Bia Labate
É uma terapia que pode causar enjôos, vômitos e diarréia, mas que tem feito sucesso. Uma secreção venenosa da rã kambô (Phyllomedusa bicolor), usada por índios amazônicos como os katukina, os kaxinawá e os yawanawá, para melhorar a caça e combater a preguiça, está se espalhando na indústria farmacêutica e nos circuitos de medicina alternativa das capitais. E causando polêmica. “Nas cidades, o kambô tem sido receitado para combater todos os tipos de males, de tendinite a TPM, se afastando do contexto original da caça”, diz a antropóloga Edilene de Lima, da Universidade Federal do Paraná, que conhece os katukina há 15 anos. Só que não há nenhuma pesquisa científica que comprove a eficácia da terapia. Por esse motivo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária proibiu no ano passado qualquer propaganda do kambô. Várias empresas, no entanto, têm mostrado interesse em explorá-lo. “Já existem cerca de 70 patentes sobre usos de substâncias isoladas na secreção da rã. Os índios estão preocupados com direitos intelectuais”, diz a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, da Universidade de Chicago, Estados Unidos, que faz parte de um grupo do Ministério do Meio Ambiente que discute o problema. Ninguém tem idéia de como administrar o problema, só se sabe que ele não vai se resolver tão cedo. “Conhecemos o remédio há muito tempo, mas agora o homem branco se interessou por ele. Não dá mais para segurar”, diz o cacique katukina Ni-í, para explicar por que aplica o kambô em São Paulo. “É a gente que sabe usar direito”.
O segredo do Kambô
Um índio kaxinawá* conta os detalhes do ritual com a rã
“O kambô era um pajé que morreu e virou uma rã. Antes de morrer, ele disse: ‘eu vou ajudar a curar doenças’. Tem uma época do ano em que a rã canta e aí sabemos que é uma boa hora para caçá-la. Conhecemos o canto de todas as rãs. Antes de pegar, é preciso pedir licença – e só o pajé pode capturá-la. Depois, a gente bate na cabeça do kambô com um palito. Sai um ·leite·, que a gente deixa secar até virar um pó. Aí fazemos três furos no braço da pessoa e colocamos o pó em cima. É bom tomar de três a cinco litros de caiçuma (tipo de bebida) de milho aquecida antes. A injeção é boa para quem tá enpanemado (imobilizado, enfeitiçado) e não consegue caçar nem pescar. Não acha nada. Atira e não acerta. Também damos injeção quando a pessoa está doente. Em criança a gente não dá, só depois dos 12 anos de idade. O kambô prepara o espírito do caçador. Ele fica forte, renovado e feliz com a caçada. Pega até anta”
* Ele não quis se identificar pois seu povo “ainda não tem uma posição definida sobre a divulgação do assunto”