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Legais e perigosos

Quase não há restrições para o consumo de álcool e de tabaco. Mas essas substâncias também são drogas. E causam um estrago terrível.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 31 ago 1998, 22h00

O Brasil sofre o paradoxo das drogas legalizadas. Maconha é crime, mas cigarros podem ser facilmente comprados no supermercado. Tranqüilizantes precisam de receita médica, embora qualquer um possa relaxar com o álcool na festinha de batizado. Álcool e fumo são vendidos e consumidos no Brasil com facilidades banidas nos países desenvolvidos. O efeito dessa liberalidade é devastador. As drogas legais viciam, causam doenças, separam famílias e constituem graves problemas sociais e de saúde pública.

Cigarro

Como levar desvantagem em tudo

O tabaco é a mais insossa das drogas. Se a cocaína gera euforia e onipotência, o álcool alegra e desinibe e o LSD conduz a “viagens” sem destino, os efeitos da nicotina não podem ser chamados de “doces venenos”. Ao contrário das outras drogas, o coquetel de aproximadamente 4 000 substâncias contidas no cigarro – quase todas nocivas à saúde – é mais consumido por causa da dor que causa na ausência do que pelo prazer que proporciona na freqüência. As primeiras tragadas são, em geral, acompanhadas de náusea, tontura e ânsia de vômito. É preciso um certo esforço para “aprender a fumar”. Instalado o vício, nenhum fumante inveterado jura sentir-se mais vivaz, diligente, tranqüilo ou moderado à mesa por obra do cigarro. Mas, se não fumar, o dependente fica zonzo, ansioso, negligente e glutão.

A nicotina atua como estimulante do sistema nervoso central. No início, aumenta a vivacidade, reduz a ansiedade, expande a concentração e diminui o apetite. A longo prazo, o fumante não sente esses efeitos, mas sofre com a falta da nicotina. Para manter o equilíbrio emocional, ele fuma e se intoxica com substâncias como o monóxido de carbono, o mesmo gás letal do escapamento dos carros, presente na fumaça do cigarro. A nicotina estreita os vasos sangüíneos e libera os hormônios que aumentam a pres-são arterial – uma das causas do infarto. O alcatrão se acumula nos pulmões e causa enfisema, uma doença grave e incurável. O cigarro é ainda o responsável por 90% dos casos de câncer no pulmão e 30% de todos os tipos de câncer (veja infográfico na página 53).

Os homens-chaminés

Fumar ainda era um hábito raro na Europa quando se tornou moda nas altas-rodas graças às narinas de Sir Walter Raleigh (gravura ao lado), um guerreiro, historiador e poeta inglês. Atraído pela lenda da cidade de ouro de Eldorado, ele explorou a Ilha de Trinidad, no Caribe, e o Rio Orenoco, na atual Venezuela. Em 1595, fumou o cachimbo da paz com índios norte-americanos nas Ilhas Roanoke e levou a nicotina – e a batata –para Londres. Como um playboy renascentista, alvoroçava seus pares na corte da rainha Elizabeth I ao dar baforadas num longo tubo de madeira. A novidade assustou seu criado. Ao ver o patrão soltar fumaça pelo nariz, o serviçal acorreu com uma jarra de água para apagar o “fogo”. A novidade se espalhou rapidamente pela Europa. Os médicos, notando os efeitos relaxantes da nicotina, receitavam o tabaco como remédio. Os cigarros, que no início eram pequenos charutos embrulhados em papel, só se tornaram uma grande indústria no final do século XIX.

A vingança contra os caras-pálidas

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O cachimbo da paz existiu mesmo. Os povos do Novo Mundo tinham o hábito de oferecer a visitantes de intenções desconhecidas a oportunidade única de soltar fumaça pelas narinas.

O uso pioneiro do fumo e do cachimbo é atribuído aos maias, o que lhe confere uma origem aristocrática. Esse povo inventivo e refinado, que dominou a América Central durante quinze séculos, é tido como a primeira civilização do Hemisfério Ocidental. Os maias usavam o tabaco apenas em rituais. Dois marinheiros de Colombo, Rodrigo Jeres e Luiz de Torres, foram os primeiros europeus a esquentar os pulmões com a combustão da planta nativa da América. Eles deram baforadas num pau oco enfeitado com penas coloridas de pássaros selvagens e, entusiasmados, levaram mudas nos porões das caravelas. Diz a lenda que a Inquisição não gostou dos homens-dragões e pelo menos Rodrigo Jeres foi preso por feitiçaria. Talvez por isso, a novidade primeiro fez sucesso na Ásia e só um século depois enfumaçou a Europa. Em 1560, um embaixador da França em Portugal, Jean Nicot, contrabandeou mudas para Paris, com a advertência de que fumar fazia bem à saúde: curava verrugas e gangrena. Nicot deu nome à planta, batizada cientificamente pelo naturalista sueco Carl von Linné (1707-1778) de Nicotiana tabacum, em sua homenagem.

O francês também foi imortalizado no nome do alcalóide, a nicotina, isolado tempos depois. Cultivado no sul dos Estados Unidos e no Caribe, o tabaco logo se tornou o principal produto de exportação das colônias do Novo Mundo.

O glamour do vício

Hollywood fez do ato de fumar um gesto de elegância, um símbolo de status, uma cerimônia de sedução. Estrelas como Marlene Dietrich, Rita Hayworth, Lauren Bacall e Grace Kelly faziam filmes com o script e o cigarro na ponta da língua. Os magnatas apareciam sempre com um charuto na boca e, nos filmes de bangue-bangue, era comum o herói enrolar, solitário, o seu próprio cigarro. Humphrey Bogart em Casablanca (foto), de 1942, mantém um muro de fumaça entre ele e Ingrid Bergman. Bogart morreu de câncer no esôfago, em 1957, mas os estúdios não largaram o tabaco. A Associação Americana do Pulmão encontrou personagens fumantes em 77% de 133 filmes analisados. Influenciadas pelo cinema, gerações de adolescentes, no mundo todo, adotaram o cigarro como rito de passagem para a vida adulta – e não largaram mais.

A ofensiva antitabagista tirou todo o encanto do fumo nas telas. O cigarro sobrou para os tipos ansiosos e vilões como a Cruela Malvina dos 101 Dálmatas, dos Estúdios Walt Disney.

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Ficha técnica

Nome

Nicotina (cigarro, charuto, cachimbo).

Classificação

Alcalóide estimulante do sistema nervoso central.

De onde se extrai

Das folhas de mais de sessenta espécies de Nicotiana. As mais usadas são a rustica e a tabacum. A primeira é mais forte, mas a tabacum tornou-se preferida por seu aroma e sabor agradáveis.

Origem

América. Os maias, que constituíram um império na América Central, fumavam as folhas do tabaco em longos cachimbos de junco.

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Álcool

Um líquido sedutor e corrosivo

O álcool é uma droga tão antiga e poderosa que tem até um deus mitológico: Dionísio para os gregos, Baco para os romanos. O líquido-síntese da água e do fogo, celebrado pelos poetas, boêmios e escritores românticos, remonta a milhares de anos antes de Cristo. A Bíblia registra um porre de Noé. É a droga mais devastadora da humanidade, uma sereia que seduz e em seguida afoga suas vítimas.

Beber pode ser agradável sem prejudicar a saúde. O primeiro efeito é o bem-estar. Um drinque entorna alegria, desinibição, segurança. O álcool é uma substância que ultrapassa facilmente as membranas celulares e em minutos encharca todos os órgãos e tecidos. Mesmo o cérebro, protegido por fitros bioquímicos, é imediatamente invadido. Com uma dose, o fluxo sangüíneo aumenta, o coração acelera e há uma melhoria dos reflexos. A memória e a concentração ficam mais aguçadas. A maioria das pessoas fecha a garrafa nessa fase, mas 10% dos que bebem seguem em frente, e de estimulante o álcool passa a depressivo, de recreação torna-se doença. Os principais órgãos adaptam-se à devastação da bebida e pervertem suas funções originais. O fígado, que converte o álcool num produto ainda mais tóxico, o acetaldeído, fica escravo da bebida e acaba negligenciando o metabolismo dos alimentos, o que leva ao acúmulo de toxinas e de gorduras no sangue.

