Afinal, quem eram as divas?
Das óperas italianas para as areias de Copacabana, as divas de todos os tempos têm algo em comum: sempre foram pop.
“Não sou uma diva, sou uma Jones. ‘Diva’ é usado em excesso. Diva, ícone, lenda, a coisa toda… ser uma diva, o que é isso?”, disse uma vez a lendária diva Grace Jones. Oras, que bom que você perguntou, Srta. Jones, pois nós temos a resposta.
Apesar de as cantoras pop atuais, como Lady Gaga e Ariana Grande, lotarem estádios e conquistarem o público tanto com sua música quanto com sua atitude, o conceito de diva surgiu bem antes delas nascerem. Mais precisamente, surgiu com a ópera.
A ópera foi “inventada” na Itália no finalzinho do século 16. Nesses primeiros anos, a profissão de cantor não existia, pois as apresentações de ópera eram muito poucas e espaçadas entre si para que um artista se dedicasse exclusivamente a elas. Por isso, quem cantava no começo eram os próprios instrumentistas ou então atores que também conseguiam cantar.
Essa situação só foi começar a mudar no fim do século 17, quando as “temporadas de ópera” se tornaram um evento social e cultural comum na vida urbana, tanto dentro como fora da Itália. Com essa popularidade, cresceu a demanda por profissionais da área e finalmente houve espaço para artistas que se dedicavam somente à arte do canto.
Foi então que esses cantores e cantoras começaram não só a receber bons salários, mas também a serem adorados pelo público e tratados como celebridades.
No começo do século 18, muitas das óperas tinham histórias baseadas na mitologia, com deuses e deusas aparecendo como os papéis mais importantes. Foi aí que a palavra italiana “diva” começou a ser usada — antes disso, as mulheres cantoras eram chamadas de “sirenas”.
As sirenes, na mitologia grega, eram criaturas meio mulher e meio pássaro que atraíam os marinheiros para a ruína com suas canções. A mistura dos conceitos de sedução e perigo é o que tornava o adjetivo tão adequado às cantoras de ópera. Aliás, uma curiosidade: apesar da tradução de sirene para o português também ser “sereia”, as criaturas com cauda de peixe vêm do folclore europeu (“mermaids”), portanto são entidades mitológicas diferentes.
Mas, voltando às divas, a palavra italiana vem de “diva”, do Latim, que significa “deusa” ou “divina” (a versão masculina era “divus”). O primeiro uso notável foi em 1809, em um soneto dedicado à cantora Isabella Colbran. Mas o grande momento dessa palavra aconteceu logo depois.
Giuditta Pasta, a primeira diva?
Na década de 1820, a ópera havia explodido em popularidade na Itália. Os teatros competiam entre si pelo público e os ingressos mais baratos permitiam que mesmo os não ricos pudessem ver os espetáculos. Além disso, uma crescente imprensa especializada alimentava a fome dos fãs com reviews, fofocas e contos — era o nascimento da cultura das celebridades.
Em 1829, a soprano Giuditta Pasta voltou a Milão após temporadas em outras cidades da Europa. Instalada no Teatro Carmano, ela interpretou papéis marcantes como a Desdêmona de Otello e a protagonista de Medeia em Corinto. Foi um sucesso estrondoso e a cantora logo se viu com o público e a imprensa aos seus pés. Ao final da temporada, Carlo Ritorni, editor do periódico L’Eco, cravou que Pasta era a “diva del mondo”.
A partir daí, a porteira estava aberta: as cantoras de ópera, infladas pelo fanatismo das massas e pelas loas da imprensa, passaram a ser chamadas de divas e, de fato, divinificadas. Havia críticos que eram contra esses exageros, mas não havia como lutar contra o hype. O fato de que a imprensa musical era controlada, em grande parte, por empresários musicais, agências teatrais e publicadores musicais com certeza era um fator importante.
Em um artigo sobre o tema, a pesquisadora Susan Rutherford, da Universidade de Manchester, afirma que também havia um componente político em toda essa adoração. “A ‘diva’, com sua voz potente e misteriosa, era o oposto direto do ‘angelo del focolare’ (‘anjo do fogão’). Ambas as imagens eram idealizadas por meio de conotações religiosas: uma cristã e a outra, pagã. Enquanto o anjo doméstico era amoroso, obediente e sôfrego, a diva era passional, intenciosa e orgulhosa”.
A pesquisadora continua: “Ambas as imagens eram definidas por e criadas para dar suporte à hegemonia patriarcal; ambas poderiam inspirar adoração extrema, nos melhores casos, e abuso, nos piores. E ambas eram intrínsecas à época porque a ‘mulher’ era tratada filosoficamente e cientificamente como uma ‘essência’, carecendo da individualidade do homem”.
A diva no inglês
Depois de toda a comoção na Itália, a palavra “diva” chegou ao léxico inglês com a ópera Norma, interpretada em Londres em 1833 pela própria Giuditta Pasta. Nesse espetáculo, a música-tema da protagonista se chamava “Casta diva”, uma impressionante ária (canção solo) em que Norma, uma sacerdotisa druida, se apresentava para adoração.
O termo só se popularizou no Reino Unido, porém, em 1843, quando um crítico usou o termo “burly diva” (diva corpulenta) para alfinetar a soprano italiana Giulia Grisi. Ou seja: “diva”, originalmente, era um termo insultuoso em inglês. Com o tempo, porém, os jornais passaram a usar a palavra da mesma forma que os italianos, como um elogio.
Grisi, inclusive, foi apelidada de “La Diva” ao longo de seus 27 anos de carreira nos palcos londrinos, sendo marcada principalmente pelo papel de Norma, que também interpretou. A partir daí, o termo se popularizou na crítica e muitas outras cantoras de ópera foram chamadas de divas. A hipérbole não podia mais ser contida.
Tempos modernos
A transição do conceito de “diva” para a era contemporânea foi, de certa forma, natural. A palavra carregava um tom de desafio: uma mulher poderosa e talentosa, mas também tempestuosa, de temperamento genioso, que desafia o habitual. No começo do século 20, a proliferação de artistas femininas em outros campos, ao mesmo tempo em que movimentos civis conquistavam direitos para as mulheres, favoreceu o aparecimento de novas divas.
“Conforme o cinema se tornava o meio de entretenimento de massa mais popular no novo século, muitas das divas da ópera, do palco e da dança eram selecionadas por estúdios de filmes mudos como protagonistas”, conta Kate Bailey, curadora sênior do museu britânico V&A, que apresentou uma exposição sobre as divas em 2023. “Isso teve um impacto enorme na percepção pública da diva, já que os cineastas do período construíam seus filmes em torno da personalidade e da ‘star quality’ das artistas femininas, aproveitando-se de sua fama e de sua imagem”.
Bailey lista artistas como Dolly Parton, Cher, Aretha Franklin, Madonna, Grace Jones e Tina Turner como exemplos de mulheres que construíram o significado da diva moderna no século passado. Na opinião da curadora, até mesmo artistas homens como Prince, Elton John e Freddie Mercury poderiam ser categorizados como divas, já que “o conceito é fluido” e pode ser usado como uma forma de “expressar feminilidade”.
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