Vulcões: As janelas da Terra
Os vulcões oferecem espetáculos ao mesmo tempo trágicos e deslumbrantes. Causam morte e devastação, mas tiveram papel fundamental na formação do planetas. Sem eles não haveria atmosfera
Maria Inês Zanchetta
No dia 27 de agosto de 1883, o navio Batavia Queens singrava tranqüilo o mar de Java, na Indonésia, Extremo Oriente, quando foi surpreendido por uma formidável explosão e acabou engolido pelo mar – em Hollywood. Pois o barco só existiu no filme Krakatoa, o inferno de Java, que 85 anos depois reconstituiu em cores, no melhor estilo do que na década de 70 seria chamado cinema-catástrofe, a pior erupção vulcânica de todos os tempos. A ficção, no entanto, não deve ter ficado muito distante do que realmente aconteceu naquele dia de 1883. Relatos da época dão conta de que as explosões do Krakatoa repercutiram num raio de 5 mil quilômetros.
Ondas descomunais levantaram-se no mar e estenderam-se sobre as colinas das ilhas de Java e Sumatra, arrasando cerca de trezentas aldeias e vilas. Morreram 36 mil pessoas. Na derradeira explosão o Krakatoa afundou no mar fragorosamente. Calcula-se que o volume de matéria sólida regurgitado pelo vulcão, que subiu a 50 quilômetros de altura, foi da ordem de 18 mil quilômetros cúbicos, o equivalente, por exemplo, a 113 mil barris de petróleo ou um quinto da produção diária brasileira no ano passado. Dois terços daquele material caíram num raio de 30 quilômetros, formando um banco de pedras-pomes que, durante bom tempo, impediu a navegação na área; o terço restante permaneceu, suspenso na atmosfera em forma de poeira e se espalhou pelo planeta inteiro. Foi por isso que em toda parte, nos dois anos seguintes, o pôr-do-sol ficou mais avermelhado.
Para os nativos de Java e arredores, esse apocalipse provocado pelo vulcão só podia ser um castigo dos céus. Não se tratava propriamente de uma crendice nova: muito tempo antes, nos séculos VIII e IX, os antepassados dos javaneses achavam que as turbulências vulcânicas que assolavam aquelas paragens eram a manifestação do poder de Siva – o terrível deus hindu da fertilidade. Longe dali, também os antigos gregos e romanos provavelmente associavam tais erupções aos deuses. Tanto que a própria palavra vulcão vem do latim Vulcanus, deus romano do fogo (Hefestos para os gregos), representado com uma forja na mão.
As erupções vulcânicas são geradas nas profundezas do planeta. Assim, da mesma forma que os terremotos, os vulcões constituem autênticas janelas por onde os cientistas observam o que ocorre no manto da Terra – a camada que fica logo abaixo da crosta (SUPERINTERESSANTE n.° 4, ano 2). Mais que isso, o papel do vulcanismo na formação do planeta é fundamental. Sem as erupções, não haveria, por exemplo, cadeias de montanhas. E, sem os gases e vapores que os vulcões expelem, a atmosfera não existiria, impedindo portanto o surgimento da vida. Tanto as erupções quanto os terremotos se originam no movimento das placas tectônicas – gigantescos blocos de rocha rígida que se movimentam sobre a astenosfera, a camada não rígida do manto – responsável pela deriva continental, que faz os continentes se afastarem ou se aproximarem uns dos outros.
Nesse colossal balé, as placas podem colidir: quando isso acontece, uma delas mergulha sob a outra ou debaixo do continente. De acordo com os geólogos, há no mundo dez grandes placas e diversas outras menores, todas em constante movimento de alguns centímetros por ano. “As erupções ocorrem, de preferência, nas margens dessas placas”, explica o geólogo Mário Figueiredo, da USP. Segundo ele, o vulcanismo não resulta apenas da colisão de placas, também do afastamento delas. O espaço que se abre então é preenchido pelo magma – rocha em estado liquido – que começa a subir em direção à superfície, irrompendo em forma de lava.
Dependendo do movimento das placas, convergente ou divergente, formam-se vulcões diferentes, tanto na forma (menos ou mais cônicos) quanto na maneira como irrompem (com rios de lava ou violentas explosões). É possível distinguir três tipos principais de vulcão na superfície terrestre. Um é o que ocorre nas cadeias mesoceânicas, localizadas na região central do oceano Atlântico (que inclui as ilhas de Tristão da Cunha, São Paulo, Açores e se estende até a Islândia, já no Atlântico Norte), do Pacífico e do Indico. Nessa vasta área, os vulcões são o resultado do movimento de placas divergentes. Sua forma não é tão cônica, suas crateras são mais largas e suas encostas mais espraiadas do que as dos vulcões do segundo tipo – os que se estendem pelo chamado cinturão de fogo que contorna o oceano Pacífico desde a América do Sul, chegando ao Japão e à Nova Zelândia.
