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No Tupi, o “y” é uma vogal que não existe em português

Entenda por que tantas palavras de origem tupi usam a letra "y" — ou o "ig" de Iperoig, que é o mesmo som. E saiba qual é a diferença entre tupi e tupi-guarani.

Por Bela Lobato
23 set 2024, 19h00

Caatinga, pipoca, piranha, pamonha, boboca, jacaré, paçoca. Uma porção de palavras no português têm origem tupi. Quando os portugueses chegaram ao litoral de onde hoje é o Brasil, encontraram povos que falavam uma variedade de idiomas. Mas o tupi antigo foi o escolhido: foi adotado pelos colonizadores, que o chamavam de “língua brasílica”.

Em 1595, menos de um século após a chegada dos portugueses, o jesuíta José de Anchieta publicou a primeira gramática de tupi. O objetivo era sistematizar a língua para ensiná-la a outros europeus, de modo a facilitar a catequização e a comunicação dos bandeirantes durante a colonização.

Na prática, isso promoveu o apagamento de outros idiomas indígenas, e misturou um montão de palavras de origem tupi ao português. No Brasil Colônia, o meio mais comum de comunicação entre colonos europeus, nativos e escravizados africanos era língua geral: um vira-lata linguístico de base tupi, mas com influências ibéricas. Falar português era coisa rara. 

O maior desafio dos portugueses, claro, foi criar um sistema de escrita para uma língua que era apenas falada usando o alfabeto latino para representar seus sons. E eles logo tropeçaram em um fonema tupi que não se encaixava em nenhuma letra latina (ainda que ele exista em muitas línguas do Velho Mundo).

É difícil explicá-lo por texto, mas você pode tentar de casa: observe o movimento que seus lábios fazem quando você faz o som do “I”, como em “início”. Agora, mantenha essa posição, com a boca aberta em um sorriso, mas faça o som do “u”, como em “urubu”. Eis o som do tupi que não temos em português.

Por um tempo, o “i” foi usado para esse som, mas não funcionava bem como saber quando o “i” tinha o som de “i” no português ou o som tupi? Na falta de um símbolo que o representasse, os jesuítas escolheram o “y”, um caractere que eles já conheciam, mas não usavam tanto assim.

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Existe uma listinha muito útil conhecida como alfabeto fonético internacional, que tem um símbolo para cada som de cada língua que existe, sem exceções. Nele, essa vogal é representada pelo símbolo /ɨ/, e chamada de “vogal central fechada não arredondada”.

Esse tipo de notação é encontrada em dicionários assim, se você souber o som dos fonemas equivalentes a cada notação, pode entender a pronúncia de uma palavra só lendo.

Esse som existe em pelo menos 38 línguas, mas é especialmente comum em línguas indígenas das Américas e outras do sul da Ásia. Mas também é usada em línguas com milhões de falantes, como russo, romeno, chinês, curdo, malaio e turco.

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Segundo Mateus Oliveira, professor de tupi, a grafia desse som com o “y” começou na segunda metade do século XVII e logo se estabeleceu. Em um vídeo no TikTok, ele explica que antes disso também tentaram emplacar a grafia “ig”.  Outras possibilidades eram “yg”, “ü”, “ÿ” e “ï” (sim, esse último “i” tem um trema em cima).

Algumas palavras continuam carregando essas versões, mesmo que o som original tenha se perdido. No litoral de São Paulo, por exemplo, há a Praia de Iperoig. A pronúncia correta em tupi não terminaria com o som de “ig”, mas com o bom e velho /ɨ/.

Se esse som fosse levado em consideração, a pronúncia de várias palavras de origem tupi que temos no português poderia ser diferente. Por exemplo, o nome Paraty, cidade no Rio de Janeiro, vem do tupi, para’ty, que significa “peixe branco”.

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Mesma coisa com Guaíba, cidade do Rio Grande do Sul, cujo nome vem de gua-yba, que significa “enseada”. Tente em casa pronunciar o nome dessas cidades com o som correto do “y”: eles soam totalmente diferentes.

Tupi ou tupi-guarani? Entenda

Tupi-guarani é o nome de uma família linguística dentro do tronco linguístico Tupi. Ficou complicado? Calma, vamos entender cada parte dessa história.

Na verdade, Tupi é o nome de um tronco linguístico, que inclui as famílias Tupi-guarani, Arikém, Awetí, Juruna, Mawé, Mondé, Purobo, Mundurukú, Ramarama e Tuparí. Elas são chamadas de famílias porque cada uma se ramifica em muitas línguas.

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Para comparar, pense no tronco linguístico Indo-Europeu. Ele é a origem dos idiomas falados por 46% da população atual do mundo, e suas primeiras evidências datam de mais de quatro mil anos atrás, na Turquia. Dentro dele, temos a família das línguas itálicas, que inclui o latim. O latim era uma língua que se modificou em várias, como o português, o espanhol, francês, romeno, etc. 

Em resumo: o português é uma língua derivada do latim, uma língua que faz parte da família Latina, que por sua vez pertence ao tronco linguístico Indo-Europeu.

Hoje, o tupi antigo é uma língua morta, sem falantes. Mas a família Tupi-guarani deu origem ao nheengatu, por exemplo, que surgiu no século XIX e é conhecido como tupi moderno ou língua geral amazônica. Até hoje, o nheengatu é falado por milhares de brasileiros e é um dos 17 idiomas oficiais do estado do Amazonas.

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