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Quem quer viver 1 000 anos?

Nunca tantas pessoas viveram por tanto tempo. Até onde o homem vai conseguir chegar? Há quem afirme que podemos durar muito mais

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h31 - Publicado em 28 fev 2005, 22h00

Celia Demarchi

O sonho da vida eterna é tão antigo quanto a autoconsciência humana da inevitabilidade da morte. Segundo os textos bíblicos, é acalentado desde o dia em que a curiosa Eva se rendeu à tentação do conhecimento, experimentou o fruto proibido e foi expulsa do paraíso da inconsciência, ao descobrir-se mortal. O fato é que, do primeiro casal para cá, não somente perdemos a prerrogativa da imortalidade como também alguns séculos de vida, pois dizem que Adão teria morrido aos 930 anos. Desde então, a pessoa que, comprovadamente, viveu mais tempo foi a francesa Jeanne-Louise Calment, morta em 1997, aos 122 anos – sinalizando que esse seria aproximadamente o limite de sobrevivência do corpo humano.

Mas há quem desafie esse senso comum. O biogerontologista inglês Aubrey de Grey está convencido de que o envelhecimento é um processo biológico que pode perfeitamente vir a ser controlado, da mesma forma que a ciência já conseguiu combater muitas doenças que antes eram tidas como incuráveis. De Grey, que é formado em ciência da computação, mas se tornou um dos principais teóricos do mundo em longevidade humana, trabalha atualmente no Departamento de Genética da Universidade de Cambridge. Ele já comparou o corpo humano a um carro. Com manutenção periódica e adequada – conserta um defeito aqui, põe um lubrificante ali, troca uma peça velha acolá –, dá para aumentar significativamente a vida útil de um carro. Embora o corpo humano seja muito mais complexo do que um carro, De Grey acredita que é possível fazer o mesmo, combatendo regularmente os processos que levam ao envelhecimento e à morte das células.

Vida pra chuchu

Para estimular as pesquisas sobre a longevidade, De Grey criou há alguns anos a Fundação Matusalém, cuja principal atividade é promover um concurso para premiar a equipe de cientistas que conseguir prolongar por mais tempo a vida de um Mus musculus, uma espécie de camundongo comumente utilizada em experiências em laboratório. O recordista atual é um exemplar que viveu 1 819 dias, o dobro da média desse animal. A intenção de De Grey é que os resultados obtidos com camundongos chamem a atuação de empresas dispostas a investir na pesquisa sobre a longevidade humana. Se tudo correr conforme prevê o cientista inglês, em dez anos a ciência conseguirá prolongar significativamente a vida de camundongos. E, aplicando-se o conhecimento adquirido com essas experiências, até 2030 já será possível aumentar a expectativa de vida do homem para algo em torno de 130 anos – quase o dobro da média mundial atual. De Grey vai mais longe em seus prognósticos para lá de otimistas. Em um artigo publicado no final de 2004 no site da rede BBC, ele disse acreditar que a primeira pessoa a viver até 1 000 anos já está entre nós e tem hoje por volta de 60 anos.

É difícil encontrar na comunidade científica quem faça coro às previsões mirabolantes de De Grey. A opinião predominante é que, a despeito de toda a tecnologia, não deverá haver avanços significativos na longevidade humana em um futuro próximo. Sobre o assunto, cientistas reunidos em um painel promovido há alguns anos pela revista Scientific American não deram motivos para muito otimismo: considerando todas as conquistas iminentes, como a terapia gênica e a possibilidade de substituição de quase todos os órgãos naturais, e mesmo a hibernação humana, a expectativa de vida no planeta alcançará, quando muito, 140 anos… Em 2500!

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Mas, se ainda não descobriu a improvável receita da imortalidade, a humanidade já obteve conquistas sólidas, em especial no último século: nunca na história tantos viveram tanto como nos dias atuais. A faixa da população que mais cresce no mundo é a dos idosos, sobretudo os com mais de 100 anos – que, segundo as previsões, no ano de 2050 formarão um grupo 20 vezes maior que o de centenários do ano 2000. A maioria deles viverá nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, estima-se que haverá 131 000 pessoas com um século ou mais de vida em 2010 e 834 000 em 2050. Entre 1990 e 2020, aumentará 74% o número de idosos de 65 a 74 anos naquele país, onde a expectativa de vida ao nascer saltou de 47,3 anos no início do século passado para 78 anos ao seu final. No Japão, atualmente, a expectativa de vida ultrapassa 80 anos, enquanto no Brasil chegou a 71,3. A média mundial situa-se em 66 anos – 20 mais do que em 1959.

Para se ter uma idéia do extraordinário avanço que isso representa, basta dizer que, entre os antigos romanos, a expectativa de vida era de 20 anos. Um terço deles sucumbia antes dos 6 anos e apenas 60% sobreviviam até os 16. Aos 26 anos, 75% haviam desaparecido e, aos 46, a morte já havia tolhido 90% dos romanos. À condição de ancião, alcançada aos 60, somente chegava 3% da população.

Mas, enquanto antigamente nos perguntávamos se chegaríamos a envelhecer, hoje a questão é: será que vale a pena prolongar tanto o período da vida em que somos naturalmente mais frágeis e vulneráveis? Segundo o estudo Our Ageing World (Nosso Mundo que Envelhece), de Justin Healey, publicado em 2003, na Austrália, a resposta é sim, a vida vale a pena mesmo aos 100 anos. A pesquisa constatou que apenas um terço dos centenários vive acamado e precisa de cuidados constantes. Um outro terço precisa de alguma ajuda e o restante é capaz de viver com independência. O mesmo autor afirma que somente 3% a 4% das pessoas com 60 a 74 anos são dependentes de cuidados de terceiros e que, entre os que têm de 75 a 85 anos, esse índice sobe para 10%. Após os 85 anos, 21% dos homens e 28% das mulheres precisam de ajuda no dia-a-dia – o que significa que mais de 70% conseguem dar conta de si mesmos. E esse percentual tende a crescer.

