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A simpática desgraça do Grêmio

Tadinho do Grêmio? Voltando alguns anos, para os gloriosos 1995 e 1996, o que ouvíamos do Brasil? ¿Carniceiros do Sul¿ e ¿retranqueiros¿.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h12 - Publicado em 30 nov 2003, 22h00

Álvaro Oppermann

Na desastrosa temporada de 2003, sem títulos e ainda por cima virtualmente rebaixado, o Grêmio obteve pelo menos uma conquista, inédita nos 100 anos de história que comemora agora: a simpatia do resto do Brasil.

Quando a sorte do tricolor gaúcho começou a mudar, depois da boa temporada de 2002, me perguntei qual seria a reação da imprensa nacional frente à debacle gremista. Esperava desforra contra o time que ganhou muito nos últimos anos de Palmeiras e Flamengo, por exemplo. Para minha surpresa, a atitude foi de consternação. De um comentarista esportivo, cheguei a ouvir: “Tadinho do Grêmio”. Sem ironia. A declaração era feita com pesar.

Tadinho do Grêmio? Voltando alguns anos, para os gloriosos 1995 e 1996, o que ouvíamos do Brasil? “Carniceiros do Sul” e “retranqueiros”. No sucesso, o tricolor gaúcho angariava inimizades. Era um campeão sem carisma. Somente agora, na desgraça, o Grêmio, o time mais antipático do Brasil, desperta simpatia. E isso ensina algumas coisas sobre a alma brasileira e sobre a própria persona gremista.

As características do tricolor são opostas às do brasileiro. O brasileiro é humilde; o Grêmio e a sua torcida se revestem de um ar arrogante (especialmente de 20 anos para cá, quando o Grêmio foi hegemônico no futebol gaúcho e acumulou importantes conquistas nacionais e internacionais). Em qualquer congresso internacional, seja de médicos ou de fãs do Jornada nas Estrelas, a delegação brasileira é a mais animada. O Grêmio nunca é animado. Na vitória, sua torcida pode ser ruidosa. Animada, jamais. Não somos vibrantes; somos aplicados.

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O brasileiro é habilidoso. Já o jogo do Grêmio é movido pela força, pela garra. É possível dizer que o Grêmio é o mais argentino dos clubes brasileiros. O símbolo gremista é o Mosqueteiro. Mas ele nunca seria um brilhante espadachim como Athos. Bom de esgrima era o Flamengo de Zico, é o Santos de Robinho. Nunca teria a inteligência estratégica de Aramis, personificada no futebol pelo Tostão, pelo doutor Sócrates. O Grêmio seria antes um brutamontes como Porthos. A esgrima gremista sempre utilizou o porrete.

O Grêmio, no entanto, tal como Porthos, sempre foi robusto. Sua defesa sempre foi sólida. A fragilidade defensiva é um problema histórico do futebol brasileiro. Um problema que o Grêmio nunca teve. Para o Brasil, o indivíduo é mais importante que o sistema. Para o Grêmio, o conjunto é que vale. Vide discursos do Felipão – personificação da alma gremista – à frente da seleção brasileira que ele conduziu ao penta (um momento em que o Brasil todo experimentou como é torcer para o Grêmio).

O Grêmio, por tudo isso, é uma anomalia nacional. Era um time que não jogava bonito, mas também não tomava gol. Que mesmo ganhando tudo nunca deu show. A torcida gremista sempre teve muito orgulho disso. Pior, esfregava essa frieza eficiente na cara de um Brasil manemolente e menos organizado. Compare: se o resto do Brasil é a seleção da Nigéria, o Grêmio é a Alemanha.

Isso até este fatídico 2003. De repente, o Grêmio, com seu jogo de pouco lustro, deixou de ser inexpugnável e começou a tomar gols. Tornou-se a defesa mais vazada do Brasileirão. Passou a ser “saco de pancadas”. O Brasil, estarrecido, descobriu que o Grêmio era feito de carne e osso. E que era – suprema ironia – brasileiro!

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Fôssemos outro povo, este seria o momento da vingança. Porém, é outra nossa natureza. O brasileiro tem uma qualidade nobre, que é ao mesmo tempo nossa salvação e nossa danação. Ao contrário dos americanos, não incensamos o vencedor, não admiramos o cara que ganha tudo. Ao contrário: o êxito nos soa como provocação. Preferimos nos compadecer do perdedor; nossa empatia corre para quem está na pior.

Essa condição pode nos prevenir de ficar ricos como os nossos irmãos do norte. Porque não nos espelhamos em quem vai muito bem; adoramos a miséria. Por outro lado, essa qualidade assegura a nossa sanidade. Ela impede que a vida aqui se torne tão desumana e infernal quanto é nos Estados Unidos. Esse resquício de humanidade, essa capacidade de sermos solidários e nos enternecermos nos salva de sermos vencedores cruéis. Em suma: temos compaixão pelo próximo. Mesmo que o próximo seja o Grêmio, que não costuma ter compaixão por ninguém.

Espero, como gremista, que o Grêmio aprenda essa lição de humanidade dada pelo Brasil, para quando voltar a ganhar. Oxalá. Viva o povo brasileiro. E viva o Grêmio, mesmo na segundona.

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