Relâmpago: Revista em casa a partir de 9,90

É possível bebês nascerem através de úteros artificiais?

Ainda há sete desafios que precisam ser superados antes que isso possa acontecer

Por Carolina Canossa
Atualizado em 22 fev 2024, 10h11 - Publicado em 26 set 2017, 18h37

Teoricamente sim, mas esse processo, cujo nome técnico é “ectogênese”, ainda vai demorar bastante para acontecer. Isso porque o útero é um órgão extremamente complexo. Hoje, já é possível salvar um bebê com pelo menos 500 g ou 22 semanas de gestação. Trata-se de um limite jamais alcançado, e que tem restrições: crianças que nasceram muito cedo possuem diversas dificuldades fora do útero, como problemas respiratórios e maior chance de infecção. Para expandir esse limite e abarcar desde a concepção até o desenvolvimento completo do bebê, seria preciso reproduzir uma série de mecanismos do útero. Confira os obstáculos para a criação dessa tecnologia.

Mãe de metal

Para criar um útero artificial, seria necessário superar estes sete desafios

É possível bebês nascerem através de úteros artificiais?
(André Bdois/Mundo Estranho)

1) Expansão e composição
Um útero artificial precisaria imitar a elasticidade do órgão, que aumenta de tamanho 50 vezes durante nove meses, e reproduzir o líquido amniótico, que envolve o embrião e dá espaço para ele se desenvolver. Durante a primeira fase da gravidez, esse líquido é basicamente água com eletrólitos, mas depois do quarto mês inclui proteínas, carboidratos e lipídios, essenciais para o crescimento

2) Vias de transporte
Seria necessário reproduzir a enorme vascularização entre útero e placenta, que promove a interface de troca e permite o acesso do feto a proporções ideais de oxigênio, glicose, nutrientes, vitaminas, anticorpos e hormônios. Ou seja, não basta uma placenta artificial: é preciso um sistema de alimentação dessa placenta que imite os milhares de vasos sanguíneos da gestante

3) Sistema de retrolavagem
Ainda que um embrião não faça xixi e cocô como estamos acostumados (até porque ele não come da mesma forma que nós), o bebê precisa liberar metabólicos, como ureia, sódio e creatinina, através do cordão umbilical. É essencial achar uma maneira de fazer a retirada precisa desses excrementos sem colocar em risco a saúde do feto

Continua após a publicidade

4) Ativador epigenético
As características de um ser humano não dependem apenas do DNA, mas também dos sinais provenientes do ambiente (incluindo o útero materno), que determinam se certos genes são ativados. Ou seja, a experiência dentro do útero estabelece algumas características do serzinho. Sem uma solução engenhosa, essa influência se perderia em crianças de úteros artificiais, com consequências ainda imprevisíveis

5) Interface de emoção
A interação constante com a mãe durante a gestação é extremamente importante na gravidez: além de adiminuir a possibilidade de rejeição, a ligação emocional estabelecida ajuda a criança a se sentir mais confortável tanto na barriga quanto em seus primeiros dias de vida. Como reproduzir isso em um útero artificial?

6) Combustível embriônico
O bom desenvolvimento do bebê está diretamente relacionado à alimentação da mãe, que através do que consome fornece ao feto toda a nutrição antes do nascimento. Seria então preciso sondar as necessidades nutritivas do bebê e alimentá-lo sob medida com nutrientes como ácido fólico, vitamina C, ferro, magnésio, cálcio e carboidratos

7) Injeção de hormônios
Como já acontece nos partos cirúrgicos atualmente, o parto artificial implicaria na ausência de hormônios que aparecem no parto normal, como a oxitocina, que protege a criança de danos cerebrais e ajuda no desenvolvimento do cérebro, e a prolactina, que beneficia a amamentação. O parto artificial, idealmente, teria que compensar essa falta

Continua após a publicidade
  • Relacionadas

O útero artificial até agora

Poucos pesquisadores se dedicam a eles, em parte por impeditivos legais. Ainda assim, muito já foi alcançado

1878 – A pedido do obstetra Stephane Tarnier, um funcionário do Zoológico de Paris bola uma espécie de chocadeira “para humanos”. Grosso modo, a incubadora é uma caixa de acrílico que fornece altas doses de oxigênio, medicamentos e nutrição à criança

1924 – O cientista e pensador britânico J.B.S. Haldane cunha o termo “ectogênese” e prevê que em 2074 somente 30% dos nascimentos se dariam da maneira convencional. O termo é adotado por pesquisadores da tecnologia até hoje

1932 – Aldous Huxley escreve o clássico Admirável Mundo Novo, em que bebês crescem fora do corpo da mãe, em um tipo de chocadeira. Porém, a visão do autor não é otimista: nesse mundo, as palavras “pai” e “mãe” são consideradas extremamente obscenas

Continua após a publicidade

1978 – Nasce o primeiro bebê de proveta: a inglesa Louise Brown foi a primeira criança a vir ao mundo sem a necessidade de uma relação sexual entre um homem e uma mulher. Hoje, a fecundação em laboratório é um procedimento ordinário

1981 – Graças ao auxílio de uma tecnologia com ultrassom, o médico Michael Harrison faz, na Universidade da Califórnia, a primeira cirurgia em um feto in utero. Ele aliviou uma obstrução no canal urinário do bebê enquanto ele ainda estava na barriga da mãe

1988 – Chefe da área de ginecologia e obstetrícia da Universidade de Jutendo, em Tóquio, Yoshinori Kuwabara manteve o feto de uma cabra vivo em um útero artificial, inicialmente por dez dias, depois por três semanas. O maior obstáculo que teve de enfrentar foram problemas de circulação do animal

2003 – Uma das diretoras do Centro de Medicina Reprodutiva e Infertilidade da Universidade Cornell (EUA), a médica Helen Hung consegue o crescimento quase completo de um embrião de rato usando tecido endometrial em um útero artificial construído com bioengenharia

Continua após a publicidade

2011 – A mesma Helen Hung e sua equipe mantêm vivo um embrião humano fora do útero durante dez dias, usando uma tecnologia parecida com a utilizada em 2003. A marca de dez dias, inédita, foi possível porque a legislação permite o desenvolvimento de fetos em laboratório por até 14 dias

2016 – Cientistas da Universidade de Cambridge divulgam que aumentaram a marca do desenvolvimento de um embrião fora do corpo da mãe para até os 13 dias – eles só não foram além por causa do limite permitido pela legislação

CONSULTORIA Arnaldo Schizzi Cambiaghi, médico especialista em reprodução humana e diretor clínico do IPGO (Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia), e Paola Fasano, ginecologista e obstetra do Hospital São Luiz

FONTES El País, Gizmodo, Newsweek, The New York Times e Vice

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 5,99/mês
DIA DAS MÃES

Revista em Casa + Digital Completo

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
A partir de 10,99/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.