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Línguas separatistas: a história de 13 conflitos linguísticos pelo mundo

Uma língua é mais que um código compartilhado: é o cerne da identidade de um povo. E quando as fronteiras não correspondem aos idiomas, começa a confusão.

Por Carolina Fioratti
Atualizado em 28 jun 2022, 11h48 - Publicado em 20 ago 2021, 13h22

Em diversas regiões de conflito ao redor do mundo, existem línguas que, embora tenham nomes diferentes, são tão parecidas entre si quanto o português brasileiro e o português de Portugal.

Línguas que, para todos os critérios práticos, poderiam ser uma só – mas permanecem separadas do ponto de vista político porque seus falantes se dividem em dois ou mais grupos com histórias e religiões diferentes. É o caso do urdu e do hindi, falados pelos arqui-inimigos Paquistão e Índia, ou do servo-croata, cujas variantes na Sérvia e na Croácia são reinvindicadas como línguas à parte.

O oposto também acontece: línguas distintas forçadas a ficar sob o mesmo balaio. Isso acontece com o árabe. A versão clássica da língua, em que se lê o Corão, desmembrou-se há muito em línguas-filhas nos diversos países islâmicos. Mas elas não são reconhecidas oficialmente, e as escolas ainda forçam as crianças a escrever de um jeito tão antiquado quanto o latim seria para nós.

O problema mais comum, porém, é o dos falantes de duas ou mais línguas diferentes que convivem no mesmo território, sob o mesmo governo. Dos bascos na Espanha à revolta dos falantes de tâmil contra os cingaleses em Sri Lanka, as diferenças linguísticas foram e são combustível de brigas entre congressistas, guerras civis e ataques terroristas em todo o mundo. Conheça algumas dessas histórias.

Ilustração de mapa com região da Índia, Paquistão e Bangladesh destacadas e guerreiros indiano e árabe se enfrentando ao lado.
(Camila Gray/Superinteressante)

Índia, Paquistão e Bangladesh

Índia e Paquistão são vizinhos e falam uma mesma língua. Mas jamais admitiriam: para os paquistaneses, que são muçulmanos, o idioma se chama urdu e é escrito com o alfabeto árabe. Já os indianos se referem à língua como hindi e usam o alfabeto devanagari (o do sânscrito). As duas ex-colônias britânicas mantêm desde 1947 uma inimizade pontuada por quatro guerras, ameaças nucleares e a disputa do território da Caxemira. E essa história tem um spin off: o Paquistão, originalmente, tinha um naco isolado de território do outro lado da Índia. Naquelas bandas, não se fala urdu, mas bengali – essa sim, uma língua diferente. A minoria bengali tornou sua língua uma das oficiais do Paquistão em 1956. Em 1971, declarou independência e formou o Bangladesh. O episódio inspirou a Unesco a criar o Dia Internacional da Língua Materna.

Ilustração de mapa com o Sri Lanka destacado e um tigre ao lado.
(Camila Gray/Superinteressante)

Sri Lanka

Por lá, fala-se o cingalês, idioma da maioria budista, e o tâmil, língua dos hindus e católicos. A turma tâmil acusa os cingaleses de privilégios; os cingaleses dizem que é reparação histórica, porque o povo tâmil era queridinho dos colonizadores britânicos. Resultado? Os Tigres de Libertação da Pátria Tâmil iniciaram (e perderam) uma guerra, que acabou em 2009 com cerca de 100 mil mortos.

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Cabo Verde

Essa ex-colônia ilustra conflitos linguísticos comuns na África. A língua oficial é o português, mas cada ilha do arquipélago fala, na prática, sua versão do crioulo cabo-verdiano, uma mistura de português e línguas nativas. Há um movimento para torná-lo língua oficial, mas, como a tradição é oral e não há padronização gramatical, fica a questão: qual das nove variantes deve-se adotar?

Veja como se diz “Eu não sei” em três versões do crioulo cabo-verdiano – uma de cada ilha do arquipélago.

Crioulo de São Vicente: M’ câ sabê.
Crioulo de Santo Antão: Mí n’ séb’.
Crioulo de Santiago: M’ câ sâbi.

Ilustração de mapa com a região do Timor Leste destacada e um soldado pisando na bandeira de Portugal ao lado.
(Camila Gray/Superinteressante)

Timor-Leste

O pequeno país no Sudeste Asiático declarou independência de Portugal em 1975. Não durou: um ano depois, a vizinha Indonésia anexou o território, proibiu a língua portuguesa e o catolicismo e realizou um genocídio. Em 2002, o país reconquistou a liberdade e tentou trazer de volta o português – falado até hoje pelos mais velhos. Mas os jovens não querem: preferem falar inglês.

Ilustração de mapa com os países árabes destacados e o Corão ao lado.
(Camila Gray/Superinteressante)

Países árabes

O árabe clássico, que Maomé falava no século 7, já era: cada país fala uma língua própria que descende dele, do mesmo jeito que o latim se tornou o italiano, o português etc. Mas as Constituições islâmicas não reconhecem a existência de idiomas que não sejam o original do Corão, o livro sagrado dos muçulmanos.
É como se os nossos jornais e leis ainda fossem escritos como na Roma Antiga.

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Ilustração de mapa com região de Quebec destacada e o Big Ben e a Torre Eiffel lutando boxe ao lado.
(Camila Gray/Superinteressante)

Quebec

A ex-colônia francesa, hoje uma província (equivalente a um estado) canadense, pega pesado para manter a francofonia viva. Em 1977, o Projeto de Lei 101 tornou o francês a única língua oficial do Quebec – da sinalização de rua às aulas nas escolas, passando por documentos oficiais. A imposição levou parte da população falante de inglês a migrar, mas amenizou desejos separatistas.

