Teoria da conspiração: Getúlio Vargas foi assassinado?
Morto com um tiro no peito em 1954, quando exercia o segundo período como presidente, ele vinha sofrendo ameaças de militares e da imprensa
Ilustra André Bdois
Edição Felipe van Deursen
1. VIRADA DE JOGO
Em 1954, Vargas, que até então era queridinho dos industriais e da classe média, deu uma guinada à esquerda: cedeu espaço a sindicatos e restringiu acordos com os EUA. Em uma carta entregue a seu ministro do Trabalho, João Goulart, o presidente informou que vinha sofrendo pressões de grupos internacionais e nacionais contrários à sua postura política
2. ALIADO COMPRADO
Na imprensa, o antigetulismo ganhou força com o jornalista Carlos Lacerda, líder da União Democrática Nacional (UDN). A rixa entre os dois chegou ao ápice após Lacerda sofrer um atentado atribuído ao chefe da guarda pessoal do presidente, Gregório Fortunato. “Essa bala não era dirigida a Lacerda, mas a mim”, teria dito Vargas, desconfiado de ter caído numa cilada
3. AMEAÇA VELADA
No atentado, Carlos Lacerda levou um tiro no pé, mas seu acompanhante, Rubens Vaz, morreu. Vaz era major da Aeronáutica, o que levou as Forças Armadas a pedirem a renúncia do presidente. Isolado no Palácio do Catete, sede do governo, no Rio, Vargas se consultou com o ministro da Guerra, Zenóbio da Costa, e ouviu dele que sua resistência “custaria sangue, muito sangue”
4. TIRO PELA CULATRA
Na manhã de 24 de agosto, ouviu-se um disparo. Os familiares do presidente o encontraram agonizante em seu quarto, com meio corpo para fora da cama. Uma bala acertou o coração de Vargas pelo lado esquerdo, de baixo para cima, mas o revólver estava perto do braço direito – posição improvável para um suposto suicídio
5. AUTORIA INDEFINIDA
Ao lado do cadáver, havia uma carta datilografada, repassada à imprensa como uma despedida oficial (é o famoso texto “saio da vida para entrar na história”). Porém, Vargas não sabia datilografar. José Soares Maciel, redator dos discursos do presidente, explicou que ele lhe havia entregue um manuscrito e que a mensagem não era uma despedida, mas um manifesto de um chefe de governo que provavelmente morreria lutando com os militares
6. FALOU DEMAIS
No dia seguinte, o periódico O Radical estampou uma foto de Vargas morto com a manchete: “Este homem foi assassinado”. Dois meses depois, o jornal – que era da família de Rodolfo de Carvalho, admirador pessoal do presidente, e era financiado por grupos pró-Getúlio – fechou as portas
7. DENÚNCIA ATRASADA
Em entrevista em 2012, a ex-vedete (atriz do antigo teatro de revista) Virgínia Lane deu sua versão. Amante de Vargas por 15 anos, ela disse que estava com o presidente na cama quando ele foi alvejado por capangas de Carlos Lacerda. Ela explicou que precisou fugir com Gregório Fortunato. Na época, Virgínia também anunciou a conclusão de um livro sobre o assunto, mas a obra nunca foi publicada
8. QUEIMA DE ARQUIVO
Gregório Fortunato, preso durante as investigações do atentado a Carlos Lacerda, também foi silenciado repentinamente. Em 1962, prestes a receber liberdade condicional por bom comportamento, ele foi esfaqueado até a morte por outro detento. O ex-segurança pessoal de Getúlio Vargas tinha dito que estava escrevendo um diário – que, no entanto, jamais foi encontrado
Por outro lado…
Interpretação dos fatos é essencial nesse caso
- Vargas sabia da gravidade da situação e que não seria possível escapar da vergonha de um inquérito público
- Ele sinalizava estar disposto a autopunições desde 1930, quando, pelo menos três vezes, escreveu no diário que, se seus planos para o país falhassem, pagaria com a própria vida
- Em nenhum momento o quarto foi interditado para exames periciais aprofundados. Na verdade, o cômodo foi tomado por parentes, membros do governo e repórteres
- O Radical faliu porque o Banco do Brasil descobriu que seus cofres estavam sendo esvaziados ilicitamente para financiar o jornal
- O depoimento de Virgínia Lane jamais foi levado a sério por historiadores e memorialistas da vida política e cultural brasileira
- Gregório Fortunato não poderia estar presente na cena do crime, pois àquela altura estava preso na base do Galeão, onde passou 24 dias incomunicável
- Os criminalistas trataram a morte de Vargas como suicídio. Mas isso não está explícito no atestado de óbito: “ferimento penetrante da região precordial por projétil de arma de fogo”
- Mas é consenso entre historiadores que foi suicídio. Ao se matar, Vargas supunha que triunfaria sobre os militares, apoiados por civis ligados à UDN. Além disso, ele acreditava que viraria um mártir
FONTES Livros Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, pós-1930, da Fundação Getúlio Vargas, O Golpe Começou em Washington, de Edmar Morel, e Getúlio (1930-1945), de Lira Neto; acervo digital do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas