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Anos rebeldes

É como se o organismo não quisesse ser tratado como criança. O cérebro contesta e faz certas glândulas, encarregadas de preparar o corpo para a reprodução, desobedecer à velha ordem de se comportar de maneira infantil. É o grito da puberdade.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h40 - Publicado em 31 out 1992, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira e Roberto Wüsthof

No início, homens e mulheres parecem idênticos. Mas não se deixe enganar: escondido no núcleo das células masculinas, desde o instante da concepção, está o cromossomo Y — e ele representa uma enorme diferença. Até a sétima semana de vida uterina, todo embrião tende a formar um corpo feminino. A partir daí, porém, o cromossomo Y dos futuros meninos se aciona, formando os testículos, glândulas que serão influenciadas por um hormônio de nome complicado, a gonadotrofina coriônica humana, produzido pela placenta.

Hormônios são mensageiros bioquímicos, capazes de desencadear as maiores alterações no organismo, daí o significado original dessa palavra, hormon, do grego “excitar” ou “estimular”. Os testículos, por sua vez, fabricam um segundo hormônio, a testosterona, a grande responsável pelo crescimento do pênis. Se não houvesse essa substância, o órgão sexual masculino não apareceria, mesmo com a presença do cromossomo Y. Assim como, por não possuir testosterona, o embrião feminino continua desenvolvendo uma vagina. Com os genitais formados, fica visível no foto que feminino e masculino são sexos opostos. No entanto, depois do nascimento, a testosterona praticamente deixa de ser liberada, como se os testículos adormecessem.

Por isso, apesar de cada um ter o seu design característico, na realidade os corpos de meninos e meninas funcionam quase da mesma maneira — e vão continuar assim, similares, por mais de uma década, até a entrada em ação dos chamados hormônios sexuais, incluindo (no caso deles) o retorno da poderosa testosterona. Isso acontece quando chega a adolescência, período em que a criança se transforma em adulto, graças a um complexo jogo de hormônios, cujo disparo a ciência ainda não desvendou por inteiro.Médicos e bioquímicos concordam: a adolescência é um período de revolta. No caso, rebeldes sem causa aparente são as gônadas, as glândulas que secretam os chamados hormônios sexuais — progesterona e estrógeno, nas mulheres; testosterona, nos homens. São essas substâncias que preparam o organismo para se reproduzir. E, nesse sentido, cuidam até dos mínimos detalhes, como delinear as curvas típicas das moças e acentuar os músculos dos rapazes, esculpindo diferenças nítida que possam servir de armadilha para o corpo de um atrair o do outro.

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“Na verdade, existem hormônios sexuais no organismo das crianças, mas as dosagens são tão baixas que não provocam efeitos visíveis”, explica o pediatra Robert Blum professor da Universidade de Minnesota, Estados Unidos. O médico americano é um especialista em tratar pacientes na faixa etária de seus dois filhos, isto é, na adolescência.Até essa fase da vida, o hipotálamo — a região cerebral que controla a produção dos hormônios — obedece à ordem de cancelar o que poderia ser chamada de operação puberdade, aquela capaz de transformar o organismo infantil em adulto. Essa operação é desencadeada por uma subordinada direta do hipotálamo, a glândula hipófise. Alojada na base do cérebro, com pouco mais de 1 centímetro de diâmetro e meio grama de peso, a hipófise produz uma série de substâncias importantes, entre elas as gonadotrofinas que induzirão as gônadas a liberar os hormônios sexuais “No entanto, esses mesmos hormônios sexuais são capazes de inibir as ordens do hipotálamo para a hipófise”, diz Blum. “Por isso, ela interrompe a secreção de gonadotrofinas, num mecanismo que denominamos feed back negativo.”

É um circulo vicioso, em que a engrenagem da adolescência emperra.Feito Peter Pan, o organismo da criança se recusa amadurecer — basta uma concentração ínfima de hormônios sexuais para paralisar o avanço do processo. Na puberdade, porém, o hipotálamo se rebela, como se deixasse de da ouvidos às velhas normas: “Passam a ser necessárias concentrações hormonais até cinco vezes maiores para inibi-lo” conta o pediatra. Como sinal de independência, o hipotálamo começa a secretar durante o sono, a cada hora ou hora e meia, o chamado hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH). É o empurrão decisivo para se tornar adolescente “Esse padrão pulsátil do GnRH parece ser importante”, revela Blum. “Isso porque, curiosamente, quando esse hormônio é liberado de forma contínua, ele acaba provocando justamente o efeito oposto, ou seja, o bloqueio da puberdade Tanto assim que os médicos vêm receitando doses de GnRH para tratar crianças com adolescência precoce.”Em resposta ao GnRH, a hipófise libera as moléculas de gonadotrofinas, também em pulsos noturnos.