Bons e maus hábitos

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A conquista de uma existência mais longa no século 20 resultou da melhoria das condições sanitárias nas cidades, com a criação de serviços públicos de saúde. Além disso, a ciência descobriu vacinas e antibióticos que possibilitariam a prevenção de doenças e o controle de epidemias. Se não para ampliar ainda mais a longevidade, o aumento do nível educacional e de renda deverá contribuir para melhorar a qualidade de vida na terceira ou – talvez possamos dizer – quarta idade. Até porque essas são condições importantes para o acesso à avalanche de informações sobre cuidados com a saúde que tem jorrado dos veículos de comunicação nas últimas décadas e despertado a consciência de que viver mais e melhor depende também de hábitos saudáveis. Sabe-se hoje, por exemplo, que o consumo excessivo de calorias é prejudicial à saúde. Um estudo da Universidade de Loma Linda, nos Estados Unidos, de 2001, demonstrou que dietas pobres ou isentas de gordura animal podem resultar em ganho de dois anos de vida e que exercícios diários moderados ajudam a aumentá-la em seis anos. Além disso, o estudo revelou que fumantes vivem em média 10 a 11 anos menos do que não-fumantes.

Enquanto se multiplicam no mundo os estudos sobre bons e maus hábitos, os cientistas matutam para encontrar drogas capazes de curar ou impedir o surgimento das doenças que acometem os mais idosos, como o Alzheimer, além das herdadas geneticamente. Inventam órgãos artificiais. Aprendem a corrigir genes defeituosos. Aprimoram técnicas de transplante e conhecimentos sobre células-tronco que, no futuro, servirão para cultivar novos órgãos – da pele ao pênis, do coração ao fígado. E se debruçam sobre o mapa genético humano na tentativa de encontrar uma causa específica para o envelhecimento.

Os cientistas querem descobrir agora como funciona o relógio orgânico que, fatalmente, conduz o ser humano ao fim. Eles até já teriam pistas do funcionamento do gene responsável por desencadear o processo. Se um dia se desvendará o mistério, ainda não se sabe. Mas, na dúvida, é melhor começar a pensar. Se o inglês De Grey estiver certo, você corre o risco de se aposentar aos 65 anos e viver até 1 000 anos. E aí: o que faria para não morrer de tédio nos 935 anos que ganharia de lambuja?

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Tendências

• CENTENÁRIOS

No mundo todo, a faixa da população que vem crescendo mais é a dos idosos, sobretudo aqueles com mais de 100 anos. No ano de 2050, eles deverão formar um grupo 20 vezes maior que o de centenários do ano 2000.

• PERSPECTIVA

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Mesmo levando-se em conta os avanços da ciência que devem ocorrer nos próximos anos, a maioria dos cientistas se mantém cética quanto à possibilidade de um aumento dramático na expectativa de vida do homem neste século.

• QUALIDADE DE VIDA

Se não vamos viver muito mais, ao menos deveremos viver melhor durante a velhice. O número de idosos que conseguem viver sem a ajuda de outras pessoas tende a crescer.

Eterna obsessão

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Para o movimento transumanista, a tecnologia vai mudar o homem e, cedo ou tarde, torná-lo imortal

Enquanto os místicos tentam transcender os limites do corpo pela força espiritual, alguns pensadores, na direção oposta, acreditam que poderemos chegar ao paraíso pelo caminho da ciência e da tecnologia. Eles se autodenominam “transumanistas” e acreditam que a humanidade será radicalmente modificada pela tecnologia no futuro – a tal ponto que, em algum momento da história, nossos descendentes deixarão de ser, sob muitos aspectos, seres humanos. Uma das idéias combatidas pelos transumanistas é que o envelhecimento e a morte são acontecimentos inevitáveis. Mas, ao contrário de algumas religiões, que pregam a imortalidade espiritual ou a vida depois da morte, os transumanistas acreditam na possibilidade da imortalidade física. Para isso, bastaria superar as atuais limitações biológicas do homem, por meio dos avanços esperados em áreas como nanotecnologia, engenharia genética e cibernética. Para os transumanistas, cedo ou tarde, vai chegar o dia em que a morte só ocorrerá por acidente ou por decisão voluntária.

Um dos principais teóricos do transumanismo foi o escritor F.M. Esfandiary. Filho de um diplomata iraniano, ele nasceu na Bélgica, em 1930, e escreveu algumas obras de ficção científica antes de mudar seu nome para FM-2030, por acreditar que viveria pelo menos até os 100 anos. “Eu não tenho idade. Nasço e renasço todos os dias. Pretendo viver para sempre. E provavelmente viverei, a não ser que ocorra um acidente”, disse certa vez.

FM-2030 morreu em 2000, aos 69 anos, vítima de câncer no pâncreas. Seu corpo foi congelado na Alcor Life Extension Foundation, nos Estados Unidos, seguindo a prática da criogenia, que consiste em preservar o corpo à baixa temperatura – à espera de um dia em que a ciência possa ressuscitá-lo e realizar sua obsessão de vida eterna.

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