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Fumaça global

Com 140 milhões de usuários e 5 000 anos de história, a maconha é a droga ilícita mais popular do planeta. E também a mais polêmica.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 31 ago 1998, 22h00

Claudio Angelo

A maconha é uma das drogas mais antigas que o homem conhece. Seu primeiro registro histórico, na China, data de 4 700 anos atrás. Hoje, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima em mais de 140 milhões os usuários espalhados pelo planeta. “É a droga ilícita mais consumida no mundo”, diz Maristela Monteiro, da OMS.

Apesar de tanto tempo de convívio, o homem ainda sabe pouco sobre a maconha. Seu princípio ativo, o delta-9-tetra-hidrocanabinol (THC), só foi isolado há 34 anos e pouco se conhece da sua ação no cérebro. Nas últimas décadas, essa ignorância gerou ilusões e preconceitos, alguns desfeitos pelo relatório que a OMS publicou sobre a maconha no ano passado. A ciência continua se debruçando sobre a erva maldita, para dar a palavra final.

Perigo real ou fogo de palha?

Houve tempo em que a simples menção da palavra “maconha” bastava para causar arrepios. Em 1964, ano em que o israelense Raphael Mechoulan identificou a principal substância ativa da droga, o THC, fumar maconha era sinônimo de vício, depravação e criminalidade.

À luz de mais de 2 000 pesquisas científicas, a maioria desses fantasmas virou fumaça. Os cientistas concluíram que a maconha não mata e que apenas 10% dos usuários caem no vício. No entanto, a brasa da polêmica em torno da droga ainda está longe de ser apagada. A própria OMS suprimiu do relatório sobre a canabis publicado no final do ano passado (SUPER, ano 12, nº 4) um trecho que concluía que a maconha é menos perigosa que o álcool e o tabaco. “A síndrome de dependência da maconha é muito menor que a das drogas legais”, diz à SUPER o psiquiatra Isac Karniol, da Unicamp, uma das maiores autoridades brasileiras no assunto. No Brasil, por exemplo, é uma droga legal, o álcool, que responde por 90% das internações por dependência. O que não significa que a erva seja inócua. Como qualquer droga, ela faz mal. Estudos mostram que a canabis pode causar câncer nos pulmões, atrapalha a memória e reduz a capacidade de abstração. Uma pesquisadora australiana concluiu este ano que, a longo prazo, pode provocar alterações sutis no cérebro. “Mas o maior perigo é o fato de ela ser ilegal, o que põe os usuários em contato com criminosos”, afirma Karniol.

Ela nasce que nem grama

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Natural da Ásia, a canabis se espalhou por todo o mundo. A planta se dá bem em qualquer clima que não seja muito frio. Hoje, ela é cultivada em todos os continentes. No sertão de Pernambuco (acima), apesar de ser crime, virou opção de sobrevivência para milhares de camponeses. Na Holanda, variedades como o skunk, com até cinco vezes mais THC, são produzidas em estufas, também ilegalmente (abaixo).

O paraíso dos assassinos

Na origem do haxixe, um grupo de fanáticos.

No ano 1100, uma seita de muçulmanos xiitas barbarizava o Oriente Médio, assaltando e degolando suas vítimas, sob obediência cega a um misterioso grão-mestre. A ordem fora fundada na Pérsia em 1090, por Hassan ibn-el-Sabbah. Ele ministrava a seus fiéis o haxixe, um fumo obtido a partir da resina e das flores da Cannabis indica, uma variedade da maconha. Sob efeito do alucinógeno, os fumantes acreditavam ter visões do Paraíso. Os seguidores de Hassan entraram para a História como os hasheesheens, ou “fumadores de haxixe”, termo que deu origem à palavra “assassino”. O haxixe se espalhou por todo o mundo islâmico, onde é consumido até hoje e de onde foi levado para a Europa. Mas saiu injustiçado da história. Ao contrário do que se imagina, ninguém sob influência da droga sai por aí cortando cabeças.

“Fumei, mas não traguei”

O presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, entrou para o folclore mundial da maconha em 1992, durante sua campanha eleitoral. Ao ser perguntado se havia fumado maconha na juventude, Clinton gaguejou: “É, sim, eu fumei, mas só uma ou duas vezes. E não traguei”.

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Ficha técnica

Nome

Maconha, haxixe, óleo de cânhamo.

Classificação

Alucinógeno e depressor do sistema nervoso central.

De onde se extrai

Plantas fêmeas da Cannabis, espécies sativa e indica.

Origem

Ásia Central.

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Formas de uso

Fumada ou ingerida.

Em marcha lenta

Como a canabis age no corpo.

Efeitos imediatos

1. Perda da noção de tempo e espaço, lentidão de raciocínio, euforia. Pode provocar depressão e crises psicóticas. Em doses altas, alucinações.

2. Dilatação dos vasos sangüíneos da supercície do globo ocular.

3. Taquicardia.

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4. Dilatação dos brônquios.

5. Perda de coordenação motora.

6. Aumento do apetite, especialmente por carboidratos.

Efeitos a longo prazo

1. A memória e a capacidade de raciocínio podem ficar prejudicadas em fumantes pesados. Pode causar danos sutis aos neurônios.

