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Portas do delírio

Símbolo do movimento hippie, o LSD oferece uma fuga radical da realidade, visões mirabolantes e confusão mental absoluta.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 31 ago 1998, 22h00

Curto-circuito no cérebro

O químico suíço Albert Hofmann estava pesqui-sando um remédio para enxaqueca e achou um que iria lhe dar muita dor de cabeça. Em 1938, ele sintetizou, no Laboratório Sandoz, uma nova substância a partir do fungo Claviceps purpurea, existente no centeio. Testou o “analgésico” em animais e decepcionou-se. Hofmann esqueceu o preparado numa prateleira e, cinco anos depois, ingeriu acidentalmente uma partícula. Foi a primeira “viagem” a bordo das alucinações do LSD. Pasmo, o químico viu, sentiu e cheirou “uma torrente de imagens fantásticas de extrema plasticidade e nitidez, acompanhadas de um caleidoscópico jogo de cores”. Como bom cientista, repetiu a experiência três dias depois, com uma dose cavalar de 0,25 miligrama (constatou-se depois que 0,05 faria efeito) e teve de chamar o médico, aterrorizado com as alucinações. Hofmann, hoje com 93 anos, vive em Basiléia, na Suíça, e integra o Comitê do Prêmio Nobel.

Sem querer, ele enveredou por uma estrada que vem sendo trilhada há milênios por xamãs e bruxos, que procuram nas plantas as chaves mágicas para visões de êxtase. Folhas, flores, caules, cascas, fungos e cogumelos estão na matriz das beberagens alucinógenas usadas por diversos povos em cerimônias místicas, transcendentais. O alucinógenos confundem os neurônios, embaralham as mensagens entre os circuitos nervosos, alteram os sentidos e até mesmo os estados da consciência. Sobrevêm ilusões com sons e imagens irreais – acompanhadas, às vezes, de náuseas e vômitos. Esses efeitos, nos cultos religiosos, são recebidos como revelações sagradas. As sensações e visões são processadas como a verdade sutil, límpida, em oposição às ilusões perversas do mundo exterior. Daí por que são ingeridos ritualmente, geralmente em grupos, às vezes sob um manto religioso, como é o caso da ayahuasca, chá servido nas cerimônias do Santo Daime e da União do Vegetal.

“Um demônio tomou posse da minha alma”

As coisas ao meu redor haviam se transformado de maneira terrível. Tudo no quarto girava, e objetos familiares e peças de mobília assumiam formas grotescas e ameaçadoras. Pareciam ani- mados. A vizinha, que veio me trazer leite, não era mais a sra. R., e sim uma bruxa malévola com uma máscara colorida.

Piores que essas transfor-mações demoníacas no mundo exterior foram as mudanças que eu percebi em mim mesmo. Cada esforço da minha vontade, cada tentativa de pôr um fim à desintegração do mundo exterior e à dissolução do meu ego, pareciam ser inúteis. Um demônio me havia invadido, tomado posse do meu corpo e da minha alma. Tre-cho do livro LSD, Meu Filho Proble-ma, de Albert Hof-mann, o cria-dor da droga.

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Efeitos ainda intrigam os cientistas

O LSD foi a droga do sonho da geração underground, embalada na suposição de que ele abria a mente, liberava a criatividade, aprimorava o espírito e ninguém pagava ingresso para o nirvana. Depois de muitos estragos, sobrou a certeza de que é o mais poderoso alucinógeno jamais criado pelo homem. Uma dose pequena (0,05 miligrama) proporciona de 4 a 10 horas de alucinações. É, também, o menos conhecido dos psicotrópicos. Em quatro décadas de pesquisas, ainda não se descobriu como, exatamente, a droga afeta os circuitos nervosos e a percepção sensorial. Um dos mistérios do LSD é que ele não produz resultados em intervalos curtos – por isso, os mais aficionados o tomam apenas uma vez por semana. Meses depois, no entanto, a droga pode voltar a agir e as alucinações reaparecem.

O LSD pode ser um “barato” para indivíduos emocionalmente equilibrados e abrir caminho para psicoses em quem tiver essa tendência. Os usuários relatam alucinações coloridas (geladeira vira camelo, por exemplo), desorganização dos sentidos (o olho ouve, o ouvido vê) e um efeito de despersonalização (o usuário se vê em duplicata). Tudo isso acontece em estado de plena consciência. O drogado sabe o que está acontecendo, embora muitos tenham surtos psicóticos. Também há registros de suicídio.

Ficha técnica

Nome

Dietilamida de Ácido Lisérgico-25

(LysergSaureDiathylamide, em alemão).

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Classificação

Alucinógeno.

De onde se extrai

Fungo Claviceps purpurea ou ergot, que cresce em cereais como o centeio e o trigo.

Origem

Laboratórios Sandoz, em Basiléia, Suíça.

Formas de uso

Ingerido. A forma mais comum é a famosa “figurinha”, com desenhos coloridos.

Destempero dos sentidos

O LSD bagunça as sensações.

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Efeitos imediatos

1. Alucinações, despersonalização. O usuário pode ter uma “viagem” boa e ver formas coloridas ou uma crise depressiva, a chamada bad trip. Pode ter reações psicóticas ou cometer suicídio.

2. Aumento da sensibilidade auditiva e da percepção visual. Sinestesia (as sensações auditivas se traduzem em imagens, e vice-versa).

