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9ª Conferência Internacional de Aids: Perguntas sem resposta

Sem saber direito como o HIV se comporta no organismo, os cientistas admitem: precisam resolver algumas questões básicas sobre a doença, antes de retomar a corrida atrás de vacinas e drogas. Senão, a busca de novos tratamentos poderá ser inglória. Essa foi a principal conclusão da conferência internacional que reuniu 14 000 especialistas na Alemanha.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h34 - Publicado em 31 jul 1993, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira

Por que a cura da Aids ou mesmo uma vacina para evitá-la são tão difíceis de ser encontradas? Muita gente acha que sabe a resposta na ponta da língua. Quando surge o assunto, alguém invariavelmente saca a explicação de que o vírus responsável pelo mal, o HIV, é um mutante de marca maior. Como vive se transformando, uma vacina eficiente contra o vírus de hoje talvez não seja capaz de deter o vírus de amanhã. Sem contar que existem tipos e subtipos diferentes de HIV. Mas essa justificativa, só, não basta. Aliás, ao contrário do que muitos imaginam, de todas as questões que envolvem a Aids, hoje em dia, essa é a que mais desperta o otimismo dos cientistas. Eles estão confiantes em ter encontrado aquelas moléculas do vírus menos sujeitas a alterações e, nelas, concentram as esperanças de produzirem uma vacina. Em compensação, os pesquisadores ainda colecionam uma série de dúvidas que, essas sim, são o motivo da dificuldade para barrar a ação do HIV no organismo. Isso ficou claro durante a IX Conferência Internacional de Aids, realizada em Berlim, na Alemanha.

Ali, a arquitetura moderna do Centro Internacional de Convenções não ajudou: entre os dias 7 e 11 de junho passado, 14 000 pessoas de 166 países, perdiam-se como em um labirinto, esbarrando-se pelos corredores e pelas dezenas de escadas, à procura das salas em que se apresentaram 800 palestras. Muitas vezes, desistiam no caminho, aproveitando para trocar idéias com outros participantes. Só que o tom animado dessas conversas informais, cujo tema era quase sempre trabalho, acabou se transformando no final do evento. Pois, dessa vez, ninguém traria para casa a promessa de uma nova droga ou tratamento. Em seu lugar, a bagagem de volta conteria os dados atualizados sobre o avanço da pandemia, incomparáveis com o número tímido de pessoas atingidas por programas de prevenção, ao redor do mundo. A conferência também destacou, em diversos debates, o crescimento acelerado de casos de Aids entre mulheres heterossexuais, que durante muito tempo ficaram fora da mira de campanhas contra a doença. Mas, sobretudo, o encontro berlinense deixou no ar uma lista de indagações. “Hoje, temos muito mais incertezas do que tínhamos há um ano”, concluiu o professor alemão Karl-Otto Habermehl, chairman da conferência.

O que causa o colapso do sistema imunológico?

Ninguém duvida de que o principal registro da ação do HIV seja a queda das chamadas células CD4 no sangue. Estas são verdadeiros generais no exército de defesa do organismo e comandam as batalhas contra uma série de inimigos invasores, feito vírus, fungos e bactérias. O que não se sabe, porém, é como o HIV provoca a derrocada das CD4. A explicação mais simples é de que o vírus as destruiria diretamente, ou seja, ao infectá-las, ele induziria a sua explosão. No entanto, nos pacientes aidéticos, os cientistas encontram muito mais células CD4 arrasadas do que vírus soltos no sangue, o que dá margem para teorias sobre mecanismos indiretos do HIV.

Há cinco anos, o imunologista Jay Levy, da Universidade da Califórnia, Estados Unidos, encontrou um tubo de ensaio peculiar, entre as dezenas de vidrinhos espalhados em seu laboratório, onde cultivava o vírus da Aids. Naquela amostra específica, os vírus pareciam ser capazes de matar células sadias, ou seja, que não haviam sido infectadas por eles. “Desde então, passei a desconfiar de que o HIV seria uma espécie de chefe de quadrilha, que nem sempre realiza as suas maldades pessoalmente”, conta Levy a SUPERINTERESSANTE. O pesquisador não parou de investigar essa suspeita. No início deste ano, ele implantou células do sistema imunológico humano em ratos. Em seguida, os animais foram infectados por grupos diversos de HIV. “Os ratos que receberam os vírus capazes de agir indiretamente ficaram doentes num período muito mais curto do que os outros animais, cujos vírus eram hábeis em destruir as CD4 de maneira direta”, garantiu o cientista, em sua palestra. Por causa disso, Levy especulou que os supostos mecanismos indiretos do HIV seriam mais nefastos do que o seu ataque direto. “Além disso, notei que não há uma correlação clara entre o ritmo de multiplicação dos vírus e a velocidade com que as células imunológicas despencam.”

