelo tamanho pequeno. Por isso, é a mais abundante. Os japoneses dizem que é possível caçá-la de modo sustentável.

Foto Greenpeace/Jeremy Sutton-Hibbert

* Todos os números são estimativas.

Para saber mais

Piratas no Fim do Mundo – Denis Russo Burgierman, Superinteressante, 2003 (à venda apenas em https://www.superinteressante.com.br)

Ocean Warrior – Paul Watson, Key Porter Books, Canadá, 1994

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