4. Quem fuma três cigarros de maconha por dia tem a mesma chance de ter câncer no pulmão de quem fuma vinte cigarros comuns.

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7. Ciclo menstrual desregulado nas mulheres.Fumar durante a gravidez prejudica o feto.

Medicina redescobre a erva maldita

O uso medicinal da canabis não é novidade. Em 2737 a.C., o imperador chinês Shen-Nung recomendava a maconha para enjôos, cólicas menstruais e como analgésico. Hoje, pesquisas indicam que ela é eficiente na cura das náuseas de pacientes submetidos a quimioterapia, no alívio do glaucoma (aumento da pres-são dentro do olho, que pode levar à cegueira) e para abrir o apetite de aidéticos.

“O THC melhora a qualidade de vida dos pacientes”, disse à SUPER o farmacologista Elisaldo Carlini, ex-secretário nacional da Vigilância Sanitária. Além do próprio THC, a canabis contém outras sessenta substâncias – os chamados canabinóides – que podem ter efeito medicinal.

O principal é o canabidiol, que tem a vantagem de não causar alucinações. Mas, dos laboratórios de pesquisa para os consultórios médicos, a canabis esbarra na lei. Afinal, não dá para receitar um remédio proibido. A solução da indústria farmacêutica foi o dronabinol, uma pílula de THC puro, não liberada no Brasil. Mas o psiquiatra americano Richard Musty, da Universidade de Vermont, acha que a maconha fumada pode ser muito mais eficiente do ponto de vista medicinal, devido à interação entre os canabinóides. Para o escocês Roger Pertwee, presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa de Canabinóides, o melhor a fazer é seguir o exemplo do Estado americano da Califórnia: liberar o uso medicinal da maconha.

Entortador de fechaduras

Como o THC afeta a comunicação no cérebro.

O cérebro possui sua “maconha” própria: é a anandamida (ananda, em sânscrito, significa “felicidade”), uma molécula descoberta há apenas cinco anos que parece ter relações com a memória e com a esquizofrenia.

1. Como o THC se parece muito com a anandamida, ele ocupa os seus receptores nos neurônios.

2. Lá dentro ele provoca uma reação elétrica que se propaga pelo neurônio.

3. Essa reação modifica temporariamente os receptores de moléculas, impedindo-as de se ligar à célula.

Na Holanda, uma liberação polêmica

“Afegã”, “libanesa”, “luzes do norte”. Estas e outras variedades de maconha e haxixe fazem parte do cardápio dos cafés da Holanda desde 1976, quando o uso e o porte de pequenas quantidades da droga foi descriminado. Os holandeses podem fumar nos bares, saboreando um inocente cafezinho, ou até mesmo na rua.

“Nos anos 70, o país percebeu que a prisão de jovens pelo uso de pequenas quantidades de maconha era o pior de todos os efeitos da droga”, diz à SUPER Arjan Sas, do Centro de Pesquisa de Drogas da Universidade de Amsterdã. Nos anos 90, há quem diga que a descriminação funcionou. Hoje, o país tem cerca de 300 000 usuários de canabis – de 2% a 3% da população –, um índice de consumo equivalente ao de outros países da Europa e menor que o dos Estados Unidos, onde a maconha, ilegal, é consumida por 5,3% da população. Em Amsterdã, um em cada três habitantes maiores de 12 anos já experimentou a erva. “Mas o número de usuários habituais não cresceu”, defende Sas. “As pessoas experimentam por volta dos 20 anos de idade e largam depois”, diz. Apesar disso, Sas torce o nariz para a repetição da polêmica experiência em outros países. “É preciso saber lidar com a droga.”

O que os holandeses ainda não sabem é como lidar com o tráfico. Apesar de o uso ser liberado, a produção e importação da maconha ainda dão cadeia. E os cafés holandeses acabam recorrendo a traficantes domésticos e estrangeiros para se abastecer.

O incenso de Jah

“Uma erva sagrada, que desperta a sabedoria interior e sintoniza com o Divino”. É assim que os rastafáris da Jamaica encaram o uso da canabis em seus cultos. Os rastas – que veneram o príncipe (ras, em etíope) Tafari – crêem que os negros são a reencarnação dos hebreus, submetidos aos brancos para pagar seus pecados. Eles fumam a ganja para chegar a Jah (Deus). Mesmo proibida, a erva é usada por 10% da população e se incorporou à cultura do reggae (na foto, o cantor Peter Tosh, morto em 1987).

A capital da maconha

As drogas fazem parte do dia-a-dia da Holanda. A própria palavra “droga” vem do holandês antigo droog, que significa “folha seca”. O país, onde se permite o porte de até 5 gramas de maconha, tem mais de 1 500 bares onde o consumo é livre (fotos), os famosos koffeeshops. Todo ano, em novembro, Amsterdã sedia a World Cannabis Cup, um torneio mundial de maconha, no qual fumantes do mundo inteiro se reúnem para degustar variedades novas da planta, criadas com esmero – e sempre ilegalmente – na Holanda e em outros países.

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