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Comida nua e crua

Conheça o crudicismo, doutrina alimentar que afirma que a única dieta saudável é a que se compõe de vegetais, frutas e legumes crus

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h02 - Publicado em 30 set 2000, 22h00

Flávio Dieguez

Os hippies, no auge dos anos 60 e 70, desprezavam o relógio, tinham pouco apreço pelo chuveiro e preferiam uma barraca no mato a uma cama na cidade. Mas sempre levavam uma panela em suas mochilas. Afinal, era com ela que preparavam seu prato típico: macarrão com sardinha. Nem eles, portanto, com toda a sua rebeldia e gosto pela derrubada de padrões, conceberam insurreição tão original contra os hábitos domésticos quanto o que prega o crudicismo: a deposição do fogão.

O crudicismo é uma dieta que proclama que as refeições de pessoas saudáveis devem se compor unicamente de plantas tal como estão na natureza – cruas. Cozinhá-las, assá-las, fritá-las, nem pensar. Carne – mesmo crua –, ovos e laticínios, também são proibidos: o crudicismo os considera venenos disfarçados.

“Quem quer que tenha começado a cozinhar, há 40 000 anos, não percebeu que nós não fomos feitos para comer comida preparada”, diz Ed Douglas, diretor do American Living Foods Institute, baseado em Glendale, Califórnia, um crudicista com mais de 20 anos de estrada. “Nosso desenho, como o dos outros animais, prevê a ingestão de alimentos em sua forma natural.” Eis a idéia que está na base do crudicismo: o corpo precisaria de enzimas presentes nos alimentos crus para auxiliar a digestão desses próprios alimentos. Submetidas ao calor, essas enzimas deixariam de operar e o organismo teria que produzir mais das suas próprias enzimas, usando para tanto uma energia que poderia ser utilizada para outros fins.

Muitos especialistas duvidam da teoria crudicista. Basicamente porque está provado que a digestão depende muito mais das enzimas produzidas pelo organismo do que daquelas presentes nos alimentos. Mas também porque há casos em que cozinhar o alimento pode beneficiá-lo. Pesquisadores da Rutgers University, em Nova Jersey, Estados Unidos, publicaram recentemente um estudo que mostra que a quantidade de ferro que pode ser absorvida pelo organismo humano cresce de 6,7% no repolho cru para 27% no repolho cozido. No caso dos brócolis, o ganho é ainda maior: de 6% para 30%. Outra importante crítica ao crudicismo parte do fato de que levar a comida ao fogo não deixa de ser um gesto profilático. Afinal, há dezenas de microorganismos presentes nos vegetais crus, como a salmonela e a ciclospora, que são geralmente eliminados no cozimento.

A dieta crudicista também pode implicar problemas por ser exclusivamente vegetal. “Os vegetais estão longe de ser alimentos ideais”, diz a médica nutróloga Vânia Assaly, da Associação Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. “Só na carne o organismo humano encontra diversas matérias-primas de que precisa para fabricar compostos muito importantes ao seu funcionamento.” Para ficar num único exemplo, sem uma substância chamada tirosina, ausente nos vegetais, não há comunicação química adequada entre as células do cérebro. “O raciocínio fica mais lento e a agressividade aumenta”, afirma Vânia.

Mas também há argumentos científicos que corroboram a tese crudicista. “É certo que o fogo destrói nutrientes e fibras importantes dos alimentos”, diz Vânia. “Até 40% das proteínas pode subir com a fumaça.” Ao lado disso, segundo um estudo, publicado em 1998 pela revista americana Epidemiology, uma dieta rica em alimentos crus e em frutas pode reduzir o risco do aparecimento de cânceres como o de mama e o de cólon. Outro estudo, publicado no British Medical Journal em 1996, sugere que a ingestão de frutas frescas reduz em 24% as chances de ataque cardíaco.

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Seja como for, o crudicismo tem encantado cada vez mais americanos em busca de bem-estar, purificação do corpo, longevidade e de uma vida mais cheia de energia. (Entre as tribos californianas mais alternativas há até a disputa para saber quem come mais “cru”, o que dá status.) Em San Francisco, já existe até restaurante crudicista cinco estrelas. No cardápio do Organica, um dos campeões de pedidos é o Salmão, uma mistura de cenouras, castanhas, cebola e a erva aromática dill. “A nossa clientela está crescendo”, afirma o gerente do Organica, Larry Weinstein, convertido ao crudicismo há quase dez anos. “Estamos recebendo visitantes de outros estados e mesmo de outros países.”

O movimento, engrossado por celebridades como Demi Moore e Robin Williams, pode ser medido também pelo aparecimento de lojas crudicistas. Nas prateleiras, azeitonas gregas coexistem com livros e vídeos sobre saúde, ioga e filosofia naturalista; e sementes aparecem ao lado de pacotes turísticos para qualquer lugar razoavelmente “selvagem”, nos quais se possa tomar muito sol, caminhar pelo mato e relaxar algumas horas em termas naturais. É o caso da loja Nature’s First Law (A Primeira Lei da Natureza), de San Diego, Califórnia, que é, hoje, o mais agitado foco de irradiação do crudicismo. “Embora não existam estatísticas precisas, a dieta crudicista já encanta um segmento ponderável da população”, diz um dos donos da Nature’s First Law, o ex-advogado e ex-vendedor de imóveis californiano Stephen Arlin. “Já somos alguns milhões nos Estados Unidos e muitos milhares na Europa e na Austrália.

