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Maluquice ou visão: será que Elon Musk vai mesmo mudar o futuro?

Elon Musk quer colonizar Marte e tornar a energia renovável o padrão em eletricidade. 2017 foi um grande ano para suas empresas - mas o que será do amanhã?

Por Mariana Fonseca, da Exame.com
5 jan 2018, 12h56

“Você acha que eu sou maluco?”

Essas são as palavras que o jornalista de negócios Ashlee Vance ouviu de seu entrevistado em um restaurante de frutos do mar no Vale do Silício – a meca das startups. Por trás da pergunta (e de um prato com lagosta frita embebida em tinta de lula) estava ninguém menos que Elon Musk.

Aos 46 anos de idade, o sul-africano ocupa o posto 21ª pessoa mais rica dos Estados Unidos, segundo a Forbes. Seus companheiros de lista são o megainvestidor George Soros (uma posição acima) e o cofundador da Microsoft Paul Allen (uma posição abaixo).

Em uma escala de um a dez, Musk recebe nota oito no self-made score, que descreve o quanto o empreendedor ergueu-se por si só. Hoje, o valor líquido de suas propriedades está em 20,8 bilhões de dólares – na cotação atual, algo em torno de 68,4 bilhões de reais. É mais do que valem operações brasileiras como Carrefour, BB Seguridade e a própria bolsa de valores brasileira, a B3.

A indagação de Musk a Vance é procedente: quem lê as notícias sobre o bilionário na imprensa ou conversa com quem o conhece provavelmente ouviu títulos como “excêntrico” e “visionário” associados ao seu nome – e já teve dúvidas sobre a real viabilidade de suas grandes promessas sobre nosso mundo e o universo que nos rodeia.

Seus sonhos envolvem transformar os homens em colonizadores do planeta Marte e tornar a energia renovável o padrão em geração de eletricidade. Ao mesmo tempo, seus pesadelos envolvem o avanço de robôs com inteligência artificial suficiente para extinguir nossa espécie e a crença de que somos apenas personagens em um grande videogame.

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Suas aspirações se materializaram, até agora, em empresas como Solar City, SpaceX e Tesla. Todas sobrevivem de maneira parecida: grandes expectativas elevam o valuation dos negócios a níveis quase tão estratosféricos quanto os atingidos por seus foguetes “econômicos”, enquanto acidentes no meio do caminho trazem a impressão de que tamanhas promessas podem se desmanchar durante a decolagem.

O resultado do encontro entre Musk e Vance seria a mais completa biografia sobre o empreendedor: o livro “Elon Musk – Como o CEO bilionário da SpaceX e da Tesla está moldando o nosso futuro”.

Musk conseguiu moldar o ano que acabou de passar, ao menos em expectativas – mas continuam as dúvidas sobre se seus sonhos podem se tornar negócios autossustentáveis financeiramente. Ele conseguirá guiar os próximos passos da humanidade à sua maneira?

Da explosão ao foguete reciclado

Criada em 2002, a SpaceX talvez seja a empresa mais ambiciosa de Musk: a startup foi concebida com o propósito de tornar nada menos que a viagem por meio de foguetes mais acessível e sustentável.

No começo de 2017, porém, o negócio lidou com os efeitos de uma grande tragédia para o negócio: um foguete modelo Falcon 9 explodira durante um teste de rotina na Flórida (Estados Unidos), em setembro de 2016, e as causas finalmente foram descobertas.

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O desafio, no momento, era fazer um anúncio que acalmasse os investidores da empresa – um satélite de 200 milhões de dólares fora destruído junto com o foguete. Com bons prognósticos na Solar City e na Tesla, faltava apenas recuperar a SpaceX para Musk colocar todas as suas empresas de volta ao jogo.

No comunicado, a SpaceX deu detalhes técnicos sobre o problema e afirmou ter adotado medidas corretivas que impedirão uma fatalidade parecida. Apenas um mês depois, Musk retornou à Flórida e reativou uma plataforma da NASA ociosa há quase seis anos, desde o fim de seu programa de ônibus espaciais.

