Maioria dos óculos escuros não protege adequadamente os olhos, aponta estudo
Em análise feita pela USP com 12 modelos de óculos de sol, apenas um filtrou a radiação UV 400, que pode ter efeitos nocivos a longo prazo; entenda o problema

Ao comprar um par de óculos escuros, talvez você tenha reparado no selo “UV protection” que vem colado nele. Significa que as lentes são capazes de barrar os raios ultravioleta emitidos pelo Sol, que podem causar danos aos olhos. Mas um estudo realizado pela Escola de Engenharia da USP em São Carlos (EESC-USP) revelou que essa proteção nem sempre é completa. Pelo contrário: dos 12 óculos de sol avaliados, apenas um ofereceu proteção adequada contra todos os tipos de raios UV testados.
Isso ocorre devido a uma fragilidade na norma regulamentadora: ela permite que os fabricantes vendam óculos que não oferecem proteção total. Conversamos com a física Liliane Ventura Schiabel (que realizou o estudo junto com o físico Mauro Masili e a bióloga Fernanda Duarte, também da EESC-USP), para entender a questão.
O estudo testou 12 modelos de óculos de sol, e apenas um deles realmente protegia contra radiação ultravioleta. Por que os óculos não passaram no teste? É um desafio tecnológico fazer as lentes com a devida proteção, ou isso deriva de uma redução de custo na fabricação dos óculos?
A radiação ultravioleta atravessa a atmosfera, e existem partes dela que são chamadas de UV 380 e UV 400. Você já ouviu falar em óculos UV 400? Esse número significa que a lente protege contra ondas ultravioleta de até 400 nanômetros. Porém, a proteção UV 400 não é um requisito das normas brasileiras para óculos de Sol, nem da norma ISO 12312, internacional. As normas só exigem que você tenha proteção até UV 380.
A gente testou óculos que protegem contra UV 380 e são aprovados pela norma. Só que eles deixam passar uma radiação UV até 400, que é prejudicial aos nossos olhos. Apenas um dos óculos oferecia proteção contra UV 400.
Não é que os óculos de sol que estão sendo vendidos não tenham proteção. A maioria deles está dentro da norma, mas a norma é suficiente? Eu fiz parte de um comitê de normas brasileiras, e em 2013 a gente conseguiu que a norma se estendesse até o UV 400. Mas, em 2015, essa norma foi revogada, eu não sei o porquê, e [a proteção exigida] voltou para 380.
A norma foi revogada e nós falamos assim, bom, então nós vamos tentar mudar a norma internacional. Em 2016, publicamos um artigo bastante importante, que foi um alerta. Está lá o meu nome, o pessoal da minha equipe trabalhou com isso, e com o professor Mauro Masili, que também trabalha muito, está muito à frente dos estudos. A gente quis mostrar que a proteção contra UV 380 não é suficiente, e a norma precisa ser mudada.
Quais são os possíveis efeitos sobre os olhos da radiação UV não contida?
Se eu saio no sol sem óculos escuros, a gente franze a testa, a gente fecha os cílios, o nosso olho vira uma fendinha, a sobrancelha, tudo isso protege nosso olho. Na hora em que eu coloco o óculos de sol, essa reação é desativada, e as pupilas se abrem mais.
E, se a lente não está protegendo, aí a radiação entra. Não só isso. O sol também reflete por dentro da lente e vai para dentro do olho, que está desprotegido das reações físicas naturais.
Não sou médica, mas vou tentar explicar de um modo geral. Tem alguns artigos na literatura científica apontando que [a exposição excessiva a raios UV] pode causar pterígios, que são aquela “pelinha” no olho, que às vezes a gente pode ver bastante em pessoas que trabalham diretamente sob a luz solar. Também pode provocar uma catarata mais precoce, ou causar alguns danos na retina. E é um efeito cumulativo, de longo prazo.
Quando vou comprar óculos escuros, ao que devo atentar?
O importante é você ter certeza de que está comprando um óculos UV 400. Eu vou na loja, vai ter o óculos e vai estar um adesivinho colado assim: “proteção UV”. Mas provavelmente não vai dizer se ele é UV 400 ou só UV 380.
Tem como saber isso?
A sua pergunta é excelente. A gente precisa perguntar se tem certificado de UV 400. Poucas lojas vão ter. Outra coisa muito importante a se observar é se toda a volta do olho está protegida. Se a haste em volta é longa, é larga. Se os óculos encostam [no rosto], sem deixar vãos. Por exemplo: aquele modelo de óculos antigo, que o John Lennon usava, um óculos redondinho, de vidro, com haste de metal fininha, aquele é péssimo.
Por que a indústria resiste ou tem dificuldade em fazer óculos que protejam contra UV 400?
Eu não diria que tem uma resistência por parte da indústria. Quando você coloca um filtro UV 400, a lente fica levemente amarelada. Você só consegue perceber se você pegar uma folha de papel branco e colocar uma lente que não tem UV 400 e uma que tem. Aí você fala, nossa, essa daqui está meio amarelada. Então isso altera minimamente a cor da lente. Minimamente. Não acho que seja esse o problema.
O problema é que a certificação há muitos anos vem sendo UV 380, e você mudar agora uma linha de produção para UV 400, eu imagino que tenha um custo. Um custo que vai afetar a indústria. Mas existem óculos produzidos no Brasil que têm proteção UV 400.
E os óculos de procedência indefinida, vendidos por camelôs?
O que está escrito em óculos de camelô, desde a marca até a proteção UV, nada é verdadeiro ali. Eles também podem causar alergia na pele, dependendo do material usado.
E existe um teste que a gente faz chamado de flamabilidade. É para saber se o óculos pega fogo. Por exemplo, você está num churrasco e vem uma faísca da churrasqueira. Essa faísca chega em uma temperatura muito alta e se ela pegar na armação, ela pode fazer os óculos pegarem fogo, incendiarem. Já os óculos de marca têm bastante cuidado com essa questão, da flamabilidade.