Estes são conseqüência da colisão de placas. Enquanto na América do Sul o choque faz com que uma das placas oceânicas mergulhe sob a placa continental, no Japão e na Nova Zelândia as erupções são causadas pelo mergulho de uma placa oceânica sob outra. Nesse caso formam-se o que os geólogos denominam arcos de ilhas. No cinturão de fogo, os vulcões são mais cônicos e muito explosivos. Embora as erupções ocorram predominantemente nas margens das placas, há também casos de vulcanismo no interior das placas, chamados intraplacas. É o terceiro tipo. Um bom exemplo são os vulcões do Havaí. Ali, há no manto uma área conhecida como ponto quente. Trata-se de um foco de calor intenso, fixo, que estimula a produção de magma enquanto a placa se movimenta.
O magma chega à superfície e vai formando novas ilhas, que, por sua vez, se alinham com as mais antigas. Por meio da observação das ilhas novas e antigas, os pesquisadores podem saber como se dá o movimento das placas nessa região. Os célebres vulcões Etna e Vesúvio, na Itália, não se enquadram nesses tipos de vulcanismo. Eles são considerados intermediários entre os de arcos de ilhas e os das margens convergentes. Nem por isso são menos explosivos. Já os vulcões do leste da África são resultado de um mecanismo que ocorre na placa continental – ela se afina, vai se rompendo e possibilita as erupções. Isso pode levar à abertura de uma nova bacia oceânica. As erupções são tanto mais violentas e perigosas quanto mais viscoso for o magma, cuja composição varia.
Ele é formado basicamente de oxigênio sob a forma de óxidos metálicos, principalmente de óxido de silício ou sílica. Também entram nessa composição alumínio, ferro, magnésio, sódio, potássio, cálcio, titânio e manganês, além de carbono, flúor e enxofre. Quando o teor de sílica é baixo, a viscosidade é pequena e as erupções liberam rios de lava sem grandes explosões. É o caso dos vulcões da Islândia e do Havaí. Mas, à medida que o teor de sílica aumenta, o magma torna-se mais viscoso e não flui. Por isso, em vez de correr num rio de lava, explode por força da pressão.
Foi assim durante a erupção do vulcão Santa Helena, no Estado de Washington, extremo noroeste dos Estados Unidos, em 1980, que vomitou pedras, gelo, nuvens de gases quentes e lava. A grande devastação ficou por contada torrente de lama que se formou com o derretimento da neve que encobria suas encostas e desceu pelos rios, inundando o vale ao redor. Como não havia povoados próximos, o número de vítimas foi comparativamente pequeno – 61 pessoas. A explosão durou nove horas e calcula-se que equivaleu a 27 mil bombas como a lançada sobre Hiroshima durante a II Guerra Mundial, sem os efeitos radioativos, naturalmente. Depois da erupção, o Santa Helena até diminuiu de tamanho, devido à quantidade de material que jogou na atmosfera.
Muito pior foi outra explosão recente – a do Nevado del Ruiz, que em 1985 destruiu a cidade colombiana de Armero e matou 23 mil pessoas. Como no caso do Santa Helena, a causa da tragédia foram as torrentes de lama. Rápidas e violentas, podem percorrer distâncias de até 180 quilômetros em apenas duas horas e meia, arrastando tudo por onde passam. Nessa categoria está o El Chichón, no México, cuja última erupção, em 1982, durou sete dias e lançou 500 milhões de toneladas de cinzas na atmosfera. O material cobriu um quarto da superfície terrestre e bloqueou pelo menos 10 por cento da radiação solar. Onze aldeias foram varridas do mapa; a tragédia só não foi maior porque a população foi retirada a tempo.
A fina camada de poeira que uma explosão como essa ocasiona permanece muito tempo na atmosfera e certamente influência o clima da Terra. Foi o que aconteceu em conseqüência da explosão do Tambora, na Indonésia, em 1815. Ela provocou tal onda de frio no hemisfério norte que não houve para americanos e canadenses o ano ficou conhecido como aquele que não “houve verão”. As erupções do Vesúvio, que sepultaram Pompéia e Herculano em 79 da era cristã (SUPERINTERRESANTE nº 4, ano 2), e as do Etna, em 1669, são comparadas pelos cientistas às mais catastróficas quanto ao lançamento de pedras, gases, cinzas e lava. Juntos, o Vesúvio e o Etna mataram 40 mil pessoas. Nessas explosões violentas, os gases expelidos combinam-se entre si e com a água, formando ácidos que não apenas matam por asfixia mas também por queimaduras.
Ao contrário desses, o Mauna Loa – o maior vulcão do mundo em altura, com 10 mil metros acima do fundo do oceano e 4 mil acima do nível do mar – e o Kilauea, ambos no Havaí, cujas maiores erupções aconteceram em 1835 e em 1924, não causaram tanta destruição porque a boa viscosidade do magma permitiu que este fluísse em rios de lava. Existem muitos vulcões ativos – adormecidos ou não – em todo o planeta, mas não se sabe exatamente quantos. Os cientistas estimam que haja entre 500 e 700 na superfície. Muitos outros permanecem no fundo do mar, longe dos olhos humanos.
