Entenda o que é o marco temporal – e como ele afeta os povos indígenas
A tese deve impactar 303 territórios indígenas em processo de demarcação.
Nesta semana, o Senado Federal aprovou, por 43 votos a 21, a lei do marco temporal, que estabelece a data de promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988) como base para demarcar terras indígenas. A decisão foi na contramão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, por 9 votos a 2, julgou a tese como inconstitucional. O texto segue para sanção do presidente Lula – deve vetá-lo integralmente.
A votação no STF começou há dois anos, em agosto de 2021. Na época, povos indígenas e apoiadores se juntaram em Brasília para protestar. Mais de 6 mil indígenas foram ao Distrito Federal e formaram o acampamento “Luta pela vida”. Foi uma das maiores manifestações já feitas por povos originários.
Para entender toda essa discussão, é preciso voltar alguns anos. Em 2009, o STF teve que resolver um conflito envolvendo indígenas e produtores de arroz, que disputavam pela Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Na época, a decisão foi favorável aos povos originários, sob alegação de que estes já estavam no território quando foi promulgada a Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Mas há um detalhe importante nessa história. Se você pegar o artigo 231 da Constituição, verá a seguinte passagem: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. O texto, ao contrário da justificativa dada pelo STF em 2009, não fala nada a respeito de datas.
Após a decisão, foram abertos precedentes para que outros casos do tipo fossem julgados da mesma maneira. O tal marco temporal, então, defende que apenas as terras que já estavam sob uso de indígenas em 5 de outubro 1988 podem ser reivindicadas.
O problema
Ao usar a data da Constituição na hora de demarcar terras indígenas, diversos fatores ligados à colonização são desconsiderados. Afinal, muitos povos não estavam em seus territórios de origem no período apontado porque, antes, foram expulsos de suas terras, tanto pela violência de desbravadores quanto pela própria expansão urbana e rural.
Mesmo assim, em 2017, a Advocacia Geral da União (AGU) deu o parecer que, assim como ocorreu na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o marco temporal seria aplicado em qualquer outro caso similar. Um deles, que está em discussão atualmente e serve como símbolo dessa luta, é o caso dos indígenas Xokleng, da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, em Santa Catarina.
Em 1914, cerca de 400 mil indígenas viviam no estado, número que se reduziu devido à perseguição de desbravadores, construção de barragens, entre outros fatores. Hoje, a etnia Xokleng divide espaço com os Guaranis e Kaingangs – somando pouco mais de 2 mil indígenas. Agora, eles lutam pela demarcação do território.
A tese do marco temporal está atrelada ao Projeto de Lei 490/2007, fortemente apoiado pela bancada ruralista. A decisão, se aprovada, deve afetar (e dificultar) o processo de demarcação de 303 terras, onde vivem cerca de 197 mil indígenas.