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Por que o Brasil é o país do futebol?

Porque ganhou cinco Copas do Mundo, ora. Mas não só por isso: também envolve política, economia e cultura. Conheça essa história.

Por Fabiano Bittencourt
Atualizado em 5 dez 2022, 06h44 - Publicado em 30 abr 2006, 22h00

A resposta, direta, é: “Vai saber”. Mas sociólogos, historiadores, geógrafos e filósofos de botequim defendem suas teses para a hegemonia brasileira no esporte de origem britânica, mais badalado em campeonatos europeus, mais rico na Arábia… E chegamos a uma conclusão final. Então tá. O Brasil é o país do futebol porque ganhou 5 Copas do Mundo. Mas quando ele tinha chegado ao tri em 1970 já não era? Em 1950, antes do desastre em pleno Rio de Janeiro, já não dava para falar que era?

Quando ia ao Maracanã, Nelson Rodrigues não enxergava quase nada do que acontecia no gramado, muito menos a bola. Para ele era um “reles e ridículo detalhe”. Nem por isso deixou de escrever algumas das mais belas crônicas da história do futebol brasileiro. Já consagrado como o maldito do teatro nacional, ele se importava somente com o drama, a tragédia e a paixão que o esporte provocava nas massas. Só os idiotas da objetividade, como ele classificava os intelectuais, é que não enxergavam o “óbvio ululante”.

Nelson ficaria surpreso em verificar como o tratamento dado ao futebol mudou. Nas últimas duas décadas, vários trabalhos foram publicados por profissionais das áreas de ciências humanas, biológicas e exatas para compreender a paixão nacional pelo esporte. Historiadores, sociólogos, geógrafos, professores de educação física e até matemáticos levantam a cada ano novas teorias e observações a respeito do jogo que virou sinônimo de Brasil no exterior.

Na década de 1930, o sociólogo e antropólogo pernambucano Gilberto Freyre defendia a tese de que o talento do brasileiro resultava da miscigenação entre negros, europeus e índios. Anos depois, com a globalização e a mistura de todas as raças, apenas a origem étnica e a formação da população não são capazes de explicar o fenômeno pentacampeão mundial de futebol.

Em um trabalho de doutorado, a socióloga Fátima Antunes estudou a obra-prima de Freyre, Casa Grande & Senzala, e sua influência nos textos de Nelson Rodrigues, de seu irmão Mário Filho e do escritor José Lins do Rego.

A socióloga, porém, discorda da maneira como o assunto foi tratado, sobretudo no que diz respeito ao discurso de Freyre em torno da mistura racial. “Prefiro pensar no futebol com uma manifestação cultural. Nossa sociedade é aberta e, desde o início, houve uma grande aceitação do imigrante estrangeiro”, afirma Fátima, cujo trabalho virou a obra Com Brasileiro, Não Há Quem Possa!

Autor do livro Corações na Ponta da Chuteira: Capítulos Iniciais da História do Futebol Brasileiro (1919-1938), o doutor em história social Fábio Franzini concorda com a socióloga. “Não faz o menor sentido atribuir um ‘talento natural’ a um povo, seja para o que for. É impossível atribuir à genética e à natureza algo que é cultural, portanto histórico”, afirma.

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Ambos lembram que torcedores fanáticos como italianos e argentinos jamais aceitariam reconhecer o Brasil como a pátria de chuteiras. É mais ou menos como pedir aos nossos vizinhos para que aceitem definitivamente o fato de que Maradona foi, no máximo, um pouquinho melhor que Zico, mas nunca chegou sequer perto do Rei Pelé.

Herança histórica e cultural

A competência brasileira nos campos é inegável, uma espécie de herança que começou nos anos 10, quando o esporte ainda estava nas mãos da elite, mas atraía multidões graças a craques como Arthur Friedenreich. O fanatismo pelo esporte e a massificação dele na mídia e no cotidiano de alguns torcedores alimentaram tanto a sua prática como a antipatia dos intelectuais pela bola. Da mesma forma, anarquistas e comunistas sentiam-se incomodados com a situação.

Na década de 1930, políticos como Getúlio Vargas souberam usar o fanatismo das massas em benefício próprio. “Getúlio apóia a profissionalização do futebol. E assim as vitórias nos campos passam a ser as vitórias da pátria”, explica o professor-doutor em história da USP, Flávio de Campos, que escreveu a obra Futebol Objeto das Ciências Humanas.

Mas todo esse ufanismo sofre duro golpe na tragédia da Copa do Mundo de 1950. Um dia antes da final contra o Uruguai, a concentração em São Januário ficou cheia de políticos. Todos desapareceram após a derrota em pleno Maracanã, por 2 a 1, de virada. O maracanazo, como ficou conhecido o jogo, mudou drasticamente os rumos do futebol nacional.

“É quando começa a haver um planejamento estratégico”, afirma Campos. Graças a Paulo Machado de Carvalho, que depois seria chamado de Marechal da Vitória, o Brasil embarcou para o título na Suécia com um médico, um psicólogo e até um dentista em sua comissão técnica.

