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A bolinha da vez

Esta será a Copa do doping? A nandrolona está sendo mais usada que nunca no futebol - mas a Fifa ameaça pegar os espertinhos, fazendo pela primeira vez exames de sangue

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h11 - Publicado em 31 Maio 2002, 22h00

Valmir Storti

Os maiores especialistas em antidoping costumam repetir: “O doping praticamente não existe no futebol”, “Quando o doping aparece é devido ao uso de ‘drogas sociais’, como maconha e cocaína.” O que se ouve é que os boleiros, por precisarem aliar força, resistência, velocidade e habilidade, no máximo usam estimulantes inibidores de cansaço para renderem por mais tempo. Um corredor dos 100 metros rasos ou um halterofilista podem virar uma montanha de músculos; um jogador que precisa correr quilômetros, dar piques e driblar ao mesmo tempo, não.

Se eram assim, nos últimos anos as coisas estão mudando um pouco. Quem já tem habilidade quer ficar mais forte e mais rápido para competir com os pernas-de-pau que conquistam espaço graças ao vigor físico e ganham a vida não deixando jogar quem sabe.

A nandrolona é a bola da vez para fazer fortões. Esteróide anabolizante, é cópia artificial do hormônio masculino testosterona. Faz aumentar a massa muscular, mas causa retenção de água e ataca o fígado, o coração, a próstata e as articulações. O usuário fica inchado, parece gordo. Virou escândalo em toda a Europa em 2000 e 2001. O holandês Frank de Boer, do Barcelona da Espanha, foi um caso. Na Itália houve outros 11, mas o uso passou longe de ser prioridade dos italianos. Estrelas da grandeza dos também holandeses Davids e Stam foram flagrados em jogos por seus clubes – Davids, da Juventus, em março de 2001, depois de um amistoso da Holanda contra a Turquia (assim como De Boer); Stam, da Lazio, foi descoberto em outubro. Acabaram suspensos. Além deles, o espanhol Guardiola e o português Fernando Couto receberam suspensão na Itália.

Neste ano, o presidente da Comissão Médica da Fifa, o belga Michel D’Hooghe, foi duro. “Não vejo por que o futebol deveria receber um tratamento especial em relação ao doping. Sei que alguns especialistas em doping têm migrado do ciclismo para o nosso esporte por causa do dinheiro que ele atrai, e quando algo como isso ocorre, temos que falar a respeito.” Em seus exames, a Fifa buscará localizar também a eritropoetina, a EPO, droga que faz a cabeça dos ciclistas, aumentando a quantidade de glóbulos vermelhos no sangue, facilitando a oxigenação e reduzindo o desgaste nas competições.

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É quase uma satisfação pública a uma notícia publicada este ano pelo diário francês L’Équipe: cerca de 20 seleções viajaram à França para a Copa de 98 carregando na bagagem medicamentos que continham dihidrocedina, furosamida, metoprolol e nandrolona, todas substâncias proibidas. Não foi possível impedir a entrada dos remédios porque as delegações alegaram ser para uso de membros da Comissão Técnica… e não dos atletas. Entre as citadas estavam Dinamarca, Espanha, Escócia, Estados Unidos, Holanda, Itália e Noruega como portadoras de trinitrina (substância que compõe a dinamite), que ajuda no ganho de velocidade e dá sensação de bem-estar. Segundo a reportagem, os holandeses já carregavam a nandrolona. Não se falou de Brasil.

Na Copa da França, os exames não apontaram nenhum caso de doping, apesar de um ano antes ter ocorrido o primeiro positivo na história das Eliminatórias, o do ucraniano Serguei Nagorniak – um ilustre desconhecido, como Ernest-Jean Joseph, o haitiano que, em 1974, se tornou o primeiro atleta pego dopado em Copas, na Alemanha. Em 1978, na Argentina, o surpreendido foi o escocês Willie Johnston. Já tinha ouvido falar dele? Mas do terceiro e último caso em Copas até hoje você se lembra: o argentino Diego Maradona foi apanhado com a boca na efedrina na Copa dos EUA, em 1994: suspensão de 15 meses. Foi um baque.

SANGUE BOM

Este ano, a Fifa tenta mostrar serviço. Já avisou que fará exames surpresa antes mesmo de a Copa começar, além de prometer exames de sangue, cujos resultados são mais rápidos. “Acho que o controle será tão rigoroso que os países vão fazer um controle anterior ao embarque, o que já ocorreu antes da Olimpíada de Sydney”, diz o médico e locutor esportivo Osmar de Oliveira, especialista em doping.

