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Calvície: a vaidade por um fio

A Medicina explica por que alguns homens vão perdendo os cabelos.Mesmo assim, não há cura para o problema. Aos carecas insatisfeitos só restam os tratamentos paliativos ou a cirurgia plástica.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 31 dez 1992, 22h00

Roberto Wüsthof

Para alguns homens vaidosos, acompanhar pelo espelho o desaparecimento do topete de cabelos pode ser uma experiência desesperadora. Mas, de fato, não deixa de ser bizarro esse complexo de Sansão, personagem cuja força se originava na vasta cabeleira. Do ponto de vista funcional, os cabelos são supérfluos: teoricamente, serviriam para proteger a cabeça contra o excesso de frio ou dos raios de sol. Só que, no caso, um simples chapéu poderia substituí-los e, com certeza, a raça humana sobreviveria se todas as pessoas fossem carecas. Apesar da pouca utilidade, os fios que emolduram o rosto adquiriram o status de ingredientes fundamentais da beleza. Essa valorização vem impulsionando a ciência a trabalhar a serviço da estética. Os especialistas em Tricologia, a área da Dermatologia que estuda pêlos e cabelos, se empenham na investigação da calvície, buscando tratamentos eficazes, embora ainda desconheçam a cura definitiva do problema.

Desde a Antigüidade já se tentava resolver a questão dos carecas. Papiros egípcios de 4000 a.C. recomendavam que se aplicasse no couro cabeludo a mistura de partes iguais de gordura de leão, hipopótamo, jacaré, cabrito e cobra. O imperador romano Júlio César (100-44 a.C.) sonhava recuperar seus cabelos apelando para outra fórmula exótica, cuja receita incluía ratos domésticos queimados, dentes de cavalo, gordura de urso e vísceras de veado. Nas culturas orientais, ao contrário, principalmente entre os budistas, os monges rezavam para ficar calvos — a queda dos cabelos era interpretada como o desprendimento dos sentimentos mundanos. Infelizmente, a calvície não é freqüente em homens de origem asiática, assim como é mais rara em negros. Já em homens brancos, a careca não é, definitivamente, característica de uma minoria. Calcula-se que aos 65 anos, oito em cada dez homens de cor clara sejam calvos.

Em geral, a redução dos cabelos se inicia ao redor dos 20 anos de idade. No final do processo, que pode acontecer em poucos meses ou se estender por vários anos, notam-se desde discretas entradas, no alto da testa, até a cabeça toda lisa, quando resta apenas um tímido rodapé de cabelos, sobre as orelhas e a nuca — existem, enfim, casos de calvície em graus variados. Mas carecas totais, que não têm um fio de cabelo sequer, são um caso à parte: “Não existe uma tendência hereditária para se ficar completamente careca”, explica o dermatologista paulista José Marcos Pereira, que há oito anos vem se especializando em calvície. “Essas pessoas perderam todos os cabelos por causa do estresse ou de certas infecções”, diz ele.Segundo o médico, no caso da calvície normal ou clássica, o primeiro sintoma que se pode perceber é o afinamento dos cabelos no alto do cabeça. Eles também vão ficando mais claros”, descreve. “Como, nessa região, a quantidade de fios em fase de crescimento é menor, a pessoa muitas vezes se dá conta, com certo espanto, que só precisa cortar os cabelos nas laterais.” A calvície, em si, não afeta a imagem de Pereira, que exibe uma farta cabeleira escura, onde despontam alguns fios grisalhos. “Mesmo assim, compreendo o drama de quem não gosta da idéia de se tornar calvo”, conta. “Alguns médicos menosprezam esse tipo de queixa, esquecendo que o fator emocional é tremendo.”Para entender o que está se passando, literalmente, na cabeça desses homens calvos, é preciso conhecer a estrutura de um fio de cabelo. Ela se inicia na chamada raiz, fincada na derme. A raiz engloba uma estrutura em formato de taça, conhecida por matriz, que contém um punhado de células epidérmicas em seu interior — a papila dérmica. Esta funciona como uma espécie de mestre-de-obras, ordenando a construção de um fio, o qual vai deslizando para fora da pele, à medida que vai crescendo. Os fios são elásticos e têm diâmetro entre 0,05 e 0,5 milímetro.