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É nessa época que, de acordo com o professor Campos, os meios de comunicação começam a exercer uma grande influência no esporte e na vida dos brasileiros. “É a época do espetáculo. No futebol, cada clube tem seu ídolo, enquanto na política aparecem figuras como Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda e Jânio Quadros”, compara o professor.

Para ele, a vitória em 1958, com os super-heróis Pelé e Garrincha no mesmo time, também impõe novas diretrizes ao desenvolvimento do futebol brasileiro. O futebol explodiu em projeção e, com isso, ficou mais vigiado. “É o fim do futebol romântico, em que o jogador saía à noite e depois comia a bola na hora do jogo”, avalia Campos. A vigília, pelo olhar da imprensa, ficou maior do que já era.

Do centro para a periferia

Durante o período, o país passa por um processo acelerado de urbanização, impulsionado pelos anos JK, que se reflete na produção de craques. “O Uruguai teve o mesmo crescimento até os anos 30 e virou uma potência do futebol. As pessoas jogavam bola em todos os cantos de Montevidéu”, destaca o professor doutor André Martin, da geografia da USP.

Para ele, é impossível dissociar o futebol do crescimento econômico dos 50. “É quando aparecem vários campos nas grandes cidades”, afirma. Em São Paulo, a região da Mooca é ocupada por “peladeiros” de fins de semana em times de “fama” na várzea local, como o Mocidade Glicério, o River Plate da rua Carneiro Leão, o Guarani do Brás (dos árabes comerciantes), além do Madri, do Apea e do São Vito, que existem até hoje.

Nos anos 70, porém, todos esses campos, localizados na Baixada do Glicério, deram lugar a um prédio do INSS. O movimento não foi isolado. Com o milagre econômico, a cidade experimentou uma nova onda de crescimento.

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Outro local bastante afetado pelo progresso foi a região da Várzea do Carmo, no Parque Dom Pedro, onde Charles Miller organizou suas primeiras partidas no final do século 19. Ali, porém, a ocupação foi de prédios e viadutos.

Os pobres são empurrados cada vez mais para a periferia junto com os campos, que agora são frequentados por trabalhadores das obras. “É um movimento espontâneo, que cria outras relações”, diz Martin. Assim nascem times como o Paysandu do Brás, de origem paraense, e o Arco Verde da Mooca, formado por pernambucanos.

Ao mesmo tempo, a classe média passa a frequentar quadras de futebol de salão e escolinhas de futebol. “No fim, a várzea não morreu”, comemora o professor. Apenas ficou moderna, hoje até com campos de grama sintético. “O mais importante é que o futebol provou ser mais forte que a especulação imobiliária.”

Rede social do futebol brasileiro

Bola de futebol
(Capuski/iStock)

O professor doutor Roberto Nicolau Onody, da Universidade de São Paulo, e o aluno Paulo Alexandre Castro, constataram em um estudo que o jogador brasileiro deixa a pátria cada vez mais cedo.

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Eles analisaram as fichas de 13 mil jogadores de 127 equipes que disputaram o Brasileirão entre 1971 e 2003. “Medimos uma grandeza chamada de coeficiente de aglomeração. Ela tem diminuído com o tempo, mostrando um êxodo crescente de jogadores brasileiros novos para o exterior”, afirma Onody.

Os dados levantados pela dupla resultaram no Estudo da Rede Complexa dos Jogadores Brasileiros de Futebol, publicado em 2004 pela revista americana Physical Review. Uma rede complexa é uma estrutura matemática formada por vértices que se unem com alguma regra através de conexões.

É mais ou menos como você ficar ligado a contatos remotos e desconhecidos no seu orkut. Onody e Castro concluíram que qualquer profissional está ligado a todos os outros com apenas 3 colegas entre eles. Ou seja, qualquer zagueiro perna-de-pau reserva da 1a divisão precisa de 3 telefonemas para chegar a craques como Ronaldinho Gaúcho. No mundo, a distância média é de 6 pessoas, de acordo com a estrutura do small word (“mundo pequeno”), segundo tese criada no final dos anos 60 na Universidade Harvard.

A pesquisa também apontou que jogadores com mais de 40 aparições no Campeonato Brasileiro têm a probabilidade de ter uma carreira mais longa. “A vida profissional dos jogadores tem aumentado e eles estão se aposentando mais velhos”, afirma Onody. Outra observação curiosa do professor é que quem joga na 1a divisão desde o início da carreira costuma permanecer em grandes clubes. “Mas isso pode ser explicado pela influência da TV”, afirma.

Bom, se a explicação não está na formação étnica nem em presente dos deuses, muito menos na academia, apelemos aos filósofos. Mas àqueles populares, da bola. É o caso do genial Neném Prancha, folclórico roupeiro do Botafogo, que cunhou expressões famosas.

Em meio às discussões de boteco sobre a superioridade brasileira, vale a pena ficar com uma frase dele que ilumina a nossa questão: “Se Deus é brasileiro e os nossos times rezam antes de entrar em campo, é natural que o Brasil seja o país do futebol”. Não foi Neném Prancha o autor dessa máxima? E daí…

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