Metanol: o que é, como vai parar em bebidas alcoólicas e por que pode ser fatal
Autoridades investigam mortes e intoxicações após consumo de destilados adulterados em São Paulo. Confira os riscos e sinais de alerta.

O Brasil enfrenta um surto incomum de intoxicações por metanol em São Paulo, ligado ao consumo de bebidas alcoólicas que provavelmente foram adulteradas. O governador Tarcísio de Freitas informou em coletiva nesta terça-feira (30) que, até o momento, cinco mortes foram identificadas. Destas, uma foi confirmada e quatro seguem em investigação. Segundo ele, ao todo, o estado de São Paulo registra 22 casos – entre suspeitos e confirmados –, dos quais 17 ainda estão sendo apurados.
Normalmente, o país registra em torno de 20 casos por ano, principalmente entre pessoas em situações de vulnerabilidade social, como pessoas em situação de rua ou trabalhadores expostos a álcool industrial, que têm mais risco de ingerir produtos adulterados ou mal identificados.
Desta vez, no entanto, as ocorrências envolveram bares, adegas e vítimas de diferentes perfis, o que levou as autoridades a classificarem a situação como “anormal”.
Embora as marcas e locais específicos não tenham sido divulgados, as bebidas adulteradas eram destilados de marcas conhecidas, como gin e vodca, que teriam sido batizados com metanol antes de serem vendidos. Uma das vítimas, Rafael dos Anjos Martins Silva, está em estado irreversível, segundo relatos da família. Outra, Rhadarani Domingos, ficou cega após ingerir caipirinhas em um bar da capital.
Diante do quadro, o Ministério da Justiça determinou que a Polícia Federal verifique a origem do metanol e possíveis conexões com o crime organizado. A suspeita é de que o produto tenha vindo de estoques ilegais usados anteriormente para adulteração de combustíveis.
Uma adega na Zona Sul e três bares da capital paulista, localizados nos Jardins (Zona Oeste) e na Mooca (Zona Leste), são investigados.
O que é o metanol?
O metanol (CH₃OH) é um tipo de álcool, semelhante ao etanol (C₂H₆O) consumido em bebidas alcoólicas, mas muito mais tóxico. É um líquido incolor e inflamável, com cheiro parecido com o álcool comum, o que dificulta sua identificação a olho nu. Diferente do etanol, pequenas quantidades de metanol podem ser letais, e seu consumo nunca é seguro.
Na indústria, é usado como matéria-prima para produzir solventes, tintas, plásticos, adesivos e combustíveis. No Brasil, também é empregado na fabricação de biodiesel. Devido à sua toxicidade e ao risco de uso indevido, sua produção, transporte e comercialização são rigidamente controlados pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
O perigo está na forma como ele é metabolizado pelo corpo. Quando ingerido, o fígado converte o metanol primeiro em formaldeído – um produto químico altamente tóxico usado, entre outras coisas, na conservação de cadáveres – e depois em ácido fórmico, outra substância prejudicial. Esses produtos são chamados de metabólitos, ou seja, moléculas geradas quando o organismo processa uma substância.
Enquanto o etanol é metabolizado em acetato, uma molécula que o corpo consegue aproveitar como fonte de energia, o metanol produz substâncias que interferem nas funções celulares. O ácido fórmico em especial danifica as mitocôndrias, organelas responsáveis por gerar energia dentro das células.
Quando as mitocôndrias são comprometidas, o corpo entra em acidose metabólica, uma condição em que o sangue se torna excessivamente ácido, prejudicando órgãos vitais e o funcionamento geral do organismo.
A cegueira, por exemplo, é um dos efeitos mais característicos da intoxicação por metanol. Ela ocorre por causa da forma como o ácido fórmico ataca a retina, a camada do olho que capta luz e transforma em imagens. A retina possui uma concentração muito alta de mitocôndrias, pois precisa de muita energia para funcionar.
Quando essas mitocôndrias são danificadas, as células dessa região morrem, provocando perda permanente da visão. Por isso, a cegueira pode ocorrer mesmo quando a pessoa sobrevive à intoxicação.
A presença de metanol em bebidas pode ter duas origens: natural e criminosa. No processo de fermentação de frutas e vegetais, pequenas quantidades podem surgir, mas em níveis residuais e seguros. Por isso, o Ministério da Agricultura estabelece limites mínimos permitidos.
O risco maior ocorre quando falsificadores adicionam metanol de forma deliberada para reduzir custos e aumentar o teor alcoólico dos produtos. Nas investigações em São Paulo, órgãos estaduais como o Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) e o Centro de Vigilância Sanitária (CVS) trabalham com a hipótese de que essa adulteração criminosa tenha ocorrido, já que os níveis encontrados não se explicam pela formação natural da substância.
A suspeita é de que quadrilhas ligadas ao crime organizado tenham desviado estoques de metanol antes usados para adulterar combustíveis. Em 2025, a polícia já havia flagrado postos com até 90% de metanol na gasolina, quando o máximo legal é de 0,5%.
“Ao ficar com tanques repletos de metanol lacrados e distribuidoras e formuladoras proibidas de operar, facções e seus parceiros podem eventualmente ter revendido tal metanol a destilarias clandestinas e quadrilhas de falsificadores de bebidas, auferindo lucros milionários em detrimento da saúde dos consumidores”, apontou a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) em nota ao g1.
O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Augusto Passos Rodrigues, afirmou nesta terça-feira (30) que o órgão investiga esta possível ligação. Segundo ele, a apuração pode estar relacionada a investigações sobre a importação de metanol pelo porto de Paranaguá.
Por outro lado, o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, descartou a participação desses grupos nos casos. O governador também afirmou que não há evidências de envolvimento de organizações criminosas.
Autoridades de saúde orientam a população a desconfiar de bebidas com preços muito abaixo do normal, embalagens com rótulos desalinhados ou erros de impressão, lacres tortos, tampas diferentes ou ausência de selo fiscal. Também recomendam evitar bebidas de origem caseira ou de procedência duvidosa.
Os sintomas iniciais podem ser confundidos com uma embriaguez: náusea, tontura e mal-estar. Horas depois, quando os metabólitos tóxicos se acumulam, surgem dores abdominais, vômitos, visão turva ou perda da visão, confusão mental, coma e até morte.
A ingestão de apenas 10 mL de metanol puro (cerca de 8 g) já podem causar intoxicação grave, por isso o atendimento médico imediato é essencial para reduzir os danos e aumentar as chances de sobrevivência.
O tratamento pode incluir intubação, ventilação mecânica, diálise e uso de medicamentos como o fomepizol, que inibe a produção de ácido fórmico. Em alguns casos, o próprio etanol pode ser usado como antídoto, pois compete com o metanol no metabolismo, retardando sua transformação em substâncias tóxicas.
O Ministério da Saúde emitiu um alerta a hospitais e profissionais para reforçar a identificação de casos suspeitos.
“Essa determinação é para que possamos identificar mais rapidamente não só o que está acontecendo no estado de São Paulo, mas também possíveis intoxicações em outros estados do país, a partir de comportamentos clínicos e epidemiológicos anormais”, destacou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em coletiva de imprensa realizada nesta terça-feira (30).
Há 32 Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox) em funcionamento no país, que oferecem suporte para diagnóstico, manejo de intoxicações, toxicovigilância e gestão de risco químico. Em São Paulo, há 9 centros disponíveis.
Também podem ser acionados o Disque-Intoxicação da Anvisa (0800 722 6001) e o Centro de Controle de Intoxicações (CCI-SP), que oferece apoio para diagnóstico e orientação pelos telefones (11) 5012-5311 e 0800 771 3733.