Elas se dividem, na realidade, em dois tipos de hormônios: o FSH (do inglês, hormônio folículo-estimulante) e o LH (hormônio luteinizante). Apesar desses nomes terem a ver com seu papel no organismo feminino, a dupla de substâncias também age nos homens. O fato é que, neles, os dois hormônios entram em ação ao mesmo tempo, enquanto nas mulheres o FSH e o LH parecem trabalhar em turnos diferentes — ou melhor, em épocas diversas do mês.Nas moças, o FSH é o primeiro a entrar em cena, induzindo os ovários — as gônadas femininas — a produzirem estrógeno. O estímulo vai surtir efeito enquanto durar a vida fértil da mulher, até a chegada da menopausa, que costuma acontecer a partir dos 45 anos. Mas, nas adolescentes, a entrada do estrógeno em circulação não é nada sutil: esse hormônio sexual provoca o crescimento das mamas. E não é só isso que se nota no espelho. Se o primeiro sutiã, dizem, é inesquecível. também é marcante a mudança dos contornos em outras regiões do corpo. Porque, uma vez presente no sangue, o estrôgeno induz as moléculas de gordura a se depositarem em áreas específicas — nas coxas e nos quadris, arredondando a silhueta feminina.

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Esse endereço em que a gordura estaciona e todas as outras características físicas que surgem na puberdade já estavam determinados pelos genes, desde o instante da fecundação. Os hormônios apenas provocam o desenrolar da história, cujo script está contido na bagagem hereditária. Um rapaz, por exemplo, pode não exibir pêlos no peito não por falta de hormônios, mas sim porque não herdou a tendência genética para ser cabeludo.Durante a vida fértil da mulher — entre a adolescência e a menopausa —, o estrógeno também prepara, todo mês, o amadurecimento de um ou mais óvulos, células reprodutoras femininas, instaladas nos ovários. É a própria concentração sangüínea de estrógeno que avisa à hipófise quando esse serviço já está feito. Então, a glândula cerebral dispara um pico de LH, a segunda gonadotrofina Por cerca de dezoito horas, o LH é gotejado na circulação. Isso basta para o óvulo maduro ser lançado para as trompas local em que poderá eventualmente encontrar um espermatozóide — a célula reprodutora masculina. Uma vez desocupada, a região em que o óvulo ficava no ovário se transforma em uma espécie de glândula amarelada, chamada corpo lúteo, encarregada de fabricar a progesterona. Este segundo e último hormônio sexual feminino dá o acabamento final no útero para receber um embrião. Se não há gravidez, porém, os níveis dos hormônios sexuais baixam rapidamente e, daí, acontece a menstruação.

Estudos estatísticos apontam que, comparando meninos e meninas de uma mesma população, eles entram na adolescência cerca de dezoito meses depois da primeira menstruação delas. Esse período aparenta ser mais longo, porque o primeiro sintoma da puberdade, nos rapazes, é o aumento dos testículos, as gônadas masculinas — o que é bem menos evidente do que o surgimento das mamas, por exemplo, flagrante nas moças. Os testículos mudam de tamanho justamente porque o organismo dos meninos começa a fabricar a testosterona. O efeito da substância pode ser percebido na voz, que irá se tornando cada vez mais grave, à medida que o hormônio vai alargando a laringe, o canal do aparelho respiratório em que se localizam as cordas vocais.A testosterona ainda faz o pênis crescer e provoca o aparecimento de pêlos por todo o corpo — isto é, em quase todo o corpo. Porque, tanto nos rapazes como nas moças, os chamados pêlos sexuais, nas axilas e na região pubiana, surgem graças aos andrógenos, hormônios fabricados pelas duas glândulas supra-renais, que lembram pequenos bonés sobre o par de rins. Hoje se sabe que, no caso dos rapazes, os andrógenos potencializam os efeitos da testosterona formando uma espécie de dupla dinâmica.

