Enterros de beira de estrada: como criar cemitérios sustentáveis
Consultor de saúde pública do Reino Unido tem uma ideia ousada para solucionar a superlotação das necrópoles: enterrar os mortos nas margens das rodovias.
É triste, mas é verdade: nem na hora da morte podemos descansar em paz, sem peso na consciência. Hoje em dia, morrer é um fardo para as cidades e para o meio ambiente.
Mais de 55 milhões de pessoas morrem no planeta todos os anos — algo como a população dos estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul combinadas. Não é de se admirar que os cemitérios mundo afora não estejam mais dando conta de abrigar tanto cadáver.
Há ainda o desafio ambiental dessa história. Tanto os químicos usados no embalsamamento de cadáveres quanto os materiais utilizados nos caixões não são nada sustentáveis. Poluímos a natureza mesmo depois de mortos.
Na tentativa de oferecer possíveis soluções a um problema que só tende a piorar nas próximas décadas e séculos, um especialista britânico propôs explorar lugares nada convencionais para construirmos nossos sepulcros: nas beiras de estradas e rodovias.
Apesar de soar estranha ou mesmo desrespeitosa para algumas pessoas, não há como negar que a ideia até que faz sentido. Enquanto nas cidades os terrenos são cada vez mais escassos e disputados, ao longo das rodovias existem extensas faixas de terra inutilizadas. Transformá-las em cemitérios poderia realmente desafogar as superlotadas necrópoles urbanas. Mais do que isso, seria uma oportunidade de restaurar o ciclo natural da morte.
Enterrar os mortos na natureza, em caixões biodegradáveis, garantiria o retorno da matéria orgânica de seus corpos à terra e a continuidade de seus nutrientes nos mais diversos processos naturais. “Precisamos de uma grande visão estratégica de locais de enterro verdes para recuperar nossas cidades”, afirma John Ashton, consultor de saúde pública do Reino Unido. Suas propostas foram publicadas no Journal of the Royal Society of Medicine.
O especialista defende que grandes rotas de transporte sejam margeadas por corredores verdes destinados ao sepultamento e também à conservação da vida selvagem. “Está na hora de revisitar as raízes de saúde pública dos enterros humanos e conectá-los a uma nova visão para um planeta apropriado às futuras gerações”, diz Ashton. Ele sugere que o mesmo uso pode ser dado a terrenos baldios e construções abandonadas nas cidades.
É fato que o aumento de popularidade da cremação tem ajudado a aliviar a superlotação dos cemitérios urbanos, mas no Brasil a técnica funerária que reduz o cadáver a cinzas ainda é pouco utilizada. Só 5% dos brasileiros falecidos são cremados. Em países como os Estados Unidos, o número chega a 50%, com a maior taxa de todas no Japão — 99%.
Só que nem tudo são flores na cremação: ela gasta muita energia e também polui o ar. Sem contar que, de qualquer forma, muitas pessoas acabam enterrando as urnas de seus entes queridos. Então outras soluções são bem-vindas.
Enterros sempre tiveram papel central em qualquer cultura ou civilização, sendo cerimônias imbuídas de grande significado religioso e comunitário. Nada mais justo que, em tempos de crise climática, nossa última morada priorize o meio ambiente — mesmo que seja na beira de uma estrada.