“A dificuldade em precisar o número está em que não há qualquer característica que indique se um vulcão está ou não extinto”, atesta o geólogo Mário Figueiredo. Ele dá como exemplo: “Quando estive na Antártida, visitei a ilha Pingüim, cujo vulcão deve ter irrompido pela última vez há cerca de duzentos anos. É muito pouco tempo em termos geológicos para dizer que esteja extinto”. No Brasil não há vulcões, mas já houve há uma eternidade. Entre 73 e 48 milhões de anos atrás, quando a América e a África já eram continentes separados, dois vulcões entraram em erupção onde hoje é o Rio de Janeiro: os cientistas chegaram ao requinte de descobrir que um deles ficava na serra do Mendanha, no atual bairro de Campo Grande, e outro na serra de Madureira, onde está a cidade de Nova Iguaçu. O Brasil não tem vulcões ativos há muito tempo porque está afastado das margens das placas tectônicas.
Da mesma forma não acontecem erupções na ilha de Fernando de Noronha há 1 milhão de anos, o que prova que se extinguiu o vulcão que ali existia. Entre os vulcões ativos alguns têm pequenas e constantes erupções, como o Stromboli, na ilha do mesmo nome, no mar Tirreno, na Itália. À noite, transforma-se em espetáculo para turistas que ali fotografam as erupções sem perigo algum. Se de um lado as manifestações vulcânicas não são passíveis de controle, de outro podem ser previstas a tempo de impedir grandes tragédias, com a retirada da população.
Preocupados em diminuir os efeitos catastróficos das erupções, os vulcanólogos vêm desenvolvendo experiências inéditas. Em 1983, por exemplo, geólogos italianos conseguiram por meio de explosões de dinamite bloquear os caminhos por onde corria a lava do Etna, desviando-a para um lado do vulcão onde não havia aldeias. No ano passado, pesquisadores franceses conseguiram projetar um simulador de vulcões. Trata-se de um aparelho de 50 quilos que possui um reservatório, onde ficaria o magma, e um conduto, que o levaria à superfície. No reservatório foram injetados líquidos viscosos de composição semelhante à do magma; à medida que a pressão e a temperatura aumentavam, os cientistas colhiam dados sobre as bolhas que a fusão do material produzia, os fluxos de gases e a viscosidade.
A observação era feita por duas câmeras de vídeo com as objetivas mergulhadas no líquido viscoso. Assim, os pesquisadores conseguiram um modelo quantitativo que reproduz os fenômenos que ocorrem no interior de um vulcão. Dessa forma, as possibilidades que se tem de prever erupções são cada vez maiores. E isso não deixa de ser auspicioso para os hóspedes que precisam defender-se das instabilidades de um planeta sempre em movimento.
Para saber mais:
Vozes do inferno
(SUPER número 1, ano 7)
(SUPER número 4, ano 8)
(SUPER número 1, ano 10)
Uma erupção de energia
“Os vulcões podem sepultar cidades, mas têm também suas aplicações práticas”, sustenta a geofísica Marta Mantovani, do Instituto Astronômico e Geofísico da USP. Ela se refere ao possível aproveitamento da energia que vem da terra, chamada geotérmica, para a produção de energia elétrica a baixo custo, e outras aplicações, como o aquecimento de habitações – o que a toma atraente fonte alternativa para países carentes tanto de recursos como de energia. Nas regiões vulcânicas, parte do calor contido no magma se dissipa nas erupções. Mas a porção maior permanece aquecendo as rochas e seus fluidos. Estes estão presentes nas áreas por onde o magma sobe em direção à superfície. Os fluidos aquecidos só conseguirão subir senão forem barrados por uma cobertura de rochas impermeáveis. Se isso acontece, apenas uma mínima parte daqueles fluidos rompe o obstáculo; o resto vai formar os campos geotérmicos, que uma vez perfurados fornecerão energia. Nesses campos, as temperaturas alcançam de 200 a 300 graus, mesmo a profundidades inferiores a mil metros. Quando a broca penetra na formação porosa onde estão os fluidos, eles alcançam a superfície rapidamente devido à pressão. Canalizados, movimentam as turbinas de uma usina geradora de eletricidade. Os pioneiros na exploração dessa modalidade foram os italianos: desde o início do século uma central movida a energia geotérmica existe em Larderello, na Toscana. Sua capacidade instalada é da ordem de 400 Mw, ou dois terços da malfadada usina nuclear de Angra I, em Angra dos Reis. Uma central semelhante serve para aquecer as habitações da gélida Reykjavík, capital da Islândia. Outras usinas funcionam no México e em El Salvador, periodicamente assolados por desastres vulcânicos. Assim, as manifestações da natureza que castigam populações inteiras podem também beneficiá-las.