Efeitos a longo prazo

1. Não dependência comprovada. No entanto, resíduos da droga podem permanecer no cérebro por meses, provocando novas alucinações sem aviso. O efeito, conhecido como flashback, pode ser perigoso se o usuário estiver dirigindo.

Viagem na cuca

A ação dentro do cérebro.

O LSD é uma droga que imita o neu-rotransmissor serotonina, que atua no humor e na percepção. Os neurônios de serotonina estão concentrados no sistema reticular e, de lá, espalham-se pelo córtex cerebral. O LSD age principalmente nas áreas responsáveis pelos sentidos e no córtex somato-sensorial, que os analisa.

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O tônico da contracultura

Eram garotos cabeludos que diziam “paz e amor”, amavam os Beatles e rolavam na grama de Woodstock (veja quadro na página ao lado). Seu lema era “o álcool mata, tomem LSD”. Eles tomavam. A legião de hippies, bichogrilos e malucos-beleza dos anos 60 e 70 ingeriu ácido lisérgico como seus pais tomavam aspirina. O “ácido da felicidade” foi o tônico da contracultura. Psicodélico, palavra antes reservada às drogas que proporcionariam a “expansão da mente”, virou sinônimo de extravagância e batizou, com música, cores, flores e sexo ao ar livre, a cultura da contestação pacífica. Aconteceram na época manifestações de centenas de milhares de jovens contra a Guerra do Vietnã.

As ousadias daqueles anos, hoje, viraram clássicos da pop art. As pinturas-cebolas do americano Andy Warhol (1927-1987), decompondo a estrela de cinema Marilyn Monroe e o líder chinês Mao Tsé-tung em camadas de cores, tornaram-se um símbolo da arte de vanguarda. No cinema, Dennis Hopper e Peter Fonda perambulavam Sem Destino (1969, direção de Hopper), na pele de dois motoqueiros movidos a ácido. Mas foi na música que a droga fez mais sucesso. Ídolos do rock, de Jimi Hendrix a Jim Morrison, líder da banda The Doors, consumiam LSD – e outras drogas – em volumes industriais. Morreram jovens. Syd Barret, fundador do Pink Floyd, “viajou” e não voltou mais. Foi expulso da banda e hoje, aos 52 anos, vive como um zumbi, com a mãe, num subúrbio de Cambridge, Inglaterra, dedicado à pintura e à coleção de selos.

A homenagem mais famosa – e polêmica – à droga foi prestada pelos Beatles, em sua música Lucy in the Sky with Diamonds, de 1967, cujas iniciais formam a sigla LSD. No Brasil, a Tropicália incorporou ingredientes psicodélicos nas roupas, capas de discos e na palavra de ordem “É proibido proibir”, de Caetano Veloso. Em 1972, Gilberto Gil inventariou e encerrou a viagem com a música O Sonho Acabou, que diz: “Quem não dormiu no sleeping-bag nem sequer sonhou.”

O cacto que promete o nirvana

A linha sinuosa de 3 326 km que separa o México dos Estados Unidos tem sido cruzada por dois fluxos migratórios opostos: mexicanos sobem à procura do paraíso material e americanos descem para encontrar o Éden espiritual. Desde o século XVI, o México tem atraído estrangeiros em busca dos vegetais mágicos que provocam alucinações surrealistas. A tendência chegou ao auge pelas mãos de gurus modernos como o escritor inglês Aldous Huxley (1894-1963), o psicólogo americano Timothy Leary (1921-1996) e o antropólogo sem pátria Carlos Castañeda (1927-1988). Todos foram atraídos pela fama de uma planta típica do norte do México, o cacto peiote (Lophophora williamsii), usado há séculos pelos índios em rituais religiosos. O chá da polpa do peiote fornece a matéria-prima para a mescalina, um alucinógeno endeusado por Huxley no livro As Portas da Percepção (1954). Um professor da Universidade de Harvard, Timothy Leary, além de se interessar pela mescalina promovia sessões de LSD com os alunos. Expulso da universidade em 1963, Leary foi preso e correu o mundo como um “profeta da Nova Era” até morrer de câncer aos 75 anos.

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O maior propagandista da via mexicana para o nirvana foi Carlos Castañeda. Para escrever uma tese em Antropologia, tornou-se discípulo de um bruxo a quem chamou de Don Juan em seu livro A Erva do Diabo. Ele popularizou o culto do peiote como uma chave para percepção extra-sensorial.

A química divina

Os alucinógenos são usa-dos há milhares de anos em rituais religiosos mundo afora. Conheça alguns desses vene-nos sagrados.

Peiote – O cacto de onde se extrai a mescalina é cultuado por diversas tribos na América do Norte. A Igreja Nativa Americana conseguiu a legalização de seu uso ritual nos Estados Unidos.

Amanita – O fungo Amanita muscaria é um dos alucinógenos mais antigos que o homem conhece. Seu uso data de 6 000 anos atrás.

Jurema – Os índios e sertanejos do Nordeste brasileiro fazem uma espécie de vinho com a Mimosa hostilis, uma planta da caatinga.

Beladona – Conhecida no Brasil como zabumba, a Atropa belladonna era usada nos cultos de bruxaria da Idade Média.

Paz, amor e ácido

Foram três dias com o melhor do rock, sexo a céu aberto e muita, muita droga. Nos Estados Unidos o Festival de Woodstock, em agosto de 1969, marcou o clímax do movimento hippie, que adotou o slogan “Faça amor, não faça a guerra” (ao lado, jovens preparam um cigarro de maconha).

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