Além de vender produtos neo-verdes, Arlin também é co-autor do best-seller homônimo, Nature’s First Law: The Raw-Food Diet (A Primeira Lei da Natureza: A Dieta de Comida Crua), ainda inédito no Brasil. O livro, assinado junto com os dois co-proprietários da loja de San Diego, Foud Dini e David Wolfe, já vendeu mais de 400 000 cópias nos Estados Unidos. “O livro revelou o interesse do público pelo crudicismo e chamou a atenção da grande imprensa para o trabalho que fazemos.” De fato, o assunto tem sido objeto de matérias em jornais como o USA Today, em revistas como a The New York Times Magazine e em canais de televisão como a CNN.

Se o crudicismo é só mais uma moda californiana ou o resgate histórico de uma dieta alimentar com grande poder de prevenir doenças e de aumentar o bem-estar, só o tempo e o avanço das pesquisas dirá. O certo, por ora, é que aquilo que comemos influi – e muito – na preservação (ou não) da nossa saúde. Portanto, vale a pena ficar ligado.

Para saber mais

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Na livraria: Raw, the Uncook Book Regan Books, 1999

Nature’s First Law: The Raw-Food Diet Maul Brothers Publishing, San Diego, 2000

Evolução Humana

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Roger Lewin, Atheneo Editora, São Paulo, 1999

Na Internet:

All Raw Times

https://www.rawtimes.com

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https://www.rawfood.com

https://www.beyondveg.com

fdieguez@abril.com.br

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Jogue fora o seu fogão

Conheça seis regras básicas da doutrina crudicista, extraídas do livro Nature’s First Law: The Raw-Food Diet (A Primeira Lei da Natureza: A Dieta de Comida Crua), do americano Steven Arlin

1. “Todo bom crudicista seleciona três tipos de comida: verduras, como agrião, alface e rúcula; frutas doces, que incluem melões, abacaxis e laranjas; e frutas oleosas, entre as quais estão abacate, castanhas e azeitonas secas. Pense nesse trio como as três pontas de um triângulo cujo centro é um ponto de equilíbrio que cada um precisa encontrar. Eu como 60% de frutas doces, 30% de verduras e 10% de frutas oleosas.”

2. “Quanto mais sedentário você for, mais verduras você deve comer. Quanto mais ativo, mais frutas doces deve ter no cardápio. E não diversifique muito as suas escolhas. Na natureza, você não vai encontrar uma laranjeira ao lado de uma parreira.”

3. “Evite ao máximo as plantas híbridas – elas geralmente são criadas em tubos de ensaio e, se fossem largadas na natureza, seriam destruídas por bactérias, vermes ou pássaros. Não são tão nutritivas quanto as selvagens.”

4. “Guardar comida na geladeira é tão artificial quanto levá-la ao fogo. Evite fazer isso. A melhor maneira de escolher um alimento é colocá-lo na mão e perguntar: ‘É assim que ele existe na natureza?’ Se for, é um bom alimento. Caso contrário, lixo.”

5. “Uma boa maneira de iniciar-se no crudicismo é começar comendo plantas cruas um único dia. Depois, tente por uma semana inteira; a seguir, por um mês; e assim por diante.”

6. “É um mito comum que só a comida fornece energia. Errado. O corpo também precisa de amor, sol e ar. A melhor fonte de energia é, de fato, o ar. Inspirar profundamente diminui a necessidade que o corpo tem de comida. Sabe-se de pessoas que vivem no alto das montanhas e subsistem meses a fio exclusivamente de ar e de um pouco de neve.”

O evangelho crudicista segundo Stephen Arlin

O que vai pela cabeça do mais ativo promotor da idéia de que a melhor maneira de estragar um almoço é levá-lo ao fogo

Super – O que é preciso para se tornar crudicista?

Você não se transforma em um crudicista. Comer plantas cruas é uma vocação que todos os seres da Terra têm. Fomos feitos para comer comida crua, não cozida. Não é possível melhorar os alimentos que estão em estado natural. Muito menos por meio do fogo.

Que tipo de benefício o crudicismo traz?

O crudicismo melhora a visão, a audição e o olfato, faz com que as unhas e o cabelo cresçam mais fortes, dá mais resistência ao frio e ao calor, imuniza contra a luz solar e desperta os reflexos. O corpo se satisfaz com apenas cinco ou seis horas de sono por noite. Você pensa com mais clareza e lógica, afia a memória, ganha maior capacidade de concentração e mais criatividade. Não sofre tanto de estresse, não é tão individualista, tem mais energia sexual e o seu pênis fica maior.

Maior…?

Pois é. A lista vai longe.

Como você vê a produção de alimentos com a ajuda de fertilizantes e pesticidas? O que acha dos produtos transgênicos?

Acho tudo isso ridículo. A humanidade não pode melhorar as comidas naturais usando venenos e experiências de laboratório.

Qual é a sua opinião sobre os médicos. Você costuma consultá-los ou tomar remédios?

Obviamente, os médicos ainda têm um lugar na sociedade. Vou ao médico quando sofro um acidente de carro ou qualquer outro tipo de emergência potencialmente mortal. Mas os remédios são uma abominação.

Você vai de carro para o trabalho?

Acho que os carros são máquinas assassinas. Eu vou de carro para o trabalho, mas não gosto.

Não é contraditório se recusar a comer animais, mas não plantas e fungos como cogumelos, que também são seres vivos?

Os animais têm colesterol, ácido úrico e outras substâncias tóxicas para o organismo. Eu também não como cogumelos. Eles me dão arrepios.

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