Esses comandos para que os fios aumentem de tamanho são na forma de substâncias ou mediadores químicos liberados pela papila”, explica Pereira. “Embora todas as papilas pareçam iguais, quando olhamos essas estruturas no microscópio, elas devem ser diferentes, de pessoa para pessoa, do ponto de vista bioquímico”, supõe o dermatologista. “Assim, conforme o conjunto de ordens químicas, teríamos um tipo de cabelo diferente.”Quando se faz um corte transversal em um fio, nota-se que ele tende a ser mais arredondado, quando liso; mais ovalado, se for crespo. “Durante a vida, ocorre uma constante renovação dos fios, através do ciclo biológico dos cabelos, realizado em três fases bem distintas”, ensina Pereira. “Na primeira fase, chamada anágena, que dura entre três e cinco anos, o fio não pára de crescer, graças à intensa proliferação celular na matriz.

“Passado o período de crescimento, o cabelo entra na fase catágena, em que o tamanho da raiz diminui. A última etapa é a telógena, em que o cabelo está na sua reta final, repousando de quatro a seis meses antes de se desprender. Nesse período, uma matriz novinha em folha, recém-criada pela papila, produz um outro fio, que dará o empurrão final para aquele fio antigo, telógeno, cair fora. “No couro cabeludo normal, cerca do 80% dos fios estão na fase anágena, 20% na telógena e uma proporção insignificante na catágena”, calcula Marcos Pereira.

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No entanto, no caso da calvície, o ciclo biológico sai do compasso: em outras palavras, muda a duração das fases. Os principais culpados são os hormônios sexuais masculinos, que agem num solo fértil de predisposição genética. “No passado, acusou-se a circulação sangüínea, a oleosidade, fungos, bactérias e uma infinidade de outros fatores. Mas nenhuma dessas teorias conseguiu se sustentar”, comenta Pereira.Atualmente, os médicos sabem que a verdadeira responsável é uma enzima chamada alfa-redutase, presente nas células em maior ou menor quantidade, conforme a bagagem genética. Essa enzima transforma a testosterona, hormônio masculino carregado até ali pela circulação sangüínea, em uma substância de nome complicado — a deidrotestosterona, cuja ação é fatal para os cabelos. Graças a ela, os fios em plena fase de crescimento se tornam precoces fios telógenos. Para conhecer a proporção entre um e outro tipo de cabelo, os médicos realizam o tricograma: eles arrancam aproximadamente 100 fios de cabelos para examiná-los ao microscópio.

O aumento na proporção de telógenos diagnostica a calvície. A qualidade dos cabelos anágenos também se torna diferente. Curiosamente, apenas os cabelos do topo da cabeça são acometidos pelo problema. “Nas raízes dos cabelos das regiões laterais e próximas da nuca há uma menor concentração da alfa-redutase. Portanto, ali, os fios sofrem menos com a ação dos hormônios masculinos”, explica o médico Munir Cury vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, em São Paulo. Daí que muitos cirurgiões, como ele, retiram os folículos pilosos ou raízes dessas regiões em seus pacientes para implantá-los na área calva. “Os cabelos implantados não voltam a cair, porque são originários dessas áreas com menos alfa-redutase”, garante.

O fato de o problema só afligir os homens também se explica pela Genética. “O gene da calvície é dominante no sexo masculino. ou seja, ele se manifesta mesmo quando herdado somente do pai ou só da mãe”, conta o geneticista Décio Cassiani Altimari, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Assim, por exemplo, o filho de um pai cabeludo pode se tornar careca porque o avô materno era calvo. As mulheres precisariam acumular dois genes da calvície para correrem o risco de perder os cabelos”, afirma. “E, ainda assim, essa herança se manifestaria na presença de hormônios masculinos. Como esses hormônios costumam ser muito baixos nas mulheres, os casos de calvície feminina são raros”.Teoricamente, para prevenir a calvície bastaria inibir a ação da testosterona, o que seria desastroso. A falta do hormônio tornaria o organismo do homem efeminado, além de causar impotência. Os cientistas, porém, buscam soluções alternativas: “Nos últimos anos, temos aplicado loções de uma substância chamada espironolactona nos pacientes”, conta o dermatologista José Marcos Pereira. “Trata-se de um diurético que, curiosamente, inibe a ação da testosterona, mas seu efeito é apenas local. Portanto, não oferece perigo.

“Os cirurgiões plásticos, de seu lado, não confiam nos tratamentos clínicos. E, na hora de dispararem suas críticas, o exemplo mais citado é o do minoxidil, remédio que virou moda entre os carecas, há cerca de três anos, e mais tarde engrossou o rol das charlatanices. “Com o uso dessa droga, nunca vi o cabelo de ninguém crescer”, declara o cirurgião Munir Cury. O minoxidil é, na realidade, um vasodilatador — ou seja, ele aumenta o diâmetro de veias e artérias. Quando isso acontece, a pressão sangüínea cai. O fato é que alguns hipertensos calvos que tomaram o remédio para aliviar o coração viram seus cabelos ressurgir como num passe de mágica. “De fato, em pacientes com menos de 40 anos, o minoxidil funciona”, atesta a dermatologista Helena Muraco, do Hospital das Clínicas em São Paulo. “A questão é que o remédio deve ser aplicado duas vezes por dia. durante dois meses, no mínimo. Isso faz muita gente desistir.” É a falta de disciplina dos pacientes que a médica acusa alguns casos de fracasso do medicamento. “Ele às vezes não tem efeito algum”, reconhece. “É uma incógnita para mim.

