Cânions: na flor da idade
Áridos ou verdes, os cânions são bem mais jovens do que suas rugas sugerem. Mas, cada vez que um deles nasce, revela-se um pouco da história da pele do planeta.
Flavia Natércia
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Jeito de velhinho eles têm. Com suas fendas e vincos, os cânions parecem ostentar todos os sinais da idade avançada. Só que a Geologia anda na contramão da Biologia: quanto mais idosa a paisagem, mais lisinha a sua cara – e, quanto mais jovem, mais evidentes as suas rugas. A melhor amostra desse paradoxo é também um dos cenários mais espetaculares da Terra, com 445 quilômetros de extensão e gargantas de até 1 500 metros. Localizado no Estado americano do Arizona, o Grand Canyon é um rapagão de apenas 13 milhões de anos – uma ninharia, se levarmos em conta que a Terra anda lá pelos 4,6 bilhões de anos. Quando ele nasceu, os dinossauros já haviam desaparecido fazia 52 milhões de anos.
A autora dessas esculturas gigantescas é a água. Cânions são o resultado da ação erosiva dos rios sobre as rochas. Eles existem em todos os continentes, mas vingam melhor mesmo é em lugares secos, com solos de arenito, calcário ou xisto – rochas que se dissolvem facilmente. Entretanto, não basta haver um rio para existir um cânion. “São necessários também grandes desníveis em seu percurso e uma geologia favorável”, explicou à SUPER o geólogo Ivo Karmann, da Universidade de São Paulo. O maior empurrão é dado pelo tectonismo, ou o choque entre as placas sobre as quais repousam os continentes. Ao elevar vastas porções da superfície terrestre, ele dá aos rios formidáveis tobogãs – e a enxurrada desce arrastando tudo que encontra pela frente.
Marcas de um planeta inquieto
Junto com os vulcões e os terremotos, os cânions são testemunhos de que a crosta do planeta não pára de se modificar. À medida que a água escava a rocha, vai desnudando suas camadas e ajudando a vislumbrar parte da história da Terra. No caso do Grand Canyon, são vinte camadas diferentes. As mais recentes datam de 250 milhões de anos e a mais antiga tem aproximadamente 2 bilhões de anos – a mesma idade das rochas brasileiras esculpidas nas chapadas dos Veadeiros e Diamantina (veja na página 66).
É nisso que os cânions diferem dos vales comuns – que não têm os rochedos íngremes nem a aparência sofrida. Muitos vales começam como cânions e todos os cânions podem terminar como vales. Afinal, a erosão não cessa. E, enquanto as placas que arrastam os continentes estiverem em movimento, os terrenos podem voltar a se erguer, fazendo brotar novos cânions.
Nossos cânions são mais verdes
Os cânions não têm todos a mesma cara. “Sua aparência depende das rochas, do clima e da vegetação”, disse à SUPER a geóloga Diane Brittle, do United States Geological Survey. “Além disso, outros fatores erosivos, como o gelo e os tremores de terra, podem alterar as feições.” É a variedade de elementos que explica por que os exemplares nacionais diferem tanto dos seus áridos colegas americanos.
Primeiro, eles são quase que inteiramente formados por rochas antiqüíssimas, de 2 bilhões de anos, que, por serem de origem vulcânica, não se desgastam tanto com a água. Depois, o clima úmido propicia uma vegetação abundante. “As plantas seguram o solo, até na caatinga”, explicou à SUPER o geólogo Jobi Jesus Batista, da Universidade Estadual de Campinas. “Isso deixa os cânions brasileiros suaves.” Eles perdem em tons de vermelho, rosa e laranja, típicos das jovens fendas do norte, mas ganham em verde. Como convém a uma paisagem tropical.
Água mole em pedra dura
Como os rios escavam os cânions.
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1. Ao correr, os rios carregam partículas das margens. Quanto maiores o desnível no seu percurso e a maciez do solo, mais sedimentos a água levará embora.
2. Se o terreno desde a nascente até um determinado ponto do curso é subitamente elevado por um movimento da crosta, o rio ganha velocidade.
3. A força e a turbulência da corrente escavam o leito no sentido vertical, carregando todo tipo de material que estiver no caminho. Formam-se gargantas profundas – os cânions.