O plano era lançar o foguete SpaceX Falcon 9 com a cápsula Dragon, carregada com cerca de 2,5 toneladas de suprimentos e experimentos científicos para a Estação Espacial Internacional, um laboratório de pesquisa estacionado a cerca de 400 quilômetros acima da Terra.

Na véspera de lançamento, tal operação foi cancelada por um problema com o sistema de geolocalização. Um dia depois, porém, a cápsula conseguiu chegar à ISS sem problemas e pousar no Oceano Pacífico em março de 2017.

Após meses em operação silenciosa – Musk teria de lidar com os lançamentos (e complicações) de sua outra empresa, a Tesla, além de idas e vindas no conselho do presidente americano Donald Trump –, a SpaceX voltou às notícias em dezembro.

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Após novos atrasos, o negócio lançou seu primeiro foguete e nave espacial reciclados, também com destino à ISS, uma vitória para a tese do bilionário de que é possível tornar viagens espacias financeiramente mais acessíveis.

O próximo projeto da SpaceX é o Falcon Heavy, apresentado como “o foguete mais poderoso do mundo”. Com destino à órbita do planeta Marte, a inovação levará uma carga especial: um Tesla Roadster cor cereja, propriedade do próprio Musk. O lançamento será em janeiro de 2018.

“[O Tesla Roadster] Ficará no espaço profundo durante bilhões de anos ou assim se não explodir na subida”, escreveu o bilionário em sua conta na rede social Twitter.

A aposta no Model 3 e sua “fabricação infernal”

A Tesla, criada apenas um ano após a SpaceX, também pisou no acelerador em 2017: a empresa de carros totalmente elétricos aumentou a velocidade do seu carro Model S P100D no começo do ano, com uma atualização de software. Acelerando de zero a 60 milhas por hora (cerca de 96 km/h) em menos de 2,3 segundos, o Model S estabeleceu um tempo não batido por nenhum outro automóvel até hoje.

Musk, triunfante, zombaria dos acionistas que operam no curto prazo – os short sellers – e que apostaram na ruína da empresa de automóveis, diante de metas de produção não atingidas e entregas atrasadas. Novamente indo ao Twitter, o bilionário ironizou: “Tempo tempestuoso em Shortville…”

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Com as boas notícias e a alta das ações, a Tesla superou a tradicional montadora Ford em valor de mercado e também passou levemente a líder do ranking, General Motors. A empresa de Musk foi avaliada em 51 bilhões de dólares em abril de 2017, 0,2% a mais do que a GM.

O mês também sediou o anúncio do Model 3, automóvel mais acessível da marca – o Model 3 custa 35 mil dólares, contra os 74,5 mil dólares do Model S.

As ações da Tesla chegaram a subir quase 1% na sexta-feira antes da entrega a clientes de seus primeiros sedãs, mas caíram cerca de 3,5% quando Musk avisou que a quantidade de pedidos faria com que a montadora enfrentasse uma “fabricação infernal”. Alguns compradores só irão receber seu carro no final de 2018.

Mesmo assim, Musk continua prometendo novos sonhos: no mês passado, anunciou o Tesla Semi, um caminhão elétrico com visual futurista, e a nova geração do esportivo Roadster, o carro mais icônico da Tesla e primeiro modelo da montadora, lançado em 2008.

SolarCity: energia renovável do Vale a Porto Rico

Em agosto de 2016, Musk deu mais um passo em suas ambições energéticas e sustentáveis: a Tesla chegou a um acordo de compra da instaladora de painéis solares SolarCity, por 2,6 bilhões de dólares. Vale lembrar que Musk já era presidente do Conselho de Administração e maior acionista da empresa transacionada.

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Dois meses depois da aquisição, a Tesla-SolarCity deu o próximo passo em suas ambições energéticas e sustentáveis: anunciou a criação de seus próprios telhados solares. Diferentemente das tecnologias mais tradicionais do setor de energia solar, o Solar Roof é feito de vidro temperado e texturizando e se molda às telhas tradicionais. Isso o torna praticamente imperceptível, em termos de design, mas promete uma resistência três vezes maior do que as telhas tradicionais e uma economia de custos energéticos em longo prazo.