Os limites para quem quer beber sem abusar

Ao contrário das drogas legalmente proibidas, o álcool comporta uma “margem de segurança” entre a sobriedade e a embriaguez. Um adulto dificilmente fica bêbado com um copo de cerveja, mas duas ou três tragadas de maconha costumam alterar a cabeça de muita gente. Os médicos consideram moderado um consumo de até 40 gramas de álcool. Para saber quantas gramas você engole, faça a seguinte conta: volume de bebida consumida (em mililitros) x o teor alcoólico x 0,8. Em seguida, divida o resultado por 100.

Veja o limite do consumo moderado de algumas bebidas. O cálculo, aproximado, vale para um adulto com 70 quilos.

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CERVEJA

Uma garrafa de 750 mililitros

VERMUTE

Duas doses

VINHO

Três cálices

DESTILADOS

(uísque, vodca, cachaça) Uma dose

Sintomas que identificam o alcoólatra

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As sensações entre o último e o próximo gole determinam se uma pessoa tem uma doença grave e universal, catalogada pela Organização Mundial da Saúde como alcoolismo. No ano passado, os hospitais brasileiros registraram 80 000 internações motivadas pela bebida. Existem 15 milhões de alcoólatras no país. Dos dependentes internados em clínicas, 70% voltam a beber.

A maioria das vítimas se recusa a admitir o problema. Garante que “bebe socialmente” e pode parar quando quiser. É delírio de bêbado. O mal não é uma fraqueza moral e sim uma enfermidade crônica, que, de trago em trago, devasta a mente e o corpo. É ou está se tornando alcoólatra quem consome álcool compulsivamente, acorda nervoso, com náuseas e melhora depois de um trago, entorna antes do almoço, sente-se mais seguro e apto depois de um copo, ou esquece o que fez na bebedeira. Fatores hereditários, costumes sociais e o estresse empurram os indivíduos para a bebida, e a freqüência e o volume determinam a dependência. O álcool se torna o principal combustível físico e espiritual do depen- dente. A maioria pode passar dias sem comer, nutrindo-se da alta dose de energia da bebida. A sobriedade é um tormento. Se não beber, o alcoólatra tem crise de abstinência. Altera-se, irrita-se, ouve vozes, vê bichos, sofre temores e até mesmo convulsões. Para essa doença só existe um remédio conhecido: a abstinência total.

O amigo do coração

Um cálice de vinho às refeições enleva a alma e calibra o coração. Inúmeras pesquisas, das quais a mais famosa é a de S. Renaud e M. De Lorgeril, publicada na revista científica Lancet em 1992, sugerem que o álcool e outros componentes do vinho reduzem o risco de infarto. O levantamento indica que as doenças coronarianas são menos comuns na França do que em outros países europeus, apesar de todos terem os mesmos fatores de risco, como colesterol e pressão altos, gordura, tabagismo e sedentarismo.

A diferença é o gole diário de vinho. Outra pesquisa, no Insti-tuto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo, em 1996, revelou que coelhos aos quais foi dado vinho junto com a comida tinham uma incidência menor de arteriosclerose do que os que tomavam apenas água ou suco de uva. A dose recomendada – só para adultos – é de dois ou, no máximo, três cálices de vinho tinto por dia.

Ficha técnica

Nome

Álcool etílico.

Classificação

Depressor do sistema nervoso central.

De onde se extrai

O álcool é resultado da ação de bactérias (fermentação) sobre açúcares presentes o mel, em cereais e em algumas frutas.

Origem

Mundial.

Os fermentados surgiram na Pré-História. Existem registros da fabricação de cerveja no Egito que datam de 3500 a.C. Os destilados já eram fabricados na Índia há quase 3000 anos.

Saúde pública

Quando o prazer vira doença

Mais que um embate entre o vício e a virtude, o estonteante consumo das drogas legais mais comuns, o álcool e o cigarro, é, no Brasil, um grave problema de saúde pública. A dupla vicia, causa transtornos econômicos e sociais e mata. Uma projeção das estatísticas americanas indica que 10% dos brasileiros são alcoólatras e 35%, fumantes. Em geral, o indivíduo associa as duas práticas – com a ressalva de que, se fumar é vício, beber demais é doença classificada pela Organização Mundial da Saúde. O mal só se expande. Uma pesquisa feita em 1997 com estudantes do 1.º e 2.º graus das dez maiores capitais brasileiros revelou que 15% fazem “uso freqüente” de álcool e 6,2%, de tabaco. Os males causados pelas drogas legalizadas impõem custos pesados aos serviços públicos de saúde. O fumo causa ou ajuda a causar cerca de 25 doenças, como as cardiovasculares, que matam 300 000 brasileiros por ano. As estatísticas são precárias, mas mapeamentos localizados indicam que, além de devastar a saúde, o álcool é um problema social. Segundo o presidente nacional dos AA (Alcoólicos Anônimos), o psiquiatra Luiz Renato Carazzai, o álcool lota os prontos-socorros no fins de semana e esvazia as empresas nas segundas-feiras (os alcoólatras faltam dez vezes mais nesse dia do que os que não bebem). É responsável por metade dos internamentos em clínicas psiquiátricas e por 90% do total de internamentos por problemas de droga. A pesquisadora Gilka Fígaro Galtas, da Faculdade de Medicina da USP, concluiu que a bebida causa de 80% a 90% dos casos de câncer de boca.

Guerra ao tabaco

O cigarro está sob fogo no mundo inteiro. De um lado, os não-fumantes usam seus pulmões sadios para gritar contra as baforadas alheias. De outro, governos de pelo menos 120 países já impuseram restrições à publicidade ou ao ato de fumar em lugares públicos.

A maioria adota legislação moderada, a exemplo do Brasil: a propaganda é limitada na TV, entre as 21h e as 6h, mas deve conter advertência de que fumar faz mal à saúde. Cada vez mais, o fumo está sendo proibido em recintos públicos, como os restaurantes e aviões (no Brasil, só na 1ª hora de vôo). Na Inglaterra, a propaganda é proibida na TV, e na Itália em qualquer lugar – até mesmo nos carros da Fórmula 1. Nos Estados Unidos, só se pode fumar em paz na rua ou em casa, se for própria, pois há proprietários que não alugam para fumantes. Anúncios como o da foto, em Nova York, conti-nuam permitidos. Por enquanto.

Autodestruição pela fumaça…

O cigarro é a droga mais perigosa do planeta – mata mais do que todas as outras juntas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 3 milhões de mortes por ano são causadas por doenças relacionadas com o tabaco. Os médicos atribuem ao cigarro 90% dos casos de câncer de pulmão e o apontam como causador ou agravante em 40% das doenças do coração. Veja os males que ele provoca.

CÉREBRO

Quem fuma tem de 1,5 a 2,5 vezes mais possibilidades de sofrer um derrame cerebral.

ESTÔMAGO

O aumento da acidez, causado pelo tabaco, favorece o surgimento de úlceras, uma erosão na mucosa.

ENTUPIMENTO DAS ARTÉRIAS

O cigarro facilita a produção de placas de gordura que podem obstruir as artérias do corpo, inclusive no coração, causando isquemia (diminuição do oxigênio no sangue) e até infartos.

PULMÕES

Enfisema – doença fatal provocada pela destruição das paredes pulmonares. Bronquite. Câncer.

SISTEMA NERVO

Lesões cerebrais, epilepsia, psicose, demência.

BOCA

Câncer de garganta.

ESÔFAGO

Acidez na boca, câncer.

CORAÇÃO

Hipertensão arterial, arteriosclerose, miocardiopatia (degeneração do músculo cardíaco).

FÍGADO

Cirrose – endurecimento e degeneração do tecido.

PÂNCREAS

Pancreatite – inflamação na qual o pâncreas libera suas enzimas no próprio tecido.

ESTÔMAGO

Gastrite, causada pela irritação da mucosa estomacal.

… e a pela bebida

A palavra alcoolismo foi cunhada pelo médico sueco Magnus Huss, em 1849, para definir o conjunto de males vinculados ao consumo excessivo e prolongado de bebidas. É uma doença crônica, cujos efeitos podem se transmitir para os descendentes por meio da “síndrome alcoólica fetal” – uma degeneração que se manifesta em filhos de mães dependentes da bebida, caracterizada por má-formação e retardamento mental, entre outras anomalias. A única cura possível do alcoolismo é a total abstinência.

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