Levy e outros renomados colegas suspeitam de que o HIV poderia mandar uma mensagem química para outros tipos de células defensoras, como as chamadas células T. Estas, então, passariam a estranhar as CD4, atacando-as como se não fossem companheiras de um mesmo organismo. “O HIV pode disparar uma reação auto-imune”, resume Levy. Outros cientistas, como o francês Jean-Luc Montagnier, do Instituto Pasteur de Paris, apostam na teoria da apoptose — nome que os especialistas dão para o fenômeno em que as células se suicidam. “O suicídio das CD4 seria desencadeado pelo vírus na corrente sangüínea”, diz ele, que, apesar de ter demonstrado a existência da apoptose na presença do HIV — em tubo de ensaio, bem entendido —, não consegue convencer a comunidade científica de que este seja o mecanismo central da Aids.

O próprio Robert Gallo, do Instituto Nacional de Saúde, nos Estados Unidos — que perdeu para Montagnier a glória de ter sido o primeiro cientista a isolar o HIV, depois de uma longa disputa judicial —, até a conferência do ano passado definia como “pura besteira” todas as idéias sobre mecanis-mos indiretos. Em Berlim, no entanto, ele mostrou ter mudado radicalmente de opinião: “Dizia aquilo com medo de que as pessoas se confundissem e deixassem de ver o HIV como causador da doença”, explica. “Mas reconheço que precisamos de uma quantidade muito pequena de vírus para liqüidar com um enorme batalhão de CD4. Isto é, as coisas não podem ser tão simples e diretas, como acreditávamos no passado.”

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Como é possível impedir a replicação do vírus?

Foi a rigorosa Food and Drug Administration (FDA) — a agência do governo americano que controla a aprovação de medicamentos — que, em 1989, liberou o uso do AZT em pessoas infectadas, cujo organismo ainda não manifestava sinais da doença. Em abril passado, porém, cientistas ingleses e franceses divulgaram os resultados do chamado estudo Concorde: eles passaram os últimos três anos estudando 1 749 casos e concluíram que a droga anti-HIV mais famosa e antiga não traz benefício algum para esses pacientes assintomáticos.

Essa informação, embora já tivesse sido publicada, continuou ecoando durante o encontro internacional na Alemanha. E não é para menos. Nos países industrializados, quase metade dos portadores de HIV diagnosticados — isto é, sem contar as pessoas que ignoram estar infectadas — engolem comprimidos de AZT diariamente, na esperança de que a droga adie as manifestações da Aids. “Existem, de fato, pessoas que são muito mais resistentes à instalação da doença do que outras. Mas isso não tem nada a ver com o uso do remédio”, garante o médico Ian Weller, da Universidade de Londres, na Inglaterra, que foi um dos coordenadores do estudo. “O Concorde, no entanto, não está recomendando que pessoas aidéticas deixem de tomar o AZT”, ele chama a atenção. “ Não estudamos o caso dos doentes, mas o dos soropositivos.”

É público e notório, contudo, que as drogas antiHIV existentes — no caso, a DDI, a DDC e o próprio AZT — obtêm efeitos bastante limitados. Estão longe, muito longe, de representar o controle da Aids. Esses medicamentos, ao bloquear uma enzima do HIV, impedem que a molécula de RNA do vírus, seu material genético, seja traduzida para uma molécula de DNA; esta, sim, capaz de se infiltrar no núcleo da célula infectada, para tomar-lhe os comandos. Esse magnífico feitiço farmacológico dura pouco. Ou melhor, dura algo em torno de um ano, tempo em que esses remédios prolongam a vida dos pacientes. Passado esse período, o HIV costuma dar um jeito de traduzir o seu RNA sem a ajuda da enzima bloqueada. Ocorre que a transformação do DNA em RNA não é o único momento crítico para o vírus: “Na realidade, sua multiplicação envolve uma dúzia de passos. Atrapalhar qualquer um deles significa evitar a replicação do HIV”, conta o professor Gary Nabel, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.