O produto inicialmente só estará disponível para os moradores dos Estados Unidos, mas a empresa espera expandir para outros países a partir de 2018, de acordo com a demanda.

A partir do anúncio, as ambições de Musk só ficaram cada vez maiores: outros projetos da nova SolarCity incluem instalar no sul da Austrália a maior bateria de íons de lítio já construída na história em apenas 100 dias e reajustar todo o sistema elétrico de Porto Rico.

As empresas de Musk podem moldar o futuro (e dar lucro)?

Hoje, a SpaceX está avaliada em 21 bilhões de dólares – mas, para bancos como o Morgan Stanley, o negócio pode chegar a 50 bilhões de dólares de valuation. A empresa ainda não abriu capital na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) e Musk disse que tal operação não está nos planos; porém, especialistas como o próprio Morgan Stanley alertam para não descartar tal possibilidade.

Até o momento, a SpaceX possui apenas seus fundos de investimento a agradar – e essa não é uma tarefa fácil. O negócio já recebeu 1,6 bilhão de dólares em aportes, segundo a base de dados do site Crunchbase.

Apesar dos atrasos, a produção da SpaceX parece controlada: o negócio enviou 18 foguetes ao espaço em 2017 e possui diversas outras missões marcadas.

Já a situação da Tesla é mais grave. Os investidores se perguntam como ficará o caixa da Tesla na situação de “fabricação infernal”: a montadora gastou mais de 2 bilhões de dólares em 2017, apenas considerando o período antes do lançamento do Model 3.

O veículo é a grande aposta da Tesla para tornar-se uma empresa lucrativa. Hoje, o negócio é avaliado em 49,3 bilhões de dólares, mas o dinheiro ainda não chegou aos bolsos dos acionistas. A companhia teve uma receita de quase 3 bilhões no terceiro quadrimestre de 2017, mas vem torrando 1 bilhão a cada três meses para fabricar os Model 3.

A empresa prometeu aumentar sua produção para 500 mil veículos em 2018, cerca de seis vezes a produção de 2016 – uma meta que muitos especialistas acreditam ser irreal.

Para Jim Chanos, short seller famoso por ter previsto a queda da companhia de energia Enron, a Tesla está beirando o desastre. Ele irá manter sua posição até que a montadora mostre lucros, e acredita que o alto preço das ações se deve mais ao nome de Musk do que aos resultados da companhia.

A situação financeira da empresa que a Tesla adquiriu, a Solar City, também não é das melhores. Para Philippe Houchois, analista da corretora Jefferies, esse é o negócio mais complicado do bilionário. Em 2016, a Solar City faturou 730 milhões de dólares e teve 820 milhões de prejuízo. Este ano, a instalação de novos painéis caiu 30% no primeiro trimestre.

Enquanto suas empresas enfrentam um cenário nebuloso, com vários investimento e poucas provas de rentabilidade, o tamanho do impacto do bilionário empreendedor nas futuras gerações já é cristalino. Do outro lado do mundo, os jovens chineses já sonham em ser Elon Musk, e não em trabalhar no chão de fábrica ou em sóbrios empregos estatais.

“Musk traz um novo Henry Ford: é um industrialista que não está preocupado com competição e patentes, e sim objetivos maiores”, afirmou ao site EXAME Pedro Waengertner, da aceleradora de startups ACE. “Ele possui causas fortes e mostra que é possível fazer o impossível. Com isso, atrai os melhores talentos e consegue inspirar as próximas gerações para que, no futuro, elas queiram mudar outros setores.”

Musk pode acreditar nele próprio, seguindo o exemplo dos mais jovens fazem e refutando as crenças dos operadores do mercado financeiro, e moldar nosso futuro? Essa é uma pergunta que, às vezes, ele mesmo parece fazer-se. “Só depois de passar muito tempo com Musk percebi que a pergunta [‘Você acha que eu sou maluco?’] era mais para ele do que para mim. Nada que eu dissesse teria importado”, escreve Vance.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Exame.com

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