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” Alguns estudos sugerem que o minoxidil pode, de fato, ampliar a fase anágena, retardando a queda dos cabelos. Mais tarde, no entanto, a pessoa fica careca — não há saída. “Ao melhorar a circulação sangüínea, é como se o remédio fornecesse fôlego extra às células da matriz, quando o processo da calvície está no início. Em fases adiantadas o medicamento não funciona”, adverte o dermatologista Pereira.

Na opinião do cirurgião plástico César Isaac, da Beneficência Portuguesa em São Paulo para se voltar a ter cabelos é preciso recorrer ao bisturi: “O procedimento mais popular, hoje em dia, é o micro implante” revela. “Os cabelos são retirados da porção posterior da cabeça e implantados um a um na área nua.

” Outra cirurgia bastante aplicada usa a técnica de retalho: os cirurgiões soltam uma área lateral do couro cabeludo, para esticá-la até o topo da cabeça. Trata-se de uma operação mais complicada. mas alguns pacientes acreditam que o sacrifício compensa. Para alguns, afinal, cabelos são sinônimo de juventude e auto-estima. É por este enfoque, aliás, que o dermatologista Albert Kligman da Universidade da Pensilvânia, em Filadélfia, Estados Unidos, defende fervorosamente a idéia de que os cerca de 200 000 fios de cabelos de uma pessoa não deveriam ser considerados um produto supérfluo da natureza. Para justificar seu ponto de vista, revela dados surpreendentes de que homens carecas vivem menos: em um estudo estatístico, ele verificou que a saúde das pessoas que se consideram bonitas e atraentes anda muito melhor do que a de quem fica remoendo os seus complexos diante do espelho.

Para saber mais:

Tudo beleza. A ciência dos cosméticos

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(SUPER número 1, ano 11)

Uma questão de curto prazo

Quando uma pessoa nota o início da calvície, não significa que o crescimento de seus cabelos tenha desacelerado. Na matriz onde o fio de cabelo é montado, célula por célula, o ritmo de produção continua o mesmo de sempre — essa velocidade, aliás, é determinada pelos genes. Ocorre que, no caso dos calvos, o período de trabalho vai ficando cada vez menor. Ou seja: depois de quatro anos sem visitar o barbeiro, um homem cujos cabelos crescem 1 centímetro por mês terá uma longa cabeleira de 48 centímetros de comprimento. No entanto, se o período de crescimento dos cabelos, chamado fase anágena, passa a durar apenas três anos, os cabelos só têm tempo suficiente para alcançar 36 centímetros de comprimento e assim por diante.Enquanto isso acontece, por sua vez aumenta a duração das outras duas fases, em que o cabelo se prepara para cair. Resultado: os fios tendem a ficar mais finos e mais claros. No final de todo o processo, quando os cabelos só têm poucas semanas de prazo para ganhar tamanho, eles só conseguem atingir pouquíssimos milímetros. “Por isso, é errado dizer que a área calva não tem cabelos”, diz o dermatologista paulista José Marcos Pereira. “Na verdade, o calvo exibe uma lanugem tão fininha e clara, que mal se percebe.”

Vários tipos de causas

Vinte ou trinta dias podem ser suficientes para o desastre: os cabelos começam a cair, até não restar nem sequer um único fio. Existem os chamados carecas totais — que os médicos preferem chamar de alopecias totais — não são determinados pelos genes. Netos e filhos de pessoas cabeludas podem exibir a cabeça inteira lisa, por causa de algumas doenças infecciosas, radiações ou certos médios para câncer, que costumam destruir a raiz dos cabelos. Existem ainda pessoas totalmente carecas devido a fatores emocionais: os cientistas garantem que situações estressantes provocam a perda de cabelos. Eles observam que, muitas vezes, tudo não passa do que chamam de eflúvio, a queda esporádica dos cabelos, percebida quando, por exemplo, a pessoa arrisca passar o pente. No entanto, há estressados que ficam completamente carecas — e o problema poderá não ter volta se a matriz do cabelo estiver morta. Resta aos pesquisa dores detectar quais substâncias, secretadas no organismo em situações de tensão, são capazes de matá-la.

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