Há cinco anos envolvido exclusivamente com essa linha de pesquisa, Nabel diz que já foi experimentada uma série de outras estratégias para barrar o crescimento do HIV. “Elas fazem efeito em tubo de ensaio. Nos testes clínicos, porém, a história é outra”, lamenta. Isso, no entanto, não chega a abatê-lo: “Precisamos saber qual desses doze passos, uma vez impedido, deixará o vírus sem saída. Pode ser que tenhamos de colocar obstáculos em duas ou três etapas de sua reprodução ao mesmo tempo”, supõe. “Mas tem de haver uma espécie de xeque-mate bioquímico.” Ele afirma que os cientistas continuam fazendo alguma coisa errada — e não fazem a menor idéia de onde estaria esse erro.

Como saber se uma droga contra Aids está fazendo efeito?

O maior debate provocado pelo estudo Concorde em Berlim, no entanto, não foi a respeito do uso do AZT. Na verdade, ao questionar a validade do remédio para aumentar a sobrevida dos pacientes, o trabalho franco-britânico abalou uma das crenças mais fortes dos especialistas em Aids — a de que a contagem das células CD4, feita através de um exame de sangue, serve para apontar o estágio da doença. “Será que podemos continuar confiando nesse marcador?”, indaga o professor Maxime Seligmann, do Hospital Saint Louis, em Paris, na França. Marcadores é como os cientistas chamam, de modo geral, aquelas substâncias existentes no organismo que, uma vez medidas, indicam se determinada doença está avançando ou regredindo. No caso da Aids, como as células atingidas pelo vírus são as CD4, parecia lógico que elas pudessem servir como marcador.

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Mas Seligmann volta a se referir ao Concorde para justificar sua desconfiança: “Nesse estudo, as células CD4 voltaram a crescer, nos pacientes que tomavam o AZT. Eles chegavam a ter, em média, trinta CD4 a mais por mililitro de sangue, em comparação com o grupo de pacientes que não havia recebido a droga. Ainda assim, os usuários do AZT não pareciam mais saudáveis do que esses outros.” Daí que Seligmann e outros cientistas presentes à conferência apontaram a hipótese de que as CD4 extras, que os pacientes adquirem após tomar remédios anti-HIV, não seriam competentes na função de defender o organismo. “Elas só fazem volume, porque não trabalham direito.” Se o crescimento das CD4 for ilusório, isso irá mudar o requisito número um para se aprovar uma nova droga — que, até então, era a sua capacidade de aumentar o exército dessas células no sangue.

Como uma vacina pode proteger contra a Aids?

Os cientistas ainda não sabem qual parte do vírus eles poderiam usar para fabricar uma vacina eficaz — é ponto pacífico. Esse quebra-cabeça, porém, parece mais fácil de resolver do que outro: qual tipo de reação uma vacina deveria despertar no organismo? “Qualquer vacina deve provocar uma reação de defesa, mas há maneiras e maneiras de se defender”, explica Daniel Bolognesi, da Universidade Duke, nos Estados Unidos. Perseguidor implacável de uma vacina preventiva contra a Aids — ou seja, uma vacina aplicável a pessoas sãs, que nunca tiveram contato com o vírus —, Bolognesi conta que algumas delas estimulam a produção dos chamados anticorpos neutralizantes. “São moléculas, fabricadas pelo sistema imunológico, que se agarram como rolhas em determinados receptores do HIV”, descreve o cientista. “Com isso, o vírus não consegue entrar nas células CD4.”

Estudos com chimpanzés, porém, mostram que os anticorpos neutralizantes não são tão eficazes quanto parecem em teoria. “Qualquer mutação do vírus e eles podem deixar de fazer efeito”, reconhece Bolognesi. É por esse motivo que o cientista americano Jonas Salk — criador da vacina contra poliomielite que leva o seu nome — optou por buscar uma vacina que induziria o organismo a fabricar mais células T. “Essas células são capazes de uma luta corpo a corpo com o vírus”, diz ele, que está testando sua fórmula contra Aids em pessoas já infectadas. “Minha intenção é diminuir o máximo possível a quantidade de HIV no organismo, para controlar a doença”, fala Salk. “Mas suponho que vacinas preventivas para pessoas sadias também possam usar essa estratégia de aumentar as células T. Ou, quem sabe, combiná-la com a estimulação dos anticorpos.” Hoje em dia, cerca de 1 500 pessoas em todo o mundo estão testando alguma vacina contra a Aids. Diante de tantas incertezas é impossível afirmar se alguma delas será bem-sucedida. Contudo, em ciência sempre há o inesperado. No final do século XVIII, por exemplo, o inglês Edward Jenner (1749-1823) criou a vacina da varíola. Na época, ele nem tinha como saber que era um vírus — este descoberto só um século mais tarde — o causador da doença.