Ilustração de mapa com ilha da Córsega destacada e Napoleão ao lado.
(Camila Gray/Superinteressante)

Córsega

A ilha é culturalmente próxima da Itália, e o corso é um idioma similar ao dialeto da Toscana. Mas foi anexada à França em 1769, e é terra natal de Napoleão. No final da década de 1950, os franceses queriam realizar testes nucleares por lá – gota d’água para os corsos, já irritados há séculos com a submissão à França. Surgiu até a Frente de Libertação Nacional Corsa (FLNC), um grupo terrorista.

Ilustração de mapa com a região da Crimeia destacada e russo e ucraniano com trajes típicos disputando cabo de guerra ao lado.
(Camila Gray/Superinteressante)

Crimeia

A Crimeia é russa em termos étnicos e linguísticos, mas fica na Ucrânia. Por isso, há um movimento separatista. Em 2012, um presidente ucraniano pró-Rússia tornou o russo língua oficial da Crimeia, e em 2014 negou um acordo com a União Europeia para agradar Putin. A população ucraniana odiou e expulsou o cara do cargo. Putin revidou invadindo a Crimeia – que permanece ocupada.

Ilustração de mapa com Sérvia e Croácia destacadas e igreja católica e ortodoxa ao lado.
(Camila Gray/Superinteressante)

Croácia e Sérvia

Os croatas são católicos e escrevem com o alfabeto latino. Historicamente, pertencem à esfera de influência de Roma. Já os sérvios, de fé cristã ortodoxa, usam o alfabeto cirílico e são herdeiros culturais do Império Bizantino. Apesar disso, ambos falam o idioma servo-croata. Só muda o sotaque, basicamente. Os dois povos, porém, reivindicam suas variantes como línguas separadas. Essa autoafirmação é herança de uma briga feia. Após a 2a Guerra, as duas nações conviveram como partes da Iugoslávia socialista, unificada por Marechal Tito. Com sua morte em 1980, croatas, sérvios e outras quatro etnias forçadas a ficar sob o mesmo balaio saíram no braço. Os croatas declararam independência em 1991 e lutaram contra o exército iugoslavo, sob controle sérvio. Ganharam em 1995 – mas a tensão segue firme.

Ilustração de mapa com as ilhas da Sardenha e Sicília representadas como se fossem dois barcos se afastando da Itália.
(Camila Gray/Superinteressante)

Sardenha e Sicília

Antes de se tornar parte da Itália, a Sardenha foi dominada pela Espanha. Seus moradores, então, falam sardo (a língua local, do mesmo tronco do italiano), catalão e até uma pitada de corso – e lutam no Congresso italiano para se separar do país. Também separatista é a Sicília, que se orgulha da classificação do siciliano como um idioma próprio em vez de um dialeto italiano.

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Ilustração de mapa com as regiões do País Basco e Catalunha destacadas e militantes do ETA ao lado.
(Camila Gray/Superinteressante)

País Basco e Catalunha

Os dois territórios espanhóis têm língua e cultura próprias (o basco, diga-se, é um idioma antiquíssimo, sem parentesco com línguas latinas ou germânicas). A opressão na ditadura de Franco acirrou os ânimos separatistas bascos e gerou o grupo terrorista ETA, sigla para Euskadi Ta Askatasuna, “Pátria Basca e Liberdade”. Já a Catalunha, embora sem insurgência armada, é 90% favorável à independência.

Na Galícia, uma região no noroeste da Espanha, fala-se galego – idioma que nasceu do mesmo ramo linguístico do português. Compare:

Português lusitano: “O Parlamento insta o Conselho a adotar as medidas necessárias para promover o pedido de admissão da Galiza como membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.”

Galego: “O Parlamento insta a Xunta a adoptar as medidas que sexan necesarias para impulsar a solicitude de admisión de Galicia como membro na Comunidade dos Países de Lingua Portuguesa.”

Ilustração de mapa com região dos Estados Unidos destacada e boné
(Camila Gray/Superinteressante)

Estados Unidos

41 milhões de pessoas (13% da população) falam espanhol em casa – é um número de falantes maior que o da própria Espanha. O grupo anti-imigração ProEnglish luta desde 1994 para tornar o inglês língua oficial do país (a Constituição não prevê uma) e impedir o ensino bilíngue. Em 2017, Trump tirou do ar a versão em espanhol dos sites federais, num aceno a este e outros grupos racistas.

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Paraguai

Em 2010, a legislação do país mudou para elevar o guarani ao patamar do espanhol, tornando-o também idioma oficial. Mas a língua indígena passou por uma reforma gramatical para se adequar ao currículo escolar – e não é mais a mesma que os avós das crianças falam. Países colonizados que dão espaço a línguas nativas têm o desafio nada trivial de viabilizar a tradição oral na forma escrita.

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Fontes: Marcos Bagno, Professor Associado do Instituto de Letras da UnB; Gabriel Antunes de Araujo, Livre-Docente na área de Filologia e
Língua Portuguesa no Depto. de Letras Clássicas e Vernáculas da USP; Pâmela Teixeira Ribeiro, Doutora em Filologia e Língua Portuguesa pela USP.

Errata: A versão online exclui um trecho sobre as diferenças entre português brasileiro e português europeu que continha informações imprecisas.

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