Afinal, a testosterona muitas vezes circula pelo organismo agarrada a moléculas de aminoácidos chamadas globulinas, que atrapalham a sua ação. Os andrógenos, por sua vez, diminuem a concentração de globulinas no sangue, deixando quantidades maiores de testosterona livre.Há um outro grupo de substâncias que aproveita os embalos da adolescência: são os hormônios do crescimento. Eles já existiam no organismo da criança, mas na puberdade a hipófise começa a lançá-los com o mesmo ritmo disciplinado que secreta as gonadotrofinas. No fígado, esses hormônios comparáveis a um fermento podem passar por uma metamorfose, transformando-se em moléculas de somatomedina C. Não importa. No final das contas, somatomedina C e hormônios do crescimento causam o mesmo efeito: eles se ligam diretamente nas cartilagens das extremidades dos ossos. Ali, desencadeiam a formação de novas células ósseas. A área cartilaginosa vai diminuindo: em compensação o osso se torna mais longo, garantindo o espichamento do adolescente. No início, esse processo segue o lema do devagar e sempre. Até que os hormônios sexuais — eles, mais uma vez — resolvem dar uma força.

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Esses hormônios fazem a pessoa crescer com uma rapidez vertiginosa; mas, na mesma velocidade estonteante, causam o fechamento da cartilagem, acabando de uma vez com qualquer possibilidade de aquele osso se alongar. Ou seja, num curto período, o jovem ganha alguns centímetros em estatura, mas depois praticamente não cresce mais.Uma baixinha de 14 anos, por exemplo, que não tenha menstruado — sinal de que a taxa de seus hormônios sexuais ainda deve se elevar — pode ter muito mais potencial de crescimento do que uma garota igualmente baixinha, que já teve sua primeira menstruação. As estatísticas mostram que, depois de menstruar, o ganho de altura das meninas costuma ser desprezível. Em geral, diante de um adolescente baixinho, uma das primeiras providências do médico é radiografar as epífises, como preferem chamar aquelas regiões cartilaginosas. Seu tamanho é a medida fiel da chamada idade óssea. O que preocupa os especialistas são os casos de puberdade precoce, quando a produção dos hormônios sexuais se antecipa em relação à idade cronológica — e, daí, os problemas de estatura podem ser apenas a ponta do iceberg de uma série de complicações em relação ao funcionamento das glândulas.

No Brasil, porém, são mais freqüentes os casos de atraso da puberdade. “Para a maioria da população, a puberdade pode chegar tarde por causa da desnutrição”, diagnostica a pediatra Verônica Coates, da Santa Casa de São Paulo. “Isso não tem nada a ver com hormônios, mas com falta de proteínas mesmo.” Nos países avançados, do final do século passado até os últimos anos 60, constatava-se que a idade média da primeira menstruação das meninas vinha adiantando quatro meses a cada década; há trinta anos, a situação parece ter se estabilizado. “Em termos de população brasileira ainda podem ocorrer mudanças, no que diz respeito à época do inicio do adolescência, porque ainda não alcançamos nosso potencial genético”, avalia a pediatra Anita Colli, do Instituto da Criança, em São Paulo. “Um estudo com mais de 3 000 jovens comprovou que na população pobre, sem acesso à alimentação higiene e educação adequadas, a puberdade inicia mais tarde, em relação à dos jovens com recursos”, diz a médica.Cedo ou tarde, o que ninguém sabe é o que faz a puberdade chegar.

“Trata-se de um enorme ponto de interrogação”, confessa o endocrinologista Walter Bloise, do Hospital das Clínicas em São Paulo. “Notamos que podem existir uma relação com a glândula pineal, no meio do cérebro. A substância que ela libera, chamada melatonina, inibiria a produção de GnRH, mas esse efeito desaparece na adolescência”. Segundo Bloise, há ao menos consenso entre os especialistas da área: “É necessária certa maturidade geral da pessoa para a adolescência disparar. Estudos demonstraram que as meninas raramente entram na puberdade antes que alcancem um peso mínimo de 30 quilos”, exemplifica. Também há indícios de que o processo de desenvolvimento físico tende a caminhar lado a lado com o amadurecimento psíquico. Isso, porém, é bem mais complicado para se provar. Principalmente porque, hoje nenhum cientista duvida, os hormônios sexuais afetam o comportamento das pessoas; então fica difícil saber até que ponto eles são causa ou efeito de mudanças de atitude. Algumas experiências apontam, por exemplo, que os andrógenos levariam a um aumento de agressividade e irritabilidade — daí talvez que, desde os mais velhos tempos, os jovens adorem contestar.