Para saber mais:

A outra síndrome

(SUPER número 7, ano 2)

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Um inimigo na intimidade

(SUPER número 1, ano 3)

Aids hoje

(SUPER número 7, ano 6)

Explosão no Terceiro Mundo (SUPER número 9, ano 6)

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Intimidades pelo telefone (SUPER número 3, ano 7)

Heróis da resistência

(SUPER número 11, ano 9)

Aids a 1% da cura

(SUPER número 10, ano 10)

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“As pessoas teimam em estudar a Aids como se fosse uma doença, simplesmente. Ora, não se trata disso. Como o próprio nome diz, é uma síndrome, um conjunto de coisas ruins despencando ao mesmo tempo. Quem procura uma vacina tem de encarar essa realidade. Não podemos nos esquecer do vírus e do que ele causa em si. Mas, também, não podemos nos esquecer que tentamos evitar a derrocada de um organismo que reage diferente, por estar sendo atacado por diversos lados.”

Jonas Salk, Corporação da Resposta Imunológica, Estados Unidos

“Não conhecemos os mecanismos que disparam a doença na pessoa já infectada. E só um medicamento desenvolvido para agir exatamente nesse momento, o do gatilho, teria chances de apresentar resultados bastante satisfatórios em pessoas soropositivas, no sentido de evitar ou, ao menos, adiar os sinais da Aids.”

Anthony Fauci, do Instituto Nacional de Saúde, nos Estados Unidos

“Os responsáveis pela prevenção erraram feio. Porque, durante todo esse tempo, não deram tratamento especial às mulheres. As campanhas diziam apenas ‘use camisinha’. Mas nenhuma peça publicitária tentou convencer a mulher, especificamente, a não ter medo ou vergonha de dizer ‘não’ ao companheiro que se recusa a usar a tal camisinha.”

Anke Erhard, Centro de Estudos Comportamentais ligados ao HIV, do Instituto Psiquiátrico, Estados Unidos

“Experimentar formas de barrar a Aids, diante do desconhecimento atual, é como atirar no escuro, sem enxergar o alvo. No entanto, o fundamental é prosseguir nessas tentativas. Porque a pesquisa de novos tratamentos, nos seus erros e acertos, ajuda a compreender os mecanismos da doença.”

Robert Gallo, do Instituto Nacional de Saúde, Estados Unidos

“O crescimento assustador dos casos de Aids entre mulheres é acompanhado de perto pelo avanço da doença em crianças. Isso é lógico e merece ser explorado em campanhas para persuadir os homens a usar preservativos em suas relações extraconjugais, se estas forem inevitáveis. Além disso, a indústria precisa se preocupar com esse problema e se esforçar mais no sentido de desenvolver preservativos femininos.”

Marvellous Mhloyi, da Universidade do Zimbábue

Os números conhecidos

No ano 2000, existirão entre 38 e 110 milhões de pessoas infectadas pelo HIV. Essa enorme diferença na projeção é porque não se sabe se as campanhas de prevenção farão efeito. Hoje elas atingem apenas 6 milhões de pessoas

Oceania

Mulheres 5 000

Homens 27 000

Crianças 1 000

Total 33 000

Nordeste asiático

Mulheres 8 000

Homens 41 000

Crianças 1 000

Total 50 000

Sudeste asiático

Mulheres 1 605000

Homens 1 962000

Crianças 102 000

Total 3 669000

América do Norte

Mulheres 139 000

Homens 1122000

Crianças 15 000

Total 1 276000

África subSaara

Mulheres 5 822000

Homens 5 163000

Crianças 1 021000

Total 12006000

Leste europeu

Mulheres 2 000

Homens 22 000

Crianças 1 000

Total 25 000

Oeste europeu

Mulheres 142 000

Homens 692 000

Crianças 8 000

Total 842 000

Sudeste mediterrâneo

Mulheres 8 000

Homens 40 000

Crianças 1 000

Total 49 000

Caribe

Mulheres 184 000

Homens 277 000

Crianças 19 000

Total 480 000

América Latina

Mulheres 210 000

Homens 840 000

Crianças 36 000

Total 1 086 000

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