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Com o cerco se fechando para as substâncias ilegais, é possível que cresça o consumo de creatina, um aminoácido que gera polêmica há tempos, é proibido na França e cuja venda no Brasil foi vetada recentemente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. O fora-de-série francês Zinedine Zidane (desse você também se lembra, não é?) já afirmou que usava quando atuava pela Juventus, mas que agora, no Real Madrid, não usa mais. Quem entende garante que, bem dosada, ela é inofensiva (exceto para quem tem disfunção renal ou mulheres grávidas). Se ela acelera a recuperação de energia, diminui o cansaço e permite que o usuário treine mais e mais forte, ajudando a aumentar a força e a massa muscular, é porque tem as mesmas características da carne, onde é encontrada de forma natural, mas envolta em muita gordura – pesadelo de qualquer preparador físico.

Mais adiantado que a Fifa, o Comitê Olímpico Internacional já está mais preocupado com a evolução da engenharia genética e com a possível aplicação do hormônio insulínico IGS-1, por exemplo, por meio de um vírus-amigo, em músculos específicos à necessidade do paciente. O doping genético é a preocupação de quem trabalha com esportes de altíssimo rendimento, onde se buscam novidades que não possam ser detectadas por exames por não serem ainda conhecidas e identificáveis.

Por aqui, os esteróides apareceram em 1999. Foram pegos o zagueiro Scheidt (então no Grêmio, hoje no Corinthians) e o lateral-direito Clébson, do Bahia (morto em 2001 num acidente de carro, quando era jogador do Vasco).

ESTUDO INÉDITO

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Em parceria com o doutor Francisco Radler, coordenador do Laboratório de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ladetec), o médico Eduardo de Rose, maior especialista brasileiro no assunto, está finalizando um trabalho inédito sobre exames antidoping no Brasil, contando para quem, como, quando e quantos exames foram feitos no ano passado, além, claro, dos resultados apontados. Os números ainda não são definitivos, mas o estudo deve terminar com cerca de 1 500 análises, a esmagadora maioria feita para o futebol. O número de positivos é pouco representativo. “Faremos um balanço das análises. Estamos na média internacional, apesar de ser um resultado tendencioso, já que a maior quantidade de análises é do futebol, que, naturalmente, apresenta números menores de doping”, afirma Radler.

Menores, porém barulhentos, como os casos de Lopes, do Palmeiras, e Júnior Baiano, então no Vasco, que foram suspensos por quatro meses devido à presença de cocaína em seus exames. Ou como o caso do lateral-esquerdo Athirson, absolvido em julgamento por uso do estimulante femproporex em 2000. As constantes absolvições desencantam os médicos. “No profissionalismo do futebol de hoje, como ficaria um clube que contratasse um jogador por 10 milhões de dólares e o visse suspenso por dois anos devido a um doping?”, pergunta, sem se referir a caso específico, Alexandre Velí Nunes, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e que trabalhou no antidoping da Olimpíada de Sydney.

A relação comercial não é apontada apenas por quem é de fora do futebol. O belga D’Hooghe, da Comissão Médica da Fifa, aponta para a mesma linha: “Há atletas que jogam 90 vezes por ano, o que é uma loucura. O treinamento normal e nutrição não são suficientes para isso. Sempre peço na Fifa para pararem com isso, mas a medicina não é tão importante quanto os negócios, por isso, sou sempre derrotado”. Da mesma forma que perde quem segue o discurso do “jogo limpo” propagandeado pela Fifa.

O antidoping está custando os tubos

O Ladetec, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é o primeiro laboratório brasileiro credenciado pelo Comitê Olímpico Internacional. Cada exame custa cerca de 50 reais. Veja como é feito cada um deles

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Registra-se a amostra. A “chave” que identifica o atleta fica num envelope, lacrado na hora da coleta

Determina-se o pH (acidez) da amostra, para verificar se houve deterioração no transporte

Determina-se a densidade, para saber quanta urina será necessária para achar traço de droga

Um tubo recebe uma amostra para cada classe de droga:estimulantes, anabolizantes etc.

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Feita uma série de tratamentos (hidrólise, lavagem etc.), a amostra é transferida para tubos selados

Um cromatógrafo a gás acoplado a um espectrômetro de massa analisa tudo automaticamente

Frases

O caso mais famoso de doping no futebol: Maradona, na partida Argentina 4 x 0 Grécia, na Copa de 94. O argentino jogou sob o efeito de um coquetel de substâncias proibidas

O presidente da Comissão Médica da Fifa alerta: “Para jogar tanto, só treino e nutrição não bastam”

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