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Para saber mais:

Sob o regime dos hormônios

(SUPER )

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Efeitos colaterais

Às vezes, fica na cara a chegada da adolescência: aparecem as terríveis no rosto. Quando aumenta a quantidade de hormônios sexuais na circulação sangüínea, particularmente a dosagem de andrógenos, as glândulas sebáceas espalhadas pelo corpo tendem a trabalhar em dobro, secretando mais e mais gordura. Esse sebo, que em condições normais lubrifica e protege a pele, se acumula dentro de poros que, repletos, incham até não poder mais — daí, surgem os chamados cravos. Estoques de gordura, eles são como geladeiras cheias de comida para uma série de bactérias, principalmente as Propionibacterium acne, que adoram se alimentar do sebo.Esses micróbios não perdem a oportunidade de infectar o poro estufado com gordura; as células de defesa do sangue tentam impedir o banquete, destruindo os invasores comilões Os mortos e os feridos nessa batalha imunológica formam o pus, líquido amarelo que, acumulado sob a pele, forma a espinha. Segundo os especialistas, o conselho de evitar chocolates a qualquer custo não passa de folclore. Nem mesmo os medicamentos resolvem completamente o problema.

A acne só desaparece quando os hormônios sexuais entram em equilíbrio, no final da adolescência.Nos meninos, o mau balanceamento dos hormônios sexuais no período da puberdade pode ter outro efeito colateral desagradável: sete em cada dez rapazes desenvolvem a chamada ginecomastia, ou seja, seus peitos crescem. “Trata-se de um desequilíbrio entre a testosterona e os estrógenos, hormônios sexuais femininos, que também existem nos rapazes, mas em doses mínimas”, explica a endocrinologista Nuvarte Setian, do Instituto da Criança em São Paulo. “O problema, no entanto, não afeta a masculinidade e, geralmente, desaparece depois de dois anos.” Tudo indica que a ginecomastia ocorre por causa de um aumento da enzima aromatase, que transforma a testosterona em estrógeno. “Além de haver uma tendência genética para o distúrbio essa enzima também costuma se encontrar em doses elevadas nos jovens obesos”, diz Nuvarte. “Tratamentos hormonais podem só piorar a situação. O melhor é esperar e, nos casos muito graves, apelar para a cirurgia plástica. “

Os líderes da oposição

Os hormônios são os grandes responsáveis pela existência de sexos opostos. Ainda na vida uterina, sob o comando dos genes, eles esculpem o corpo masculino — diferente do corpo feminino, que dispensa essas substâncias para se formar. Na infância, porém, a ação hormonial é igual em meninos e meninas. As diferenças só surgem na adolescência , quando homem é homem, mulher é mulher, ao menos do ponto de vista desses mensageiros bioquímicosDa sétima à décima semana de vida uterinaNos fetos do sexo masculinoGonadotrofina coriônica humana: secretada pela placenta, ela estimula o crescimento dos testículos, que vão produzir outro hormônio, a testosterona.Testosterona: dispara a formação dos genitaisDo nascimento à puberdadeNos meninos e nas meninasHormônios tireoidianos:produzidos pela glândula tireóide no pescoço, eles controlam o metabolismo.GnRH: substância lançada pela região cerebral do hipotálamo, servindo de ordem química para a glândula hipófise fabricar a dupla de gonadotrofinas — os hormônios LH e FSH.

Mas na infância, mal essas duas substâncias começam a ser liberadas na circulação sangüínea o hipotálamo interrompe sua produção de GnRH. Daí, o processo que levaria ao amadurecimento sexual nunca segue em frente.Hormônios do crescimento: produzidos na hipófise, glândula situada no cérebro, elas fazem a criança crescer.Somatomedina C: produzido no fígado, é outro hormônio que estimula o crescimento.Na puberdadeNas moças e nos rapazesSomatomedica C, hormônios do crescimento e tireoidianos: aumenta a ação dessas substâncias no organismo.GnRH: não pára de ser fabricada, como acontecia durante a infância.Andrógenos: produzidos nas glândulas supra-renais, eles fazem crescer pelos nas axilas e na região pubiana.Nos rapazesFSH: é responsável pela formação de espermatozóides.LH: estimula os testículos a fabricar a testosteronaNas moçasFSH: estimula os ovários a produzir o estrógeno.LH: todo mês, provoca a ovulação, desencadeando assim a síntese da progesterona.

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