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Vai que é tua, Holanda!

Copa de 1986, provou que manter o equilíbrio psicológico é fundamental.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h09 - Publicado em 31 ago 2001, 22h00

José Augusto Lemos

A seleção brasileira de futebol precisa ficar de fora de uma Copa do Mundo. Parece que só assim o Brasil, o tal “gigante adormecido em berço esplêndido” (perdoem o clichê com cheiro de naftalina!), poderá acordar, crescer e amadurecer. Toda fantasia frustrada e toda humilhação escondem um riquíssimo potencial instrutivo para o autoconhecimento e o auto-aperfeiçoamento – desde que a vítima saiba aproveitar a oportunidade, é claro.

Infelizmente, o fiasco da Copa de 1998 não foi o suficiente para provocar uma daquelas crises de consciência capazes de motivar um esforço coletivo para salvar nosso futebol. Nem a recente derrota para a seleção de Honduras conseguiu despertar respostas inteligentes à fase negra que atravessamos. No dia seguinte, só se ouviam torcedores e comentaristas decretando que havíamos chegado ao fundo do poço – sintoma de que estamos longe de curar nossa vaidade e nossa infantilidade. Isso porque o verdadeiro fundo do poço, muito mais vergonhoso do que levar goleada de um time de várzea, fôra o episódio dos jogadores brasileiros flagrados na Europa com passaportes falsificados, semanas antes. O caso não mereceu um milésimo da indignação causada pela surra hondurenha, sinal assustador de que preferimos compactuar com fraudes do que perder dentro das regras do jogo.

Se o dinheiro realmente corrompe, não existe melhor exemplo do que o futebol brasileiro. Nos últimos tempos, tivemos até uma CPI (ironizada a torto e a direito por outros países) investigando podreiras de técnicos e dirigentes – e nenhuma delas surpreendeu a opinião pública, mais que acostumada aos desmandos da cartolagem. Aquele ridículo bando de milionários tentando driblar a alfândega, na volta da Copa de 1994, talvez seja o caso mais inofensivo do mercenarismo que derrubou nosso talento, nossa vocação de eternos favoritos a qualquer título mundial. Pois esse tempo já era, acabou, morreu, ainda que ninguém aceite o fato – daí a necessidade de testemunharmos uma Copa sem a presença da nossa seleção para baixarmos de vez a bola e cuidarmos de coisas bem mais importantes do cenário político-social-econômico-ecológico-cultural-etc e tal.

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Essa análise não passa de um diagnóstico leigo, mas acredito que foram mesmo o mercenarismo e a vaidade que mataram o futebol brasileiro. Quem realmente entende do assunto detecta no excesso de partidas e torneios a principal causa de esgotamento dos atletas e do próprio público. Mas como combater a ganância responsável pelo inchaço no calendário dos campeonatos? Ela não é o mesmo veneno que se infiltrou na vida de cada um de nós, a mesma cobiça que faz as pessoas trabalharem cada vez mais e as empresas buscarem aumentar seus lucros ad infinitum? Essas são as verdadeiras regras do jogo, baby! Hoje, quem manda no horário das partidas é a novela das oito, certo?

E o mais triste nessa história toda é que o papel de bode expiatório quase sempre sobra para os jogadores – justo as maiores vítimas da engrenagem. Se algum mercenarismo merece ser absolvido, é o deles. Atleta, afinal, é que nem modelo: tem que faturar alto porque aos 30 anos de idade – imaginem que angústia! – começa a perder seu prazo de validade profissional. E esse está longe de ser o único peso nas costas dos ídolos: o fanatismo da torcida e sua manipulação pela imprensa endeusa o jogador, nos momentos de glória, para depois derrubá-lo com o mesmo exagero. Existem poucas coisas mais nojentas do que a baba ufanista dos locutores brasileiros, para quem o Brasil só perde porque joga mal, nunca por mérito do adversário. Essa infantilidade, por sua vez, alimenta ainda mais a expectativa do torcedor que busca num jogo de bola o heroísmo e as emoções fortes que faltam em seu cotidiano medíocre e mecânico. Tanta pressão acaba desnorteando até craques como Zico, que, ao perder aquele pênalti contra a França, na

Copa de 1986, provou que manter o equilíbrio psicológico é fundamental.

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Por isso eu acredito que o melhor que poderia acontecer ao futebol brasileiro seria fazer de 2002 um ano sabático – prática comum entre professores universitários e também entre altos executivos: ficar esse período sem trabalhar para se reciclar. Se o Brasil for mesmo desclassificado nas eliminatórias, já escolhi até para quem torcer: a Holanda. Ela não é somente o país de maior respeito às liberdades individuais, como o time mais desfavorecido pela sorte desde a Copa de 1974, quando encantou o mundo com sua criatividade e alegria (dando, inclusive, um baile histórico no Brasil), e perdeu para a truculenta Alemanha na final. Será que foi naquele dia que morreu o futebol-arte – e os últimos a defendê-lo foram mesmo os holandeses?

Os artigos publicados nesta seção não traduzem necessariamente a opinião da Super.

Frase

“O Brasil será um país melhor se ficar fora da Copa de 2002”

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