O que atos terroristas e violência doméstica têm em comum?
Homens que praticam atos terroristas também têm chances de bater na mulher, dizem pesquisas
Desejo de controle, instabilidade psicológica e sede de violência: dá para descrever um terrorista com essas palavras. Mas, se a gente parar para pensar, essas são as mesmas características de um outro tipo de criminoso: o marido violento. Nos Estados Unidos, é comum os dois sejam a mesma pessoa.
É o caso de Mohamed Lahouaiej-Bouhlel, o principal suspeito de ter atropelado dezenas de pessoas durante as comemorações do Dia da Bastilha, em Nice, na França. Em 2012, a esposa o denunciou por agressão física, o que rendeu uma ordem restritiva que o proibia de chegar perto da mulher. Omar Mateen, o atirador que matou 49 pessoas em uma boate em Orlando, teve um passado parecido: logo depois do ataque, sua ex-esposa, Sitora Yusufiy, deu uma entrevista ao New York Times, revelando a violência doméstica que sofreu nos poucos meses de casamento. Segundo ela, Mateen a espancava constantemente – às vezes enquanto ela dormia -, confiscava seu salário e proibia que ela entrasse em contato com a própria família. “Ele ficava bravo e se tornava violento do nada”, diz Sitora, no vídeo.
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Em inglês, a violência doméstica é considerada uma forma de terrorismo: ela é chamada também de “intimate partner terrorism” (IPV), ou “terrorismo de parceiros íntimos”, em português. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o IPV pode ser definido como “qualquer comportamento de controle em uma relação íntima que envolva abuso físico, psicológico ou sexual para os envolvidos nessa relação”. O tipo de terrorismo que Mateen cometeu, por sua vez, é descrito pela Constituição dos EUA como “atos violentos ou perigosos à vida humana”, que “intimidem ou coajam a população ou o governo”.
Do mesmo jeito que o terrorista, “o parceiro abusador tem um padrão de tentar controle a vítima” (segundo a OMS), e tenta perpetuar esse controle usando a violência – seja ela física, sexual ou moral. O abuso doméstico, assim como os grandes assassinatos em massa, são uma forma de manter o status quo; um grito de quem está tentando tomar ou retomar o controle.
Exemplos atuais não faltam. Em fevereiro, o americano Cedric Ford atirou em 17 pessoas em seu trabalho, no Kansas, pouco depois de ser denunciado pela ex-namorada por violência doméstica – e de ter ganhado uma ordem judicial para ficar bem longe dela. Em 2014, o australiano Man Haron Monis manteve um grupo de pessoas reféns durante 17 horas em Sidney, matando duas e ferindo quatro – e sua ex-mulher também mencionou ter sofrido violência, e ter sido ameaçada e forçada a ficar com Monis. E em 2011, O americano Scott E. DeKraai matou 8 pessoas em Seal Beach, Califórnia; entre as vítimas, estava sua esposa, Michelle Fournier.
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Nos 133 assassinatos em massa que aconteceram nos EUA entre 2009 e 2015, 85% dos atiradores eram homens; 57% deles eram casados – e pelo menos 16% já haviam sido acusados de violência doméstica. “Pelo menos” porque a violência doméstica um dos crimes mais subnotificados, junto com o estupro, já que a vítima tem uma ligação com o agressor e pode se sentir culpada, com vergonha ou com medo de denunciar.
A proporção se repete nos casos denunciados de violência doméstica: nos EUA, 94% dos agressores são homens. Eles também são a maioria dos stalkers, dos assassinos, dos estupradores – e dos atiradores de massacres como o que aconteceu em Orlando. Enquanto isso, só 8% de todos os homicídios com armas de fogo no país, em massa ou não, são arquitetados por mulheres.