Loucos por uma pirambeira
Pedalando uma bicicleta incrementada, elesse atiram morro abaixo sem medo de ser feliz. São ospraticantes de downhill, que virou febre entre os que buscam a natureza e, claro, muita emoção.
Mariana Sgarioni
Quem não tem neve esquia na terra. E quem não tem esqui desce o morro de bicicleta. Ganha quem chegar primeiro. O downhill, filhote do bicicross, apareceu para o mundo quando, nos anos 70, alguns americanos da Califórnia, chateados pela falta de neve, tiveram exatamente essa idéia. Eles foram os responsáveis por divulgar o prazer que proporciona a ação de despencar de bicicleta ladeira abaixo. Tanto que, 30 anos depois, o esporte tomou forma e ganha ares de profissionalismo. O número de adeptos não pára de crescer, deixando animados os fabricantes de equipamentos para bicicletas. Para se ter uma idéia, em 1999, a Federação Paulista de Ciclismo contava com apenas 18 atletas de downhill cadastrados. Hoje eles já somam 490.
Segundo a Abraciclo (Associação Brasileira de Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas e Bicicletas), o segmento já representa 30,6% da produção nacional de bicicletas. “O que antes era considerado uma brincadeira dos ciclistas se tornou uma mania”, diz João Diogo, diretor de downhill da Federação Paulista de Ciclismo. O mercado anda tão próspero que uma nova profissão apareceu: o personal biker. A professora de educação física e ciclista inveterada Ana Beatriz Arthur, 32 anos, já aderiu à onda. Seus clientes têm fixação pelas montanhas. “O esporte é adrenalina pura”, afirma Beatriz. “Precisa ter muita coragem para se soltar naqueles morros. Não é sempre que eu topo ir com eles.”
Downhill significa “descida de morro”, em inglês. Os competidores percorrem trajetos em declive, de preferência cheios de buracos, pedras, troncos – quanto mais obstáculos naturais, melhor. Com distâncias que variam de 1,5 a 4 quilômetros, os atletas descem o morro um por vez, a cada minuto. Quem levar menos tempo para chegar lá em baixo é o vencedor. Normalmente, as provas duram de dois a quatro minutos e os ciclistas podem atingir velocidades de até 90 quilômetros por hora. “É comum ver gente estourando a bicicleta e se machucando, principalmente os iniciantes”, conta o catarinense Markolf Berchtold, 23 anos, primeiro lugar no ranking brasileiro.
Ferir-se pode ser lamentável, mas arrebentar a bicicleta também dói – sobretudo no bolso. O downhill é um esporte caro: os equipamentos para compor uma bicicleta que agüente a descida tortuosa e ajude na briga contra o relógio conta com tecnologias de ponta. Suspensões calibradas a hidrogênio, quadros de titânio, peças usadas em Fórmula 1 ou em aeronaves e até desenvolvidas pela Nasa fazem parte do cardápio de uma bike montada para downhill. No fim das contas, uma “máquina” dessas chega a custar 10 mil dólares – mais do que um carro popular. “Colocar um equipamento novo e mais moderno significa aumentar a performance da bicicleta na competição. Por isso, é um investimento”, diz Luciano “Kdra” Lancellotti, 35 anos, ex-campeão brasileiro e paulista, considerado uma referência quando o assunto é downhill. Quem compra uma bicicleta dessas age como se estivesse numa loja de computadores: escolhe o que quer e os especialistas configuram o modelo. A bike de “Kdra”, por exemplo, com todos os acessórios, vale cerca de 17 mil reais – e ele não se importa nem um pouco em colocar todo esse dinheiro na quebradeira. “Não consigo ficar um dia sem andar de bicicleta. É um vício.”
ATRAÇÃO PELAS MONTANHAS
O vício de andar de bicicleta pode até ser o primeiro passo para chegar ao downhill. Mas não é determinante. A idéia da maioria dos adeptos é levar sua bike para bem longe dos centros urbanos, onde geralmente moram. “Não vejo graça em pedalar à noite, no asfalto, como muita gente faz”, diz a engenheira Claudia Clément, ciclista de downhill desde 1999. “Quero terra, natureza. Preciso vencer a montanha, esse é o barato.” O campeão Markolf Berchtold concorda. “Existem várias pistas sendo construídas na cidade, mas não acho que isso vá dar certo. Do que a gente mais gosta são trilhas acidentadas no meio do mato.”
Segundo Katia Rubio, psicóloga do esporte e professora da Universidade de São Paulo (USP), o fenômeno do downhill pode ser explicado justamente por uma busca pela natureza, realidade distante de quem vive nos grandes centros urbanos. “São pessoas com alto poder aquisitivo, habituadas a ultrapassar limites na sua vida cotidiana”, diz Katia. “Vencer a grandiosidade da montanha significa sobrepor-se à natureza. Para essas pessoas, esse é um último obstáculo a superar.” A engenheira Claudia admite que adora quando, no escritório, aparecem aqueles projetos bem cabeludos, o que considera verdadeiros desafios. “O downhill é um esporte individualista e muito mental”, diz Claudia. “Antes de fazer um bom salto, você precisa pensar, se concentrar. Se a cabeça não estiver no lugar, você se machuca.”
A bike turbinada
O que uma bicicletaprecisa ter (no mínimo) paraencarar uma ladeira
A- Pneus mais largos e antifuros (largura de 2.1 a 2.8)
São mais difíceis de escorregar, além de ajudar no amortecimento.
Preço: de R$ 80 a R$ 150
B- Guia de corrente
Segura a corrente para que ela não caia durante a descida.
Preço: de R$ 300 a R$ 800
C- Quadro com suspensão traseira e suspensão dianteira
As duas suspensões juntas amortecem melhor o impacto em obstáculos.
Preço: de R$ 3 mil a R$ 5 mil (quadro com suspensão traseira) e de R$ 1 000 a R$ 3 mil (suspensão dianteira)
D- Freios a disco
São mais eficientes e menos duros. Por isso, não cansam tanto as mãos.
Preço: de R$ 800 a R$ 1 000
E- Guidão mais alto
Ele deve estar levemente inclinado para cima, de forma que o peso do corpo fique pendendo mais para a roda de trás. Isso reduz o risco de quedas ao descer a trilha.
Preço: de R$ 50 a R$ 250
Duros na queda
Os primeiros passospara quem quiser descer aladeira e chegar inteiro
O downhill não é para qualquer um. Embora ainda não existam escolas especializadas em ensinar a modalidade – por enquanto, a natureza tem sido a melhor professora -, o competidor que se arrisca na montanha precisa ter muito domínio sobre a bicicleta para descer a ladeira rápido e chegar lá embaixo inteiro. De acordo com o ciclista Luciano “Kdra” Lancellotti, o ideal para quem se sente atraído pela modalidade é começar praticando em descidas não muito inclinadas. Barrancos em praças públicas são bons lugares para iniciar os treinos. O mais importante é não deixar de usar material de proteção, como luvas, joelheiras e capacete fechado, iguais aos de motocross. No meio do mato, é necessário acrescentar a essa lista um colete.
Outra coisa: se a descida for um pouco mais longa, é preciso, em primeiro lugar, saber controlar bem a velocidade. A dica dos experts é: aprenda a usar corretamente o freio e nunca pratique downhill sozinho, pois, em caso de acidente, você pode se complicar no meio do mato. E mais: não deixe a roda travar; freie firme e constantemente a roda dianteira enquanto desloca todo o seu peso para a parte traseira. Depois disso, é só procurar a trilha mais próxima e entrar em sintonia com as montanhas.
Serviço
SAIBA MAIS
O link Biking (www.webventure.com.br) traz as últimas notícias e dicas de trilhas.
Informações sobre downhill e ciclismo em geral (www.sampabikers.com.br).
O link Ciclismo (www.ativo.com dá os principais eventos da categoria.
Últimas notícias, classificados, dicas de modelos de bikes e de manutenção (www.pedal.com.br).
EQUIPAMENTOS BÁSICOS
Uma bicicleta pronta e turbinada custa no mínimo US$ 5 mil e pode chegar a US$ 20 mil. Onde encontrarBike Tech Jardins (www.biketechjardins. com.br), rua da Consolação, 3 344, São Paulo. Tel. (11) 3891-2290.
Pedal Power (www.pedalpower.com.br), rua Baluarte, 672, Vila Olímpia, São Paulo. Tel. (11) 3040-4800.
Tutto Bike (www.tuttobike.com.br), avenida Pompéia, 787, Pompéia, São Paulo. Tel. (11) 3872-5505.
DICAS DE ALIMENTAÇÃO
O nutricionista Daniel Percego, presidente da Toadd Consultoria e especializado em nutrição esportiva, aconselha incluir no cardápio diário: carboidratos em todas as refeições (massas, pães integrais, arroz integral, batata); vitamina C de frutas úmidas (laranja, mamão, morango); vitamina E, contida no azeite de oliva; selênio, contido na castanha-do-pará, por ser um antioxidante; iogurtes e queijos frescos, fontes de proteínas e cálcio, fundamentais para